Ano: VI Número: 58
ISSN: 1983-005X
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Princípios de design: Problemas Viciosos ou Virtuosos?
Joaquim Redig

Introdução

Este artigo nasceu de uma análise da questão dos Wicked Problems trazida pela Profa. Lígia Medeiros na disciplina Design, Ciência e Tecnologia, do Curso de Doutorado em Design da Esdi, a partir dos textos de Richard Buchanan, Horst Rittel, Melvin Webber e Ken Friedman (1).

Optei por concentrar a análise no primeiro autor por ser quem mais explora a questão no campo do Design. Além disso, já vinha estudando seu texto Retórica, Humanismo e Design na disciplina Design e Arquitetura, ministrada pelo Prof. Lauro Cavalcanti.

Se, por um lado, os conceitos propostos por Buchanan trazem contribuições importantes para o pensamento em Design, por outro lado deixam certos temas a demandar maior reflexão e aprofundamento.

Por isso, senti necessidade de estabelecer, como referência para a discussão, alguns princípios gerais de Design que poderão nos servir de balizas para esse aprofundamento.

Estes Princípios me vieram a partir das questões levantadas no documento de Buchanan, mas consideram também os temas tratados no documento de Rittel/Webber, que Buchanan toma como base.

Ao lado dos Princípios propostos, coloquei, em contraste cromático (e em tipo “itálico” entre aspas), alguns trechos do documento de Buchanan (Wicked Problems in Design Thinking) que a eles se contrapõem ou se justapõem, inserindo eventualmente alguns comentários meus (em tipo normal, sem aspas). Não há, entretanto, uma relação única entre as citações e os Princípios propostos: na montagem do artigo, às vezes os troquei de lugar, visto que estão todos interligados.

O Prof. Gui Bonsiepe fez a gentileza de anexar algumas observações em certos pontos do artigo, porque as compartilho integralmente com ele. Além disso, transcrevo ao final minha troca de correspondência com o mestre, incluindo breve diálogo sobre trecho de outro texto de Buchanan referido acima.

Esta análise pode ser, naturalmente, aprimorada, vindo a abranger outros documentos e outros autores.

 

Princípios de design

1) Objetividade

O Designer tem sempre diante de si, profissionalmente, um Problema a resolver. Se não existe um Problema a resolver, não existe Design. Na formulação do Problema -seja antes ou depois da sua solução- está a dimensão retórica do Design, proposta por Buchanan. O Problema de Design não é formulado apenas antes sua solução, mas durante todo o processo projetual, e mesmo depois. As formulações posteriores podem coincidir ou se opor à formulação inicial, depende do processo percorrido pelo Projeto. E o uso do Produto resultante do Projeto reformula o Problema, diante de uma nova realidade.

Gui Bonsiepe:

Antes da formulação do problema, trata-se do descobrimento do problema. As metodologias literárias e não-literárias da teoria do design não levam isso em conta.”

 

Richard Buchanan, “Wicked Problems in Design Thinking” (p.18):

“The problem for designers is to conceive and plan what does not yet exist, and this occurs in the context of the indeterminacy of wicked problems, before the final result is known. This is the creative or inventive activity that Herbert Simon has in mind when he speaks of design as a science of the artificial. What he means is ‘devising artifacts to attain goals’

“...the conception of particular features remains only a possibility that may be subject to change through discussion and argument.” (p. 17).

Eu acrescentaria: e através de propostas de solução.


2) Indeterminação

Problemas de Design são sempre indeterminados por sua própria natureza projetual, ou prospectiva. Enquanto projeto, o Design trata essencialmente do futuro - a partir do presente, e do passado. E o futuro é, por princípio, intederminado, mesmo que seja planejável. Se a característica principal dos “Wicked Problems” é a “indeterminação”, todos os problemas de Design são wickeds - o que nos leva a perguntar a razão deste conceito, ou para onde ele pode nos conduzir.

Bonsiepe:

“Seria bom talvez analisar as características dos ‘wicked problems’ em comparação com os ‘tame problems’ (problemas mansos)”.

 

Buchanan (p.15):

“The linear model of design thinking is based on determinate problems which have definite conditions. The designer's task is to identify those conditions precisely and then calculate a solution.”

O designer não “calcula” uma solução.

“In contrast, the wicked-problems approach suggests that there is a fundamental indeterminacy in all but the most trivial design problems - problems where, as Rittel suggests, the ‘wickedness’ has already been taken out to yield determinate or analytic problems.”

