Ano: IV Número: 42
ISSN: 1983-005X
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O design do cartaz político português: duas políticas, dois discursos
Helena Barbosa, Anna Calvera, Vasco Branco*

Introdução

Quando observamos a produção dos cartazes políticos portugueses projetados ao longo do século XX, é possível identificar diferenças em termos da linguagem visual que apresentam, devido, não apenas às mudanças tecnológicas, mas também a fatores ideológicos. Isso é particularmente verdadeiro no caso dos cartazes políticos.

Este artigo centra-se nos cartazes realizados em duas épocas, observando, particularmente, distintos gêneros que caracterizam os cartazes em cada momento – o Cartaz Nacionalista, o Cartaz Religioso e o Cartaz ‘Providência” dos anos 1930 (os últimos são cartazes exaltando como o Estado Novo melhorava a qualidade de vida em Portugal) e, no período 1974-76 – o Cartaz Arte, o Cartaz Símbolo e o Cartaz Popular.

Apesar de este artigo considerar a tecnologia disponível de produção e reprodução dos cartazes, são as mensagens de texto e imagem que serão centrais na análise; os argumentos visuais selecionados e as maneiras pelas quais artistas e designers de cartazes negociaram os programas (brief) que lhes foram fornecidos. Paralelamente, revela-se como os autores avaliaram e tentaram articular as circunstâncias políticas dentro das quais trabalharam. As iconografias contrastantes entre os partidos políticos da direita e da esquerda e a forma como os cartazes apresentaram as suas ideologias políticas foram analisadas segundo algumas características utilizando exemplos chave (1).

1. Os cartazes do Estado Novo entre 1933-38

1.1 Mudança na política

Com a mudança da Constituição Política da República Portuguesa que ocorreu em 1933 (2) ocorreram profundas alterações ideológicas e propagandísticas que se refletiram no programa dos cartazes políticos comparativamente ao período antecedente. A este nível importa salientar algumas das medidas que foram tomadas pelo Estado Novo.

Um exemplo ocorreu com a publicação do “Decálogo do Estado Novo”. Seu conceito parece aproximar-se dos “Dez Mandamentos” referidos na Bíblia (3), ou seja, é perceptível uma associação ao reino de Deus, mas desta vez preconizada pelo Estado Novo, através da impressão de uma espécie de cartilha doutrinária, na qual surge um conjunto de ‘leis’ que anunciaram as intenções e objectivos do regime. Efetuando a análise da referida publicação constatou-se que os conteúdos nela inscritos revelaram situações que caracterizaram a política praticada e, consequentemente, os cartazes políticos espelharam as ideologias do regime que irão ser referidas mais adiante.

Em simultâneo,  o Estado Novo criou o SPN – Secretariado da Propaganda Nacional (1933), liderado por António Ferro (4) (1895-1956). A sua proximidade com os modernistas, permitiu-lhe estabelecer facilmente a ponte entre os artistas e os objetivos delineados pelo regime. Consequentemente, os artistas mais conceituados da época foram atraídos para a reformulação e divulgação da imagem dessa nova Constituição. Ao serem enaltecidas as tradições populares e a simbólica nacional, através da estética local e de iconografia específica, criou-se uma linguagem singular, que se demarcou da produção internacional, e que encontrou nessas referências toda a carga de identidade portuguesa, indo ao encontro da “política do espírito” tão promovida pelo regime (Barbosa, 2008).

