Ano: VI Número: 56
ISSN: 1983-005X
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Pasteis com design
Ethel leon

Livro: Fabrico Próprio. O design da pastelaria semi-industrial portuguesa. Autor(a): Frederico Duarte, Rita João e Pedro Ferreira (orgs.) Editora: -

Postado: 24/04/2014

   

Em tempos de ‘food design’, em que a montagem apenas engenhosa e decorativa ganha ares de inovação e contemporaneidade, o livro Fabrico Próprio é um alento para aqueles que se dedicam a pesquisas na área do projeto da comida, recuperando suas tradições manufatureiras.

É esse o trabalho que tiveram os designers portugueses Frederico Duarte, Pedro Ferreira e Rita João, que enfrentaram o tema da chamada pastelaria lusitana, aquele conjunto de doces elaborados principalmente à base de ovos, manteiga e açúcar e seus complementos e que se difundiram, não apenas em Portugal, mas em muitas partes do mundo e, certamente, entre nós.

Tratou-se, para os autores, de entender o processo de produção de uma área que parece em franca decadência, sobretudo pelos alertas que a medicina vem fazendo sobre os perigos da ingestão de açúcar e gordura. E também por certa crise nos modelos dos cafés, que vinham se renovando desde o século XIX.

As muitas casas de pastelaria portuguesas (cuja fabricação difere da tradição de doçaria conventual), além de serem fonte de emprego, são também depositárias de saberes que podem perder-se diante da invasão dos alimentos industrializados e que, muitas vezes, não têm a qualidade desses pasteis de nata, desses mil folhas, polkas, travesseiros, rins, tigeladas e tantas outras delícias.

Frederico, Pedro e Rita agiram como pesquisadores de design. Preocuparam-se em entender o processo de trabalho que resulta nos pasteis, estudando, para isso, minuciosamente, os instrumentos de trabalho utilizados pelos pasteleiros.

O livro é, desse modo, uma espécie de exercício arqueológico de um saber centenário, em que as perguntas são dirigidas, antes de tudo, ao projeto e ao processo de fabricação. Ou seja, a pesquisa não se fixa nos meandros dos estudos antropológicos de cultura material, que se interessam apenas pelos sentidos dos objetos depois de prontos. As questões desta pesquisa são dirigidas à etapa anterior.  Pois há um projeto e tanto na pastelaria portuguesa, responsável por bolos, doces, folhados com base em seis distintos tipos de massa e que resultaram no levantamento de 92 espécimes de bolos (entre nós chamaríamos de doces).

O objetivo dos autores/designers é também projetual. Ao perceber a decadência desses cafés e sua cultura de responder às demandas do balcão, Frederico, Rita e Pedro se esmeraram para pensar alternativas , de modo a alterar o cenário de declínio de prestígio das pastelarias.
O levantamento impressiona, mas, sobretudo, cria as condições de renovação dos bolos. Nesse sentido, a documentação permite a reprodução das práticas, objetivo que deveria ser permanente na pesquisa em design.

O estudo levanta a história da pastelaria de Portugal com suas imbricações e influências da França, da Áustria, da Itália; o encontro da doçaria conventual, cujos segredos passaram para o domínio público, depois da extinção das ordens religiosas, em 1834, caso do hoje internacionalmente conhecido pastel de nata; demonstra que o quindim, apesar do nome e da fama, tem origem em Portugal e não no Brasil.

Também confirma a inventividade e, digamos, a atitude herética dos pasteleiros portugueses que não se fixaram em receitas tradicionais, mas levaram adiante várias inovações  como no caso dos croissants prensados da cidade do Porto; ou os croissants de Restelo, de Lisboa. O livro traz entrevistas com mestres pasteleiros, investiga as relações da arquitetura dos cafés com a pastelaria, não apenas em Portugal, mas também em Moçambique.

Traz ainda ensaio fotográfico dos vendedores de bolas de Berlim (aquele bolinho frito com açúcar à volta e recheado de creme, o nosso tradicional sonho!) que trabalham nas praias de Portugal. E dirige olhar, esse sim, antropológico aos comensais da madrugada, que andam pelas ruas das cidades, guiados pelo olfato, à espera da abertura da primeira pastelaria em que possam fazer seu desjejum.

Para nós, brasileiros, o livro tem interesse especial. Reconhecemos os doces de padarias − nossas mais generosas em quantidades de itens costumam ter origem portuguesa. Identificamos também esta variação de receitas tradicionais. Nossos padeiros e confeiteiros seguem esta heterodoxia de alterar tradições sem pestanejar, diferentemente da produção de países em que as corporações de ofícios tiveram mais poder e longevidade.

Também é notório que os práticos da pastelaria detêm saberes do corpo (o ponto das massas, o corte com a mão etc.), que a indústria alimentícia pretende substituir e cuja sobrevivência depende de um conjunto de medidas. O design, como projeto que viabiliza e revigora certo tipo de produção, é uma delas. Desde que exercido com seriedade e pesquisa, o que Fabrico Próprio exibe de sobra.

 

 

É possível adquirir o livro nos seguintes pontos de venda:

São Paulo: http://www.fabricoproprio.net/2012/12/sao-paulo/

Rio de Janeiro: http://www.fabricoproprio.net/2013/08/rio-de-janeiro/

 

 


 


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