“Why are design problems indeterminate and, therefore, wicked? Neither Rittel nor any of those studying wicked problems has attempted to answer this question, so the wicked-problems approach has remained only a description of the social reality of designing rather than the beginnings of a well-grounded theory of design.” (p. 16).

Se todo problema de design está inserido numa realidade social, os “wicked problems” seriam apenas os de maior complexidade e abrangência?

 

3) Pragmatismo

Indeterminado não quer dizer insolúvel. Problemas de Design são sempre indeterminados, mas também são sempre solucionáveis. Não há solução impossível para um problema de Design. Se há um Problema formulado, haverá uma solução. Antes do projeto, e no seu começo, não sabemos onde vamos chegar... mas sabemos que vamos chegar a algum lugar, se trabalharmos nessa direção.

 

Buchanan (p. 16):

“Wicked problems have no definitive formulation, but every formulation of a wicked problem corresponds to the formulation of a solution”.

“The new liberal art of design thinking is turning to the modality of impossibility. It points, for example, toward the impossibility of rigid boundaries between industrial design, engineering, and marketing” [ver no item 5].“It points toward the impossibility of relying on any one of the sciences (natural, social, or humanistic) for adequate solutions to what are the inherently wicked problems of design thinking. Finally it points toward something that is often forgotten, that what many people call ‘impossible’ may actually only be a limitation of imagination that can be overcome by better design thinking. This is not thinking directed toward a technological ‘quick fix’ in hardware but toward new integrations of signs, things, actions, and environments that address the concrete needs and values of human beings in diverse circumstances.” (p.20-21).

 

4) Instrumentalidade

Para o Design, problemas não projetuais (não indeterminados - ou determinados) não são problemas, tal como os denominamos, mas processos. Ou seja, uma equação matemática (ou a análise de uma composição química desconhecida, ou o planejamento de uma jogada de xadrez, exemplificados por Rittel/Webber como “tame problems” não é um Problema de Design, mas pode servir de instrumento para solucionar um Problema de Design. O processo de Design depende do uso de instrumentos, mas eles são apenas meios para se atingir um fim - a solução do problema.

 

Buchanan (p.16):

Solutions to wicked problems cannot be true or false, only good or bad.”

“There is one case in which even the subject matters of the sciences are indeterminate. The working hypotheses of scientists invariably reflect distinctive philosophic perspectives on and interpretations of what constitutes nature and natural processes. This is a factor in accounting for the surprising pluralism of philosophies among practicing scientists and suggests that even science is shaped by an application of design thinking, developed  along the lines of Dewey's notion of ‘intentional operations.’

Even from this perspective, however, scientists are concerned with understanding the universal properties of what is, while designers are concerned with conceiving and planning a particular that does not yet exist.” (p.17, nota 42).

É verdade; mas, adiante, veremos que o designer trata também do universal, não só do particular.

 

5) Integralidade

Problemas de Design abrangem todas as esferas do mundo construído, com toda a sua problemática. Para alguns, a universalidade aqui implícita sugere pretensão ou até arrogância, mas, para o designer, ela é, simplesmente, função técnica e função ética (como a função técnica e ética do taxista, por exemplo, é levar qualquer passageiro a qualquer endereço). A abrangência da nossa função refere-se não só a todos os objetos, mas também a todos os problemas colocados pelos objetos, e a todos os usuários (do objeto em questão). Esta função integradora do Design nos obriga a fazer conciliar os interesses eventualmente conflitantes de diferentes profissões, parceiras no processo de desenvolvimento dos produtos.

Bonsiepe:

“É sintomático que os autores falem de ‘liberal art of design thinking’. Eles ficam desorientados pelas coisas 'duras' como tecnologia, evitando lidar com esses fenômenos importantes da atividade concreta do projetista.”

 

Buchanan (p. 8):

“There is no area of contemporary life where design... is not a significant factor in shaping human experience.”

“Argument in design thinking moves toward the concrete interplay and interconnection of signs, things, actions, and thoughts.”

Industrial design tends to stress what is possible in the conception and planning of products; engineering, what is necessary in considering materials, mechanisms, structures, and systems; while marketing, what is contingent in the changing attitudes and preferences of potential users... these modal differences in approaching design problems are often regarded as bitter opponents in the design enterprise.” “The new liberal art of design thinking points toward the impossibility of rigid boundaries between industrial design, engineering, and marketing.(p. 20).

“Every wicked problem is a sympton of another, ‘higher level’ problem.” (p. 16).