1.2 Mudança na tecnologia

Os cartazes políticos que antecederam o Estado Novo eram na sua maioria realizados em tipografia, com grande quantidade de texto e, por norma, eram monocromáticos. Apesar da litografia ter surgido em Portugal em 1823, através do artista Domingos António de Sequeira (1768-1837) (Costa, 1925), só no final do séc. XIX é que passou a ser utilizada na impressão de cartazes culturais e comerciais. Estranhamente, o cartaz político não adotou esta tecnologia, quer nesse século, quer no início do século XX, exceto em casos muito pontuais.
Em 1933, o Estado Novo encontrou neste meio de reprodução uma forma de comunicar a mensagem política que consistiu, sobretudo, na representação de imagens em grande escala e na utilização de diversas cores, deixando de lado as fatídicas mensagens tipográficas, destacando-se, assim, fortemente de toda a produção de cartazes reproduzidos na época antecedente. A utilização da litografia foi certamente uma estratégia tecnológica que promoveu o regime político, proporcionando ao cartaz uma mudança de discurso não só em termos ideológicos como também em termos visuais. Recorde-se que o grau de literacia em Portugal era muito baixo, e a imagem podia ser facilmente compreendida pela esfera pública, fazendo chegar a mensagem às massas.

As dimensões dos cartazes desempenharam igualmente um papel preponderante na presença dos espaços públicos, competindo pela primeira vez, com os cartazes culturais e comerciais. O grande formato estendeu-se pela primeira vez ao cartaz político, cujas dimensões atingiram os 116 cm, em contraste com os cartazes antecessores que raramente ultrapassaram a dimensão máxima de 50 cm.
 
1.3 Mudança na comunicação visual

Conforme foi referido, dado o elevado grau de iliteracia em Portugal, o regime necessitou de criar discursos visuais simples, sóbrios e austeros condizentes com os princípios divulgados nas suas campanhas, dotando os cartazes de ilustrações simplificadas. Consequentemente, a produção de cartazes desse período e dos seguintes encontrou uma rigidez formal não só nos cartazes políticos, mas que também se estendeu aos cartazes comerciais e culturais. Apesar deste fenômeno, continuaram a existir cartazes com representações demasiado descritivas e pormenorizadas. As três categorias que se apresentam refletem as situações anteriormente descritas.

Cartaz Nacionalista

O Estado Novo utilizou de forma intensa a ideia de uma iconografia nacionalista, não só nos cartazes mas também em outros artefatos. As representações selecionadas procuraram manter vivas algumas das referências da história portuguesa e da sua cultura, tornando o uso dessa iconografia numa prática recorrente que se tornou  modelo estético muito presente na produção descrita no “Decálogo do Estado Novo” da seguinte forma:

“(...) o tradicionalismo é uma salutar exaltação da memória colectiva (...). A tradição constitue um legado a conservar e a aumentar, a lição que nos deram as gerações de cujo sacrifício resultou a Pátria de nós todos. Constitue – sem dúvida – ‘o imperativo categórico da História!’” (SPN, 193-).

A ideologia de pátria e nação foi fortemente evocada através de alguns elementos utilizados na bandeira nacional, cujo desenho se aproximou à do tempo de D. Manuel I (1495-1521) que consistiu na utilização das quinas em azul e dos castelos de ouro sobre fundo vermelho, que fazem parte da bandeira atual (Fig. 1 e fig. 2). Nesse período, de D. Manuel, foi ainda utilizada uma outra bandeira com fundo verde e a cruz de Cristo ao centro, sendo este símbolo muito representado nas embarcações portuguesas na época dos descobrimentos. Ele passou a ser representado nos cartazes do Estado Novo, enaltecendo um dos períodos mais significativos da história portuguesa (fig. 2). Paralelamente, a imagem da figura feminina denominada “A República” criada em 1910, com a destituição da monarquia constitucional, que deu origem ao regime republicano, surgiu para reforçar o sentido patriótico, sublinhando igualmente a ideia de nacionalismo (fig. 2 e 3).

