Carina Ciscato: fluidez da porcelana
Entrevista a Gilberto Paim
A ceramista brasileira radicada em Londres fala sobre a sua formação profissional e a excelente receptividade que o seu trabalho artesanal em porcelana, que explora a fluidez, a luminosidade e a fragilidade do material, tem merecido na Inglaterra. Como designer, ela criou para a Habitat, cadeia internacional de móveis de objetos, a linha Maresia de vasos e tigelas em cerâmica de alta temperatura, robustos, porém levemente irregulares.
Qual é a sua formação como ceramista?
CC: Sou formada em Desenho Industrial pela FAAP. Como você sabe, não há no Brasil cursos de nível superior para ceramistas, como aqui. Tudo começou quando fui fazer um curso de desenho de móveis na Alemanha, em 1992. Eu tinha muito tempo livre e na esquina da minha casa havia um ateliê muito simpático, numa rua sem saída como se fosse uma vila. Resolvi então fazer umas aulas para ver como era. Eu me apaixonei pela argila e percebi que o material se adequava à escala que gostava de trabalhar. Percebi que não havia diferença entre construir uma cadeira e desenvolver um bule de chá, os princípios de uso, ergonomia, estética, balanço e proporção eram os mesmos, mas eu estava “no controle” do processo do começo ao fim. Então fui fisgada. Como sempre digo não fui eu que escolhi a argila, foi ela que me escolheu.
Voltei e fui trabalhar com a Lucia Ramenzoni, onde aprendi a base de tudo que sei. Fiquei lá por seis anos, onde fazia de tudo: reciclagem, esmaltes, aulas, as minhas próprias pecas e tudo que aparecia, de encomendas a exposições. Foi uma época muito produtiva, aprendi muito, do raku à alta temperatura passando pela majólica e pela terra sigilata, sem falar das técnicas como torno, modelagem a mão, placas, moldes, cobrinhas etc. Isso me deu um vocabulário muito especial por aqui, muito amplo e sortido. Fiz também cursos no exterior, com artistas que gostava particularmente e outros que não gostava tanto, mas nem por isso menos interessantes.
O que você guardou de mais importante das suas experiências de aprendizado e também como assistente?
CC: Uma das coisas que digo para meus alunos daqui é que tentem de tudo, experimentem o máximo que puderem, que não tenham medo, e ousem enquanto estiverem na Universidade. Afinal nem todo lugar tem as facilidades e a estrutura que as universidades daqui possuem. Depois terão tempo suficiente para se especializar, afinal esta é uma profissão de longo prazo!
Como aconteceu de você escolher viver e trabalhar na Inglaterra?
CC: No Brasil conheci meu marido que é inglês. Quando ele foi transferido de volta eu vim junto.
Em poucos anos você se tornou uma ceramista de destaque na cena inglesa.
Isso deve ser muito estimulante, não é?
CC: Sem dúvida foi e continua sendo para mim uma grande surpresa como fui bem recebida por aqui. Não havia planejado nada disso. As oportunidades foram se abrindo devagar e eu fui entrando. Tudo com muito trabalho. Realmente desde que me mudei para a Inglaterra submergi no barro. O fato de não ter família e amigos por perto me deu a oportunidade de me dedicar vinte quatro horas por dia a um trabalho que exige dedicação e tempo. Sabia que se eu viesse para cá e abrisse meu estúdio, ninguém viria bater à minha porta, então resolvi pegar um novo trabalho de assistente onde começaria a conhecer o mercado, as galerias, enfim as pessoas do meio, ao mesmo tempo em que trabalhava. Por muita sorte encontrei o Julian Stair que estava precisando de alguém para dar uma mão. Eu já era bem qualificada, mas o meu trabalho pessoal ainda não tinha voz. Então esse tempo foi um momento-chave para mim, pois tive espaço, tempo e apoio suficiente (do Julian e do Edmund de Waal, com quem o Julian dividia o estúdio) para começar a me especializar. Fiquei três anos com o Julian até me mudar para meu próprio estúdio, que divido atualmente com o ceramista Chris Keenan, que foi assistente do Edmund dois anos antes de eu chegar.
O que a atrai na porcelana, matéria-prima principal do seu trabalho no ateliê?
CC: No Brasil eu estava trabalhando com majólica, então quando cheguei por aqui escolhi a argila de porcelana como pano de fundo para poder decorar. Usava óxidos diluídos em água sobre um esmalte transparente (era a técnica da majólica que já dominava, adaptada às altas temperaturas de queima). Com o tempo as “decorações” foram diminuindo até desaparecer por completo. Um processo natural, já que eu começava a me interessar mais pelas formas, e a decoração passava a distrair. As pessoas viam as cores primeiro, mas o que eu queria e buscava era a tensão e o contraste entre a forma e a superfície. Então ficou tudo branco.
Você desenvolveu a linha Maresia, de utilitários ao mesmo tempo robustos e irregulares para a Habitat. De quantos itens a linha é composta?
CC Maresia aconteceu por acidente da sorte. O Chris foi chamado para fazer uma linha inspirada nas formas orientais e quando eles vieram ao estúdio ver o trabalho do Chris conheceram o meu. Fiz um protótipo para cada peca. São cinco tigelas, cinco vasos e uma travessa. As tigelas de diferentes tamanhos teriam de duas a três cores, instigando o publico a brincar e fazer diferentes combinações. Foi um projeto muito legal, todo produzido na Tailândia. Eu queria que tivesse esse ar orgânico, mas que ao mesmo tempo não interferisse no meu trabalho pessoal. Então tirei os rasgos, as bordas finas e os desníveis de altura que usava no meu trabalho pessoal. Procurei distorcer as peças o suficiente para criar formas assimétricas que não são muito características da industria cerâmica.
É comum, na Inglaterra, que grandes lojas ou indústrias convidem artistas-ceramistas para desenvolver novos produtos?
CC: É uma coisa nova, eu diria que de uns cinco a dez anos para cá. Lembro quando Edmund de Waal foi copiado pela mesma Habitat uns 10 anos antes, e ele entrou na justiça. Eles foram obrigados a retirar os produtos de produção. Acho que aprenderam a lição do jeito mais difícil.
Mais informações:
www.carinaciscato.co.uk
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