 

6) Usuário

Problemas de Design resumem-se a atender às necessidades materiais dos seres humanos, ou seja, dos usuários do mundo construído, aí englobando todos os usuários. Por materiais, compreendemos não apenas a dimensão física, mas também as correspondentes dimensões social, cultural, psíquica e mesmo espiritual do mundo construído. Problemas de Design se subdividem em diversos sub-Problemas, mas todos os Problemas de Design derivam desse objetivo central. Por isso, dizer “Design centrado no usuário” é o mesmo que dizer “Design”.

Bonsiepe:

“Trata-se de um típico enfoque verbalista. Édopúblico em geral os resultados da atividade projetual. Parece que os autores citados vivem no paraíso do pensamento abstrato, longe da realidade concreta onde o design se desenvolve.”

 

Buchanan (p. 6):

“Although these subjects [na pág.5: an encyclopedic education of beaux arts, belles lettres, history, natural sciences and mathematics, philosophy, and the fledgling social sciences] contribute to the advance of knowledge, they also contribute to its fragmentation, as they have become progressively narrow in scope, more numerous, and have lost ‘connection with each other and with the common problems and matters of daily life’ [R.McKeon]. The search for new integrative disciplines to complement the arts and sciences has become one of the central themes of intellectual and practical life in the 20th century. Without integrative disciplines of understanding, communication, and action, there is little hope of sensibly extending knowledge beyond the library or laboratory in order to serve the purpose of enriching human life.”

Eu acrescentaria “supporting” ao “enriching”.

... “the general public ultimately uses the results of design thinking.” (p. 8).

 

7) Coletividade e individualidade

Para o Design não há diferença entre os problemas individuais e os problemas coletivos, ambos são um só, partindo-se do princípio de que o que serve a todos deve servir também a cada um, e vice-versa. Não podemos priorizar as necessidades coletivas em detrimento das necessidades individuas, nem priorizar as necessidades individuais em detrimento das necessidades coletivas, é preciso unir as duas escalas (veja o exemplo das catracas duplas dos ônibus cariocas na década de 1980, feitas para delinquentes, para evitar fraudes, mas que serviram como agravante na morte de passageiros no caso do incêndio de um ônibus no Rio de Janeiro, naquela época). Atender ao mesmo tempo a um e a todos pode ser paradoxal, mas resolver paradoxos faz parte da função do designer.

 

Buchanan (p.17):

“Designers conceive their subject matter in two ways on two levels: general and particular. On a general level, a designer forms an idea or a working hypothesis about the nature of products or the nature of the humanmade in the world.”

“Out of the specific possibilities of a concrete situation, the designer must conceive a design that will lead to this or that particular product.”

“As a liberal art of technological culture, design points toward a new attitude about the appearance of products. Appearance must carry a deeper, integrative argument about the nature of the artificial in human experience. This argument is a synthesis of three lines of reasoning: the ideas of designers and manufacturers about their products; the internal operational logic of products; and the desire and ability of human beings to use products in everyday life in ways that reflect personal and social values.” (p. 20).

 

8) Conhecimento próprio (especificidade)

Problemas e respectivas Soluções de Design constituem um conhecimento próprio, não oriundo de nenhuma outra área de conhecimento e não dominado por nenhuma outra disciplina, atividade ou profissão, embora incorporem informações ou inputs de várias áreas, não simplesmente justapondo-as, mas transcendendo-as. Design não é, como se afirma, uma simples soma de conhecimentos de outras áreas. É um conhecimento que processa conhecimentos de outras áreas, mas de forma diferente da qual essas outras áreas processam o mesmo conhecimento.

 

Buchanan (p.5):

“Despite efforts to discover the foundations of design thinking in thefine arts, the natural sciences, or most recently, the social sciences, design eludes reduction and remains a surprisingly flexible activity.”

Porquê“surprisingly”?

As fundações do Design não serão encontradas nas Belas Artes ou nas Ciências Naturais ou Sociais, mas no próprio Design. Por exemplo, as pesquisas Nossa Bandeira e Rio Identidade não foram construídas com o conhecimento das Artes ou das Ciências, mas com o conhecimento do Design. As Artes e as Ciências forneceram alguns dados para observação, mas o processamento desses dados pelo designer não se baseou nesses conhecimentos.

“Design problems are ‘indeterminate’ and ‘wicked’ because design has no special subject matter of its own apart from what a designer conceives it to be.” (p. 16).

Acredito que esse caráter de “indeterminação” não venha daí, mas da função prospectiva do design, como disse no início. Design tem seu “subject matter” próprio - trabalho com ele há décadas.