Cartaz Religioso

O Estado Novo protegeu e promoveu fortemente a religião católica utilizando de forma implícita e explícita os ícones do catolicismo, encontrando na Igreja um forte aliado. O conceito de família e a sua importância no seio social foi sublinhada com “A trilogia da educação nacional - Deus, Pátria, Família –” (5). Exemplos destas situações ocorreram no cartaz de Almada Negreiros (1893-1970) (fig. 4) no qual a figura feminina coberta com um lenço na cabeça segura uma criança nua. Estas figuras parecem aproximar-se à ideia da Nossa Senhora com o menino Jesus ao colo, evocando um certo catolicismo, apelando ao sentimento religioso do povo e à maternidade. Almada Negreiros pareceu traduzir de forma subliminar o conceito base do Estado Novo “Deus, Pátria, Família” e, além disso reforçou a iconografia nacionalista, com a utilização das quinas da bandeira portuguesa através de um desenho recortado muito discreto, que em parte se pode associar a uma cruz. Por sua vez, a mensagem de texto do cartaz , “Nós queremos um Estado forte”, reflete conceitualmente uma parte do texto do ponto 2 do Decálogo – “Hoje, todos vêem como as circunstâncias se modificaram. Portugal é um Estado Forte” (SPN, 193-).

Outro exemplo, sucedeu com o cartaz de Martins Barata (1899-1970) (fig. 5), no qual se percebe que o programa limitou a expressão do artista com a criação de um cenário extremamente descritivo em que surge uma cena tipicamente familiar, repleta de felicidade, com o pai que regressa à casa depois de um dia de trabalho, a mãe a cozinhar junto à lareira e os filhos a brincar. Nesta cena, para além da cruz de Cristo representada numa escala generosa a tomar um lugar de destaque na composição, salienta-se o filho que veste a farda da Mocidade portuguesa e um conjunto de artefatos dispersos pela casa que foram igualmente promovidos pela ideologia tradicionalista, tendo como pano de fundo, no exterior da casa, um castelo com a bandeira portuguesa reforçando a ideia de nação.

A cruz de Cristo, devidamente reinterpretada, surgiu na campanha da ANT – Assistência Nacional aos Tuberculosos (fig. 8). Este cartaz é sublime não só pela instantânea associação à Igreja, como esta ideia é reforçada pela figura que se ajoelha e estende os braços em direção ao céu, numa atitude de humildade, de veneração e de pedido de clemência.

Cartaz “Providência”

O ponto 4 na parte II do Decálogo – “Que é a liberdade” ilustra bem o conceito de ‘providência’:
“Principiou logo o absurdo com a declaração de que o homem nasce livre. Mentira que é, ao mesmo tempo, deshumana - e grotesca. Deshumana, dizemos. Pois não será uma deshumanidade, sob o pretexto de que o homem nasce livre, abandoná-lo à sua sorte, recusar-lhe os laços e os benefícios da solidariedade social?! E também grotesca. Pois não será grotesco, chamar livre a uma criatura que, desde o seu nascimento até à sua adolescência, só pode viver graças a um conjunto de protecções, de cuidados, de auxílios, que precisa, primeiro da família, depois da Escola, e sempre do Estado?” (SPN, 193-).

A série de cartazes de 1938, designada por “A Lição de Salazar” (6) são um dos melhores exemplos como o Estado Novo quis mostrar não só uma mudança significativa, em termos qualitativos, das condições de vida social e cultural dos portugueses, como também da indústria, onde a ideia de progresso e do assumir a responsabilidade por parte do regime eram manifestadas e comunicadas através do que se pode designar por Estado Providência. Este foi um Estado que dizia defender os interesses dos portugueses, ou seja, que sabia ‘tomar conta’ e cuidar do seu povo, foi um Estado protecionista (fig. 7 a 9).

Os cartazes da Revolução entre 1974-76

2.1 Mudança na política

O MFA – Movimento das Forças Armadas, composto por oficiais militares, que posteriormente recebeu o apoio da população em geral, deu origem à Revolução de 25 de Abril de 1974 ao derrubar o regime do Estado Novo. Face à agitação política e social que se viveu neste período, a Junta de Salvação Nacional foi o organismo criado para a reorganização do país. Após uma série de manifestações e confrontos, a 2 de Abril aprovou-se a Constituição da República Portuguesa:


“A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno” (Assembleia da República, 1976).

