Ano: I Número: 3
ISSN: 1983-005X
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Supernormal
Jasper Morrison, 2006
Tradutor(a):Gilberto Paim

Tomava uma xícara de chá com Takashi Okutani, durante o Salão de Milão de 2005, conversando sobre projetos em andamento com a Muji, descrevendo para ele o projeto de cutelaria da Alessi, e como sentia que essa abordagem do design que deixa de lado o design, me parecia cada vez mais o caminho a seguir.

Mencionei ter visto os bancos de alumínio de Naoto Fukasawa para Magis e como eles parecem ter um tipo especial de normalidade, e ele acrescentou: “supernormal”. Esta era a expressão que buscava há muitos anos, a síntese perfeita do que o design deve ser, agora mais do que nunca.

Tenho me sentido cada vez mais desconfortável com a presença crescente do design nas situações cotidianas e nos produtos alinhados nas prateleiras das lojas. Durante anos as pessoas criticaram o design por ser inacessível, caro e desligado do mercado de massa. Agora ele se tornou a corrente dominante, parece ultra comercial, como se o design tivesse tomado o lugar de todos os produtos feios e baratos que existiam, tornando-os feios, baratos e muito chamativos.

Supostamente responsável pelo ambiente artificial no qual habitamos, o design parece, ao contrário, polui-lo. O seu objetivo histórico idealista de servir ao mesmo tempo à indústria e às massas de felizes consumidores, de conceber coisas mais fáceis de serem feitas e melhores com as quais viver, perdeu o rumo. 

Há pouco tempo achei alguns copos velhos de vinho, soprados artesanalmente, e bastante pesados num brechó barato. Fui atraído em primeiro lugar pela sua forma, mas aos poucos, usando-os todos os dias, eles se tornaram algo além de meras formas, e passei a perceber a sua presença de outras maneiras. Quando uso outro copo sinto que algo está faltando à atmosfera da mesa. Quando estão presentes a atmosfera volta. Eles tornam prazeiroso até mesmo o vinho de qualidade mediana. Irradiam algo bom quando os observo na prateleira. Esta cota de espírito atmosférico é a qualidade mais elusiva e misteriosa dos objetos. Como é possível que tantos objetos de design falhem em proporcionar qualquer efeito real benéfico ao ambiente, e esses copos, feitos sem muito pensamento de design ou qualquer esforço para se obter outra coisa senão um bom copo comum de vinho, consigam ser tão bem sucedidos? Isso vem me intrigando há muito anos, e influenciando a minha atitude em relação ao que faz o bom design. Passei a comparar as minhas realizações a outros objetos como esses copos, sem me preocupar se ficavam menos perceptíveis. De fato, um certo tipo de imperceptiblidade se tornou uma exigência.

Enquanto isso, o design, que era uma profissão quase desconhecida, se tornou uma grande fonte de poluição. Encorajado pelas revistas de "estilo de vida" em papel brilhante, assim como pelos departamentos de marketing, ele entrou na competição para tornar as coisas o máximo visíveis em termos de cor, forma e surpresa. A sua significação histórica idealista de servir ao mesmo tempo à industria e às massas de consumidores felizes parece ter sido deturpada. O vírus já infectou o ambiente cotidiano. A necessidade dos negócios atraírem a atenção oferece o portador perfeito para a doença. O design faz as coisas parecerem especiais, e quem quer o normal quando se pode ter  o especial?

Eis o problema. Depois que o normal é exterminado não há retorno. É como construir uma casa nova no campo ainda virgem, ou desenvolver grandes áreas urbanas de uma vez só. Aquilo que cresceu de modo natural e sem autoconsciência ao longo do tempo não pode ser facilmente substituído. A normalidade de uma rua de lojas, que se desenvolveu com o tempo, oferecendo vários tipos de comércio e produtos, é um organismo delicado. Não quero dizer que as coisas velhas não possam ser substituídas ou que as coisas novas sejam ruins, apenas que as coisas que são desenhadas para chamar atenção são insatisfatórias desde a origem. Há melhores maneiras de fazer design do que gastando muito esforço para que algo que parece especial.  O especial é geralmente menos útil do que o normal, e a longo prazo, menos compensador. Coisas especiais chamam a atenção por razões erradas, atrapalhando uma atmosfera potencialmente boa com sua presença estranha.

Os copos de vidro são o indício de algo além do normal, porque transcendem a normalidade. Não há nada de errado com o normal, é claro, mas o normal foi produto de uma era anterior, menos auto-consciente, e os designers que trabalham para substituir o velho pelo novo e supostamente melhor, o fazem sem a vantagem da inocência que o normal pede. Os copos de vinho e outros objetos do passado revelam a existência do supernormal, como se pintássemos um fantasma com tinta spray. Você sente que ele está lá, embora seja difícil vê-lo. O objeto supernormal resulta de uma longa tradição evolutiva das formas dos objetos cotidianos. Não se trata de romper com a história da forma, mas de sintetizá-la, sabendo que o supernormal é o substituto artificial do normal, que pode ser enxertado na vida cotidiana com tempo e compreensão. 

Mais informações: www.jaspermorrison.com/html/index.html

Sobre o Autor(a):

Jasper Morrison nasceu em Londres em 1959, e estudou design na Kingston Polytechnic e no Royal College of Art. Mantém escritório próprio desde 1986, sendo um dos designers ingleses de maior projeção internacional da sua geração.

Embora os seus primeiros projetos tenham sido realizados por pequenas manufaturas londrinas, Morrison estabeleceu ao longo do tempo parcerias com grandes empresas européias como Vitra e Cappellini ( mobiliário ); Flos ( luminárias ); Rosenthal ( porcelana ); Alessi ( objetos de metal ); Magis ( utensílios de plástico ); Rowenta ( equipamento culinário ). Desenhou mobiliário urbano para as cidades de Hanôver e Tóquio.

Em 2006, organizou juntamente com o designer japonês Naoto Fukasawa a exposição Super Normal, cuja seleção de objetos enfatizou as qualidades da clareza e da simplicidade. A exposição foi apresentada em Tóquio, Londres e Milão. Super Normal é um manifesto contemporâneo em favor dos princípios modernistas, mas que supera a ênfase racionalista em favor do reconhecimento de uma afetividade especial despertada pelos objetos industriais que participam discreta e por vezes anonimamente da vida cotidiana. (GP)

 


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