“Indeed, most designers, to the degree that they have reflected on their discipline, will gladly, if not insistently, explain on a general level what the subject matter of design is. When developed and well presented, these explanations are philosophies or proto-philosophies of design that exist within a plurality of alternative views. They provide an essential framework for each designer to understand and explore the materials, methods, and principles of design thinking. But such philosophies do not and cannot constitute sciences of design in the sense of any natural, social, or humanistic science. The reason for this is simple: design is fundamentally concerned with the particular, and there is no science of the particular.”(p. 17).

Embora o projeto de design trate de uma particularidade, o processo de design pode ser generalizado, e aplicado a qualquer necessidade ou contexto, a qualquer produto ou usuário.

“Once a product is conceived, planned, and produced, it may indeed become an object for study by any of the arts and sciences -history, economics, psychology, sociology, or anthropology. It may even become an object for study by a new humanistic science of production that we could call the ‘science of the artificial’, directed toward understanding the nature, form, and uses of humanmade products in all of their generic kinds.” (p. 18).

Se, após “concebido, planejado e produzido” -após o Design, portanto-, o produto pode se tornar “objeto de estudo” de áreas do conhecimento tão díspares quanto Economia eAntropologia, História e Psicologia, é provável que ele pertença a uma área de conhecimento distinta e todas essas. Ao buscar um nome para essa nova área (como “Ciência do Artificial”, proposto por Herbert Simon), Buchanan reafirma esta hipótese.

 

9) Identidade

Cada Problema de Design é único, diferente de todos os outros, na medida em que se refere a um determinado contexto, determinada época, determinada necessidade, determinado produto, determinado grupo de usuários, determinado mercado, determinado cliente e determinado designer. Mas o modo de resolver Problemas de Design é um mesmo, para qualquer contexto, qualquer época, qualquer necessidade, qualquer produto, qualquer usuário, qualquer mercado, qualquer cliente e qualquer designer. Esse modo de resolver os Problemas é a base do conhecimento do Design.

 

Buchanan (p.16):

“Wicked problems have no definitive formulation, but every formulation of a wicked problem corresponds to the formulation of a solution.”

“Every wicked problem is unique.”

 

10) Infinitude

Embora cada Problema de Design seja único, para cada Problema de Design há um número infinito de soluções possíveis (já para cada equação matemática só há 1 solução possível). Entretanto, para cada contexto, cada época, cada necessidade, cada produto, cada usuário, cada mercado, cada cliente, cada designer, haverá 1 solução que resolve o problema. Quando 2 (ou mais) soluções se apresentam como possíveis, o Problema ainda não está resolvido. Só estará quando se fizer a escolha, quando se chegar à conclusão de que uma é adequada e a outra não. Se ambas forem inadequadas, o trabalho tem que prosseguir.

Neste caso, há duas possibilidades:

a) se uma solução for melhor que a outra, a primeira indicará um caminho possível;

b) se não for, é recomendável que se busque novos caminhos.

 

Buchanan (p. 16):

“...It is important to recognize that indeterminacy is quite different from undetermined. Indeterminacy implies that there are no definitive conditions or limits to design problems.”

“In solving wicked problems there is no exhaustive list of admissible operations. For every wicked problem there is always more than one possible explanation, with explanations depending on the Weltanschauung of the designer.” - Nota 39: “Weltanschauung identifies the intellectual perspective of the designer as an integral part of the design process” 

“The subject matter of design is potentially universal in scope, because design thinking may be applied to any area of human experience. But in the process of application, the designer must discover or invent a particular subject out of the problems and issues of specific circumstances. This sharply contrasts with the disciplines of science, which are concerned with understanding the principles, laws, rules, or structures that are necessarily embodied in existing subject matters.”

 

11) Processamento

A abordagem dos problemas de Design divide-se, como diz Buchanan, em 2 fases, “Problem Definition” e “Problem Solution”. A primeira vem antes da segunda, mas elas não são estanques, podendo-se, na primeira fase, avançar de repente para a segunda, e depois voltar, ou, na segunda fase, momentaneamente recuar e redefinir o Problema, voltando-se em seguida para o ponto do projeto onde se estava. Não há fronteira rígida entre as 2 fases, elas se interfaceiam, se misturam. Mas, de qualquer forma -metodologicamente, mais do que cronologicamente (mas também)- a definição do Problema antecede a sua solução. Não há solução que não tenha passado por um etapa inicial de definição, mesmo que venha a contrariá-la.