Por fim, e só em 25 de Abril de 1976 se realizaram as primeiras eleições legislativas democráticas, nas quais ganhou o PS – Partido Socialista com o maior número de mandatos, seguido do PPD – Partido Popular Democrático, o CDS – Centro Democrático e Social e por fim o PCP – Partido Comunista Português.

A instabilidade vivida entre 1974 e 1976 e as novas ideologias políticas de cada um dos partidos proporcionaram rupturas visuais com os cartazes do Estado Novo. Apesar das diferenças ideológicas entre partidos (desde a esquerda até a direita), pareceu existirem valores comuns – liberdade, igualdade e fraternidade – que se tornaram  palavras chave,  palavras de mudança, palavras que passaram a fazer parte do discurso dos políticos e que se tornaram novas mensagens visuais dos cartazes. Mensagens tão fortes, cujos cartazes passaram a existir no interior das casas, dado que muitas pessoas começaram a recolher e a colecionar cartazes a partir deste período.

2.2 Mudança nas tecnologias

Para os cartazes da revolução (entre 1974 e 1976) destacou-se como tecnologia de produção a fotografia, e de reprodução, o offset. Os cartazes impressos em offset para além de apresentarem maior qualidade de impressão, proporcionaram a vulgarização da fotografia no cartaz político, situação pouco usual até a data. Paralelamente, e à semelhança do que sucedeu com o cartaz político do Estado Novo, relativamente à adoção da litografia, o cartaz da Revolução retardou o uso do offset. Assim, apesar da existência desta tecnologia ser anterior à década de 70, segundo informações recolhidas, presumiu-se que a sua adoção na impressão de cartazes deve ter ocorrido durante os anos 50 (Barbosa, 2011). Consequentemente, pode-se concluir que existiu alguma similitude de adoção tardia das tecnologias de impressão introduzidas em Portugal e aplicadas ao cartaz político, independentemente, das ideologias políticas praticadas. A este nível, constatou-se que o cartaz político foi sempre o mais resistente à adoção de novas tecnologias quando comparado com o cartaz cultural e comercial.
Relativamente às dimensões dos cartazes, se por um lado a litografia permitiu a impressão em grandes dimensões, por outro, o offset para além desse atributo permitiu um aumento significativo de exemplares, cujas tiragens ascenderam aos 250 mil exemplares. Assim, o cartaz político tornou-se num artefato vincadamente visível nos espaços públicos, preenchendo e cobrindo muitas das superfícies, sendo substituído regularmente pela sobreposição das novas impressões, e ao mesmo tempo transformou os lugares, originando um caos visual pela aleatoriedade da sua colocação, revelando claramente, tempos de mudança nos quais não se respeitaram as normas de afixação.

2.3 Mudança na comunicação visual

A forte mudança em termos políticos proporcionou profundas alterações, quer nos conteúdos das mensagens, quer na forma como estas eram comunicadas visualmente. Ao contrário do que sucedeu com o regime anterior, os diferentes partidos e organizações políticas pareciam estar mais interessados em enaltecer a liberdade. Nesta época, privilegiou-se um discurso livre na mensagem e nas representações, nas quais se valorizou sobretudo uma retórica visual simbólico-sintética e a presença da figura humana. Interessou às diferentes classes políticas comunicar a importância da esfera pública e valorizá-la, ou seja, os cartazes mostraram estar em igualdade de circunstância com os interesses do Povo.

Cartaz Arte

Na época da Revolução os artistas sentiram-se compelidos a realizar cartazes, não querendo deixar de participar de um momento histórico importante. Dois dos melhores exemplos surgem com a pintora Vieira da Silva (1908-1992), cujos cartazes se tornaram ícones dos cartazes da Revolução até aos dias de hoje. Inclusive, o cartaz da fig. 11 foi novamente reeditado em 1994 nas comemorações do 25 de Abril. Esta situação revela o forte impacto e a importância que os artistas encontraram neste suporte, como forma de apoiarem e manifestarem o seu apreço pela mudança política a que o país assistia.

