Ano: V Número: 52
ISSN: 1983-005X
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Especial Vhutemas
vários
Tradutor(a):Mila Waldeck

Discurso do diretor da Vhutemas Pavel Novitski, 1926.

Camaradas, resta ainda um ponto controverso para levantar. Certos responsáveis da faculdade, e, em particular, os estudantes partidários da tecnologia, desejam que se modifique o programa a fim de reforçar as disciplinas técnicas em detrimento das disciplinas artísticas, pelas quais eles manifestam um certo desprezo.

Eu quero expor aqui algumas reflexões relativas aos objetivos da faculdade e ao tipo de especialista que ela deve formar. Agora mesmo, um dos representantes da indústria assustou o auditório ao afirmar que dentro de alguns anos a indústria não terá mais necessidade de especialistas no trabalho em madeira, mas apenas de um ou dois técnicos universais.

Pode-se responder a isso dizendo que os objetivos e os resultados obtidos na faculdade unificada de trabalho em madeira e metal se assemelham àqueles da faculdade de arquitetura. O arquiteto-artista, como o artista-engenheiro que sai da Vhutemas, não está preso a uma fábrica específica.

Não há nenhuma fábrica nem empresa que fabrique casas; é igualmente verdadeiro que, no domínio da arquitetura, a indústria tem uma tendência de apelar aos especialistas de outros setores para o design ou a construção de edifícios, para o trabalho dos metais etc. Isso não quer dizer, no entanto, que nós não temos necessidade de arquitetos.

Nós estamos ainda, em nosso país, nos primórdios da construção. Uma vez que a economia se restabeleça, nós poderemos desenvolver um vasto plano de construção – construção industrial, urbana, construção de moradias de operários. Mas nós devemos começar essa tarefa desde agora, porque é nessa única condição que nós poderemos restabelecer e dinamizar o tecido industrial de nosso país.

É evidente que se a arquitetura não depende