 

Buchanan (p.15):

“...the design process is divided into two distinct phases: problem definition and problem solution. Problem definition is an analytic sequence in which the designer determines all of the elements of the problem and specifies all of the requirements that a successful designs solution must have. Problem solution is a synthetic sequence in which the various requirements are combined and balanced against each other, yielding a final plan to be carried into production. Such a model suggests a methodological precision that is independent from the individual designer. Many scientists and business professionals, as well as some designers, continue to find the idea of a linear model attractive, believing that it represents the only hope for a ‘logical’ understanding of the design process. However, some critics point out obvious points of weakness: the actual sequence of design thinking and decision making is not a simple linear process.”

Não é um processo linear simples, é um processo linear flexível, digamos.

 

12) Unidade

O que quer que seja, Design é 1 coisa só, não são 2 - nem 3 nem 4 nem 10. Não existem Problemas de Design indeterminados ou determinados, possíveis e impossíveis, “wicked”e “tame”, malvados e bonzinhos, “traiçoeiros” (termo empregado pelo Prof. Washington Lessa) e confiáveis. Não existem Problemas de Design de uma natureza e de outra natureza, existem Problemas de Design que podem se desmultiplicar em Sub-Problemas indefinidamente, mas sempre dentro de um mesmo campo, de uma mesma natureza. Existem, claro, problemas simples ou complexos, fáceis ou difíceis, mas isso não muda a natureza do problema. O que muda é o volume de componentes com que o designer tem que trabalhar para resolvê-los, ou a quantidade de operações que ele tem que realizar. É uma diferença de escala.

 

Buchanan (p.14):

“Recent conferences on design are evidence of a coherent, if not always systematic, effort to reach a clearer understanding of design as an integrative discipline. However, the participants, who increasingly come from diverse professions and academic disciplines, are not drawn together because they share a common definition of design; a common methodology, a common philosophy, or even a common set of objects to which everyone agrees that the term ‘design’ should be applied. They are drawn together because they share a mutual interest in a common theme: the conception and planning of the artificial.”

Eu acrescentaria “voltado ao usuário”.

“No single definition of design, or branches of professionalized practice such as industrial or graphic design, adequately covers the diversity of ideas and methods gathered together under the label.”(p. 5).

Se uma “single definition” não der conta, um “set of definitions” com certeza dará.

 

Busca terminológica

Nas buscas em dicionários que fiz até agora (abaixo), a palavra “wicked” tem sempre uma conotação negativa, para a qual não encontro respaldo no processo de Design. Ainda não percebi se esta conotação é intencional ou casual nos referidos textos de Buchanan e Rittel. Ao encontrar o antônimovirtuous” para a palavra “wicked”, optei pelo sinônimovicious”, constante nos três dicionários pesquisados, para o título deste ensaio.

“WICKED (adj)”:

Dicionário Inglês-Português (2)

- “mau, ruim, pecaminoso, vicioso, iníquo, malvado, perverso, pernicioso, vil, perigoso, feroz, bravo, desagradável, duro, traquinas, travesso.”

Dicionário Inglês(3)

- “morally bad, evil, sinful, fierce, vicious, harmful, dangerous, repugnant, vile, roguish

Dicionário de Sinônimos e Antônimos (Inglês) (4)

- “abandoned, amoral, bad, corrupt, debased, depraved, dissolute, evil, godless, guilty, heinous, immoral, impious, iniquitous, irreligious, nefarious, sinful, ungodly, unholy, unrighteous, vicious, vile, villainous, worthless.

- Ant. Virtuous”.

- “TAME:

(1) amenable, disciplined, docile, domesticated, gentle, meek, mild, submisse, tractable.

Ant. (1) wild.

(2) (fig.) boring, dull, tedious, vapid, wearisome

Ant. (2) interesting.”

 

Conclusão

Aplicabilidade do conceito de “Wicked problems” no trabalho de doutorado.