A comunicação visual dos cartazes (fig. 10 e 11) desta artista são praticamente transposições diretas da sua linguagem formal ao nível da pintura. Aliás, como linguagem usualmente utilizada no cartaz político, estes exemplos fogem a esse tradicionalismo, aproximando-se mais das representações existentes num cartaz cultural do que num cartaz político. O interesse da participação de artistas na realização de cartazes foi retomado com outra dinâmica, que se tinha perdido com o antigo regime. A saída de António Ferro em 1949 do Secretariado Nacional de Informação, e as políticas praticadas pelo Estado Novo começaram a afastar muito artistas conceituados na realização de cartazes sobretudo a partir dos anos 50 e 60, quando passou a existir menor liberdade de expressão e alguns deles viram-se obrigados a sair do país pelas constantes perseguições políticas, sobretudo aqueles que eram simpatizantes da esquerda.

Cartaz Símbolo

A utilização de símbolos nos cartazes da Revolução tornou-se uma espécie de modernidade em termos da retórica visual, evitando a tradicional iconografia do regime anterior. O seu uso tornou-se constante independentemente dos partidos mais situados à esquerda ou direita.
A mão que faz o “V” de vitória (fig. 12), o cravo que é sem dúvida a imagem mais marcante que simboliza o 25 de Abril (fig. 13), a foice, o martelo e a estrela que representam o Partido Comunista Português (fig. 14), o punho esquerdo cerrado utilizado como imagem para representar o Partido Socialista (fig. 15), são alguns dos exemplos que procuraram referências com um maior grau de iconicidade e que pela primeira vez foram representados nos cartazes políticos portugueses. Toda a comunicação visual apresenta um grau de simplicidade na qual predominam os fundos lisos e a presença de cores mais nacionalistas para o Movimento das Forças Armadas, enquanto o Partido Comunista e Socialista optaram pelas cores quentes com o amarelo, cor-de-laranja, com a predominância do vermelho.

É interessante verificar que os cartazes dos partidos mais afetos à direita selecionaram imagens com um grau de iconicidade inferior, utilizando a seta como sucedeu com o cartaz do Partido Popular Democrático (fig. 16) ou o Centro Democrático e Social que usou duas setas e um círculo inscritos num quadrado para representar o símbolo do partido (fig. 17). Como estes representam os partidos mais afetos à direita verificaram-se situações interessantes na comunicação visual destes cartazes, que vão além da propensão do abstracionismo. Enquanto o PPD selecionou as cores da bandeira nacional, por sua vez o CDS, numa versão menos comprometedora, possivelmente para conseguir mais votos, e por isso mais indefinida em termos de ‘cor política’, optou por inserir esse pluralismo em termos cromáticos com a representação do arco-íris. No entanto, o uso do preto em ambos cartazes parece indicar um grau de modernidade no discurso visual da direita, situação que não sucedeu com o Estado Novo, considerando que esta cor era frequentemente utilizada nos cartazes da esquerda.

Cartaz Popular

Esta tipologia de cartaz mostra, não só a proximidade da autoridade junto do povo, como também as preocupações dos partidos políticos pelas classes sociais menos favorecidas, que foram as mais afetadas pelo regime anterior. A ideia de companheirismo, partilha, igualdade, fraternidade, felicidade, paz e liberdade são alguns dos valores expressos nestes cartazes, nos quais surgem objetos que fazem parte do léxico visual dos cartazes da Revolução como as alfaias, o martelo, os cravos e as armas (fig. 18 a 22).

Salientam-se os  cartazes das figuras 21 e 22, por dois motivos. O primeiro exemplo ilustra uma das mensagens mais emblemáticas da Revolução “O povo unido jamais será vencido”. Paralelamente, a figura feminina surge com vestuário moderno revelando um maior grau de liberdade, além disso surge de forma mais espontânea sem a carga sorumbática e estática que caracterizou os cartazes pseudo-tranquilos do regime anterior. O segundo exemplo, apresenta uma criança pobre com vestes rotas e sujas que surge sozinha e indefesa, sem a tradicional presença de adultos. Uma imagem forte, reforçada pelo contraste da inocência defronte a uma arma onde coloca um cravo, também este um marco iconográfico da Revolução.

