Ano: I Número: 3
ISSN: 1983-005X
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Tipografia e humanismo
Luciano Cardinali

Livro: Escritas: espelho dos homens e das sociedades Autor(a): Ladislas Mandel Editora: Edições Rosari

Postado: 17/03/2008

   

A tradução para o português de Escritas – Espelho dos homens e das sociedades, de Ladislas Mandel, foi publicada semanas antes da sua morte em Paradu, França em 2006. Felizmente, algumas editoras estão atentas a títulos e autores importantes para o design e especificamente o design tipográfico. A CosacNaify tem publicado alguns clássicos da tipografia e fomentado a produção de textos que vão, aos poucos preenchendo, lacunas do design brasileiro. Outra editora, a Edições Rosari, além dos vários títulos sobre design e uma série específica sobre tipografia, foi recuperar a memória de Mandel,  tipógrafo e pensador ainda desconhecido por muitos brasileiros. Tudo isso é o reflexo de um interesse crescente provocado pelo avanço do ensino do design em nosso país.

Ladislas Mandel foi um tipógrafo húngaro, nascido na Transilvânia, que atuou principalmente na França desde a adolescência. Trabalhou na fundição de tipos Deberny & Peignot onde conheceu ninguém menos que outro expoente da tipografia contemporânea, Adrian Frutiger, com quem aprendeu e trabalhou em vários projetos. É conhecido, sobretudo, como criador de fontes que requerem legibilidade extrema em corpos pequenos especialmente para listas telefônicas, assim como redesigns de tipos clássicos para a Lumitype. Também colecionou, ao longo de sua vida, cerca de 300 objetos e documentos que colaboraram com suas idéias e formação tipográfica.
   
O livro, diferentemente de outros que tratam do mesmo assunto, tem uma condução incomum: enquanto a evolução da escrita e da tipografia é geralmente tratada como conseqüência direta da técnica, ou seja, do  instrumento sobre o suporte (e a escrita cuneiforme dos sumérios colabora nesse sentido), Mandel aborda esses fatos sob a ótica determinante do humanismo. Em todos os momentos deixa clara sua posição contrária à teoria mecanicista da evolução da escrita, apontando sempre na direção do desígnio humano e sua cultura regional: o desígnio humano como propulsor dessa evolução. Lembra o historiador francês Fernand Braudel que dizia que a técnica é universal e a cultura é, antes de tudo, territorial ou geográfica.  Estamos diante de um autor que não apenas coleta e organiza informações, mas que se posiciona frente aos fatos, com reflexões claras e coerentes, inter-relações que desencadearam as transformações na escrita, o que muitos autores, não atentos aos fatos históricos, acabam negligenciando.
   
Mandel sempre estimula o leitor a tomar uma posição. Relatando fatos e aspectos formais em detalhes, longe de ser enfadonho, tira a poeira de assuntos que são comumente tratados como conclusivos e estabelece pontes entre a realidade momentânea do homem ao longo da história e a transfiguração das letras. Aponta o inevitável perigo que a enxurrada de tipos contemporâneos proporciona à integridade do texto, exaltando os designs que carregam personalidade e zeitgeist – o espírito do tempo.

Critica a impessoalidade dos tipos neutros gerados para suprir a comunicação de massas, necessária às engrenagens da propaganda: “... letras sem serifas para textos despojadas e sem alma representam uma ameaça à nossa herança cultural” (apesar dele próprio ter sido um especialista nessa categoria tipográfica).

Bem ilustrado, inclusive com peças do acervo do próprio Mandel, o texto passeia pela história com um olhar atento e crítico, revelando um pensamento transparente, objetivo e linear na medida do possível, pois a complexa evolução da escrita é, às vezes,  tortuosa e difusa.

 


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