De início pensei que o tema dos “wicked problems”, proposto para discussão nesta disciplina, estaria diretamente relacionado ao meu trabalho no doutorado, sobretudo no que se refere ao subtítulo - “O papel-moeda brasileiro e a contribuição de Aloisio Magalhães - o Design além do Design”. Não sou especialista em papel-moeda, mas no Design e na obra de Aloisio Magalhães. Nesse sentido, o que interessa especialmente neste tema é o fato de que Aloisio não apenas desenhou o objeto dinheiro, como conseguiu contornar e/ou resolver uma série de problemas, de natureza técnica, social ou política, que iam muito além do objeto, mas que interferiam diretamente sobre ele, como por exemplo, neste caso:

- A inovação tecnológica representada pela proposta do moirée, inicialmente rejeitada pelo ramo italiano da então De La Rue-Giori, empresa responsável pelas matrizes de impressão da primeira série do papel-moeda de Aloisio, mas depois aceita pelo ramo inglês da mesma empresa, que, por coincidência, já a estava estudando, quando ele lhes trouxe a ideia;

- A quebra do monopólio usufruído pelos artistas tradicionais da Casa da Moeda, que há duzentos anos produzem dinheiro no Brasil (quase só moedas, antes de Aloisio), e a necessidade de integrar um novo agente externo no processo, o designer;

- A influência do designer na definição do conteúdo do produto, ou seja, das imagens e personalidades que devem figurar na nota, questão sempre polêmica.

Entretanto, num segundo momento, acreditando que não existem 2 tipos de problemas de design, mas apenas 1, que varia em grau de complexidade e em relação à natureza e às funções do objeto, comecei a achar que esse conceito não nos seria muito útil, ao menos não diretamente.

Porque não existem, para o Design, problemas “wickeds” e problemas “tames”. Existem, sempre, problemas que transcendem o produto, que estão por trás dele, como pano de fundo, e que, se não forem enfrentados, podem prejudicar ou mesmo abortar o design. Mas esse pano de fundo existe para qualquer objeto, em qualquer contexto, não apenas no vasto âmbito sócio-político considerado originalmente por Rittel & Weber (como diz o própro Buchanan no segundo parágrafo das citações do item 2).

Naturalmente, sobre um objeto universal e unificador como o dinheiro, há instâncias e ingerências variadas e pesadas - como as determinações políticas e governamentais, a definição tecnológica do produto, a escolha de insumos e fornecedores (mundialmente poucos, além de altamente especializados), o nível de demanda e de valor do objeto, e a necessidade de se garantir a autenticidade e dificultar a falsificação, entre outros problemas.

Entretanto, mesmo no design de um objeto singelo, como por exemplo uma caixinha de fósforos, podem ocorrer “wicked problems” -  quando, digamos, o fornecedor do produto, ou fabricante, começa a dificultar ou obstruir a introdução de novos elementos ou procedimentos trazidos pelo design, que lhe exigirá rever o processo produtivo (como uma nova cor, ou um novo material); ou quando o artista da casa (ou a agência de publicidade), acostumado a desenhar caixas de fósforos há anos, tem não só que passar esta responsabilidade para um (novo) profissional externo, que lhe cai do céu na cabeça, mas inclusive que colaborar com ele na materialização do novo design, do qual não participou. É bom lembrar que o designer é contratado pelo dono da empresa, ou por seu gerente, raramente pelo seu fornecedor e nunca por seu artista interno (embora ele possa recomendar). Ambos, artista e fornecedor, têm que aceitar o “intruso” e passar a trabalhar com ele - o que é ainda mais difícil quando isso acontece pela primeira vez (nas seguintes vai ficando mais fácil).

Mas, se Aloisio conseguiu dar conta dos problemas gravemente complexos e delicados como os citados no caso do papel-moeda, não foi apenas porque ele tinha consciência de que, se não o fizesse, seu trabalho iria por água abaixo (como quase aconteceu quando ele foi inicialmente rejeitado pela Giori em Milão). Foi por sua habilidade diplomática, sua retórica verbal, e mesmo sua simpatia - além do talento e do domínio técnico.

O que nos leva a pensar que o processo de design exige, ao lado das qualidades técnicas e artísticas bem conhecidas, as qualidades pessoais do designer como planejador e negociador.

 

Correspondência com Gui Bonsiepe

Correspondência 1 (em 9.9.2013 e 17.12.2013)

- sobre Richard Buchanan, Bauhaus e HfG Ulm:

Redig 1.1

Estou cursando o doutorado da Esdi, e no momento lendo alguns textos do Richard Buchanan. Gostaria de saber sua opinião sobre ele como pensador do Design, porque fiquei com algumas dúvidas sobre alguns trechos (por exemplo, quando ele fala das diferenças entre Bauhaus e Ulm).

Bonsiepe 1.1

“Buchanan vem da linguística, especialmente da retórica. Com Victor Margolin, é editor da revista Design Issues. Considero ele como um cara sério.

Preciso uma indicação do texto no qual ele compara Bauhaus e Ulm.”

Redig 1.2

Um dos trechos de Buchanan sobre os quais tenho dúvida está num documento intitulado "Retórica, Humanismo y Diseño" que recebi no curso de doutorado, e diz o seguinte:

"...el resultado del trabajo en la HfG de Ulm no fue una nueva ciencia integradora del diseño, sino una exploración más extensa de la relación entre el diseño y las ciencias naturales y conductuales que se inició en la Bauhaus y que continuaría en la Nueva Bauhaus. Además, sin la orientación humanística de la Bauhaus, la tendencia en la HfG de Ulm era hacia la especialización, de alguna manera junto con las líneas desarrolladas por Hannes Meyer durante los días del cierre de la Bauhaus, abarcando una creencia en la habilidad de los expertos para crear resultados socialmente aceptables a través de la industria. No debe darse el crédito a la HfG de Ulm por el inicio del ‘movimiento de los métodos del diseño’ o por el esfuerzo para encontrar una ciencia neopositivista del pensamiento del diseño. Era un punto de encuentro para los individuos provenientes de todo el mundo con los mismos intereses. Era un lugar donde los educadores del diseño podían experimentar con técnicas potencialmente útiles por lo general inventadas en cualquier otro lugar. Aunque por otro lado el neopositivismo y el empirismo no se oponen inherentemente al concepto de un arte liberal integrador del diseño.”

Você concorda com essas afirmações?

Bonsiepe 1.2

“Não. É uma interpretação simplista demais. Alguns representantes das ciências humanas usam a palavra neopositivismo com intenção negativa. E temo que Buchanan pertença a essa corrente de pensamento, ou mais bem de enfoque. A HfG nunca reivindicou haver inventado a metodologia, porém tem sido mais diferenciado que por exemplo Bruce Archer. Buchanan não compreende que pode existir um humanismo técnico, e não somente literário. Talvez a postura política de Hannes Meyer não agrade a Buchanan. Suponho que a tendência critica em direção à esquerda tampouco pode encontrar simpatia. A HfG Ulm era radical demais para o gôsto dos humanistas literários. O que provoca forte divergência é a clara diferença que a HfG Ulm está fazendo entre arte e design. Quando se ler xxxxxxx e Design começa o enrôlo. E para os humanistas literários não resulta possível entender o design como área própria e não derivada das artes.”

Redig 1.3

Bem que eu desconfiei!

Bonsiepe 1.3

“Certo, é bom desconfiar das interpretações com etiquetas.”

Bonsiepe 1.4 (17.12.2013)

“Buchanan está relativizando a importância da Escola de Ulm. Porém duvido que tenha existido antes dessa escola um programa de ensino de design tão coerente a abrangente. Surge a impressão que ele não está de acordo com esse fato. Considero errada uma interpretação do design como uma arte liberal integradora. Design é design, nem arte e nem ciência.”

 

Correspondência 2 (em 18.11.2013)

- sobre Wicked Problems, antes do envio deste artigo:

Redig 2.1

Estudando Buchanan no Doutorado da Esdi, formulei algumas questões sobre o tema dos Wicked Problems, mas, antes de prosseguir, gostaria de saber se você já escreveu algo sobre este tema.

Bonsiepe 2.1

“Explicitamente, não escrevi nada sobre os wicked problems. Pois me parece que uma das características do projetista é lidar com problemas que não podem ser formulados exaustivamente; além disso, os fatores a considerar muitas vezes são antagônicos.”

Redig 2.2

Penso o mesmo: se os wicked problems são problemas indeterminados, todos os problemas de design são wickeds (apenas em graus variados). Neste caso, não vejo sentido, para o design, em caracterizá-los - a não ser para dizer que os problemas de design são indeterminados.

Entretanto, pensando no conceito original de Rittel, ou seja, nos diversos aspectos sócio-político-econômico-tecnológico-gerenciais que envolvem toda produção social (nesses fatores externos que transcendem o alcance do designer profissional mas que influenciam seu projeto, direta ou indiretamente), talvez faça sentido tratarmos do assunto. Nesse ponto estou pensando em alguém como Aloisio Magalhães, capaz de resolver não só o projeto propriamente dito, mas também de tratar de todas essas wickednesses que o envolvem - sociais, políticas, econômicas, tecnológicas, gerenciais. O case do papel-moeda, que estudo no Curso de Doutorado, seria um ótimo exemplo.

Em aula no Curso de Mestrado da Esdi, em 2005, você citou Aloisio como exemplo de Design(er) Estratégico no Brasil. Considerando Rittel, os Wicked Problems não corresponderiam aos problemas do Design Estratégico, tais como os tratados por Aloisio?

Bonsiepe 2.2

“Penso que se deve analisar o que Rittel entende pelo conceito wicked problems e depois analisar se isso tem relevância, ou se constata o óbvio.”

 

Correspondência 3 (de 7 a 9.11.2013)

- sobre Wicked Problems, após o envio deste artigo:

Redig 3.1

Envio em anexo o trabalho que fiz sobre os Wicked Problems. Gostaria de saber se posso incluir nele a nossa correspondência.

Bonsiepe 3.1

“Fiz algumas anotações no texto. Creio que é sintomático que o tópico dos wicked problems tenha tido particular ressonância na área do planejamento (como nos serviços de administração pública na Austrália). Para os designers gráficos e industriais talvez tenha menos relevância. Confesso meu ceticismo frente às interpretações provenientes das artes e dos estudos culturais e estudos de mídia. Não querem falar sobre design, mais sim sobre arte. Tendem ser 'confusionistas' ”. (*)

“Pode incluir a correspondência que tivemos.”

(*) Obs: Embora a palavra “confusionista” não exista em português, resolvi deixá-la, por sua expressividade.

Redig 3.2

Gostaria de incorporar também as suas anotações ao meu documento.

Bonsiepe 3.2

“Pode incluir as minhas notas, que provocarão a ira dos acadêmicos do establishment.  NUNCA as ciências deram bola para o design. Agora isso mudou. O Design está na moda nos estudos culturais.”

“As notas foram formuladas ex-tempore. Talvez possamos resumi-las assim: a falta geral de familiaridade com a temática do projeto -o que é diferente do confuso termo 'Design'- limita as contribuições de pesquisas baseadas no campo da história das artes, e dos estudos culturais.”

 

Joaquim Redig possui graduação pela ESDI/UERJ e mestrado em design pela mesma instituição. Entre 1966 e 1981 atuou como designer no escritório Aloisio Magalhães. Desde 1983 é titular do escritório Design Redig Associados. Professor na PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro desde 1975, atuou como docente visitante em diversas faculdades de Design no Brasil e na América Latina.

 

Notas

(1) Todos os grifos do texto são do autor.

(2) Novo Michaelis Dicionário Ilustrado, Edições Melhoramentos, 15ª edição, São Paulo, 1974.

(3) The New Merriam-Webster Pocket Dictionary, Pocket Books, New York, 1971.

(4) Collins Gem Dictionary of Synonyms & Antonyms, William Collins Sons and Co. Ltd., Londres e Glasgow, 1964.

 

Bibliografia

Este trabalho baseia-se sobretudo no segundo documento abaixo, além da correspondência com Gui Bonsiepe - a quem aqui agradeço:

RITTEL, Horst W. J. & WEBBER, Melvin M. “Dilemmas in a General Theory of Planning”. In: Policy Sciences 4. Elsevier Scientific Publishing Company, Amsterdam, Holanda, 1973, pp.155-169.

BUCHANAN, Richard. “Wicked Problems in Design Thinking”. In: Design Issues Vol.8, Nº2, Spring 1992, The MIT Press, Boston, EUA, pp.5-21.

BUCHANAN, Richard. “Rhetoric, Humanism and Design”. In: Discovering Design: Explorations of Design Studies. University of Chicago Press, Chicago, EUA, 1995, pp 23-68.

FRIEDMAN, Ken.Wicked Problems and Other Categories of Problems. JISCMail - PHD-Design Archives, 2003

REDIG, Joaquim. Nossa Bandeira - Formação, Uso, Funcionalidade. Editora Fraiha, Rio de Janeiro, 2009.

REDIG, Joaquim. Rio Identidade - Representação Visual da Cidade do Rio de Janeiro. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2013, acessível em: http://www.puc-rio.br/design-pesquisarioidentidade

 

 

 


Comentários

Cristine Nogueira Nunes
06/09/2014

Muito bom acompanhar o processo de estudo e reflexão de um designer, suas dúvidas, a opinião reflexiva dos amigos a quem recorre, a relação disso tudo com seu objeto de pesquisa... Coisas prontas são excelentes, claro. Assistir à apresentação de uma orquestra, é o que há. Mas poder presenciar os ensaios dessa mesma orquestra tem um gosto pra lá de especial. É como se fizéssemos parte do espetáculo. Parabéns, Joaquim!

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