Ano: V Número: 54
ISSN: 1985-005X
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Marchetaria racionalizada

Ethel Leon

A Universidade de Brasília lançou um caderno intitulado Muira Design Marchetaria que registra o processo de produção de móveis com madeiras alternativas da Amazônia. A publicação é de enorme riqueza para todos que trabalham em pequenas marcenarias −  que são muitas no Brasil.

O caderno é prefaciado por Maria Helena de Souza, engenheira florestal do Laboratório de Produtos Florestais do Serviço Florestal Brasileiro que, desde 1995, trabalha na valorização das madeiras tropicais brasileiras. Partiu dela, naquele ano, a ideia de convocar designers para utilizar as madeiras alternativas, abandonadas na floresta amazônica, quando da verdadeira caça às espécies da moda, como o mogno. Tratava-se de incorporar à produção madeiras pouco exploradas como goiabão ou roxinho, entre outras, de rara beleza e total abandono e, em consequência, propagandear métodos de uso mais racional da floresta. Maria Helena ficou muito conhecida no meio como engenheira inteligente e sensível, capaz de entender a importância do design para as tarefas sócio-ambientais que promovia.

Itiro Iida, incansável pesquisador e agente de transformações no mundo do design brasileiro, escreve a apresentação. Ele relata o histórico do design de móveis na Universidade, remontando aos idos de 1960, quando Sérgio Rodrigues, Elvin Dubugras, Zanine Caldas montaram uma marcenaria e utilizando jacarandá, pau-ferro, ipê, mogno e cedro, produziram móveis modernos para a UNB.

Na medida em que as madeiras maciças foram substituídas, ao longo dos anos, por placas de madeira compensada e aglomerados surgiu a necessidade de valorizar as qualidades das madeiras amazônicas, conjugando-as com os móveis seriados, produzidos com estas matérias-primas industrializadas.

Foi com esse objetivo, explica Iida, que se criou, em 2003, o Laboratório de Desenvolvimento de Design da UNB. Nos dois anos seguintes, o laboratório desenvolveu um projeto junto ao Sindicato das Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Brasília. Em seguida, trabalhou com a Cooperativa de produção do Polo Moveleiro de Valparaíso de Goiás e Entorno. Nesse projeto foram confeccionados elementos modulares, aplicados nas superfícies das placas, em trabalho absolutamente renovado de marchetaria.

Para isso foi realizada uma pesquisa cujos objetivos eram resolver três problemas centrais do processo de marchetaria: o longo tempo de execução, o preço elevado e os problemas de irregularidades do acabamento.

A inovação decorrente da pesquisa é notável: aplicou-se a técnica de corte e vinco da indústria gráfica para o corte de laminados de madeira. O método, semi-automatizado, obteve menor tempo de produção, menor custo e acabamentos padronizados.

Foram produzidos, então, módulos marchetados produzidos em série. E aí, outra inovação, que retoma tradições pouco conhecidas do design brasileiro. Os pesquisadores Itiro  Iida, Ana Claudia Maynardes, Frederico Hudson, Dimitri Lociks e Rafael Dietzsch (1)  partiram do trabalho de Athos Bulcão que, em alguns de seus desenhos de azulejos, realizou módulos cuja aplicação não obedecia a um projeto pré-determinado, concedendo  ao assentador/azulejista, certa liberdade na escolha da ordenação das peças e, portanto, da forma final.

Essa é uma postura com linhagem ainda a ser bem estudada, no design mundial e brasileiro, que tem em Bruno Munari e Enzo Mari, entre outros, exemplos de trabalhos que visam a desalienação do trabalhador. Questiona, portanto, o lugar todo-poderoso do designer, remontando à tradição de William Morris (2) e Victor Papanek, entre outros.

Os resultados são impressionantes e podem ser apreciados pelos leitores nas fotos ao lado. Os cursos de design nas universidades têm muito a aprender com esta experiência, que coloca a pesquisa a serviço de um projeto e desenvolve pensamento e prática projetuais de alto nível e a serviço de problemas enfrentados por pequenas empresas.  

 

Notas


(1) O projeto teve assessoria de Freddy van Camp, Carlos Bacca e Marlon Maia e nele trabalharam muitos estudantes bolsistas .

(2) Visto, muitas vezes como retrógrado, o pensamento de William Morris, esquadrinhado pelo historiador E. P Thompson, revela seu lugar de resistência ao mundo do capitalismo industrial.

 


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