Conclusão

Não se pode afirmar que o Estado Novo criou uma comunicação visual única para promover a sua imagem. Se ideologicamente existiu essa unidade, em termos práticos as imagens desenhadas refletiram alguma diversidade conceitual por parte da autoria, resultado das suas interpretações pessoais em função do programa enunciado pelo regime, ou seja, cada autor apresenta uma singularidade que está relacionada com o seu estilo de representação. Esta situação revela que, apesar da existência de um programa, a autoria pôde, na sua maioria, manifestar-se livremente através do seu desenho e por isso, a produção de cartazes políticos deste período apresentou essa diversidade de representações. No entanto, se por um lado a expressão do desenho era livre, a integração dos elementos visuais, ou seja, o que era necessário para estabelecer a comunicação, parece ter sido claramente controlado pelo regime.

Situação oposta ocorreu no período da Revolução de 1974. Os cartazes enunciam uma construção de conteúdos (programa) que surge pela mão da autoria e não pelos diversos partidos que foram surgindo, com casos excepcionais na representação dos símbolos dos partidos, cuja proposta deve ter tido raízes políticas. Dentro da divergência das representações percebe-se que existiu sobretudo uma tendência para a simplificação da forma e consequentemente para uma síntese comunicacional. Seria importante, agora, realizar um estudo sobre as interpretações e influências da autoria no sentido de contribuir para um conhecimento mais aprofundado da história do design do cartaz português.
 

 

Bibliografia


BARBOSA, Helena (2008) ‘Séc. XX: 1931-1940 história do cartaz português’, Arquitectura e Vida, nº 93, Maio: 77.
BARBOSA, Helena (2011) Uma história do design do cartaz português do séc. XVII ao séc. XX. Orient. Vasco Branco, Anna Calvera. Aveiro: Universidade de Aveiro, Tese de Doutoramento.
COSTA, J. C. Rodrigues da (1925) João Baptista gravador português do século XVII (1628-1680), Coimbra: Imprensa da Universidade.
SPN - SECRETARIADO DE PROPAGANDA NACIONAL (193-) Decálogo do Estado Novo, Lisboa: SPN.

 


(1) Foram utilizados dois arquivos de cartazes: o da (BNP) – Biblioteca Nacional de Portugal e a colecção Madeira Luís presente no espólio da Universidade de Aveiro (CML/UA).

(2) Regime político autoritário designado por Estado Novo.

(3) Sublinha-se que o Estado Novo promoveu fortemente o catolicismo em Portugal

(4) Escritor, jornalista e político que se tornou na figura responsável pela promoção da imagem do país.

5) Frase posteriormente, integrada na “Lição de Salazar”, referente a um conjunto de cartazes editados em 1938, que serão referidos mais adiante.

(6) Tendo sido igualmente afixados nas escolas primárias para a divulgação do regime.


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Helena Barbosa é Professora Auxiliar no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro, Portugal. É membro do ID + Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura e membro da edição da revista científica “The Poster” publicada pela Intellect. helenab@ua.pt

Anna Calvera é Prof. Titular da Universidade de Barcelona, Espanha. É membro do grupo de investigação GRACMON UB, dedicado à História de Arte e Design contemporâneo e membro do ‘board’ do ICDHS (Congresso dedicado à História e aos Estudos sobre o Design. acalvera@telefonica.net

Vasco Branco é Prof. Associado do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro, diretor do ID+, membro do Comité Executivo da European Academy of Design e dos conselhos editoriais: The Design Journal, The ‘Radical’ Designist, I+DISEÑO. vasco.branco@ua.pt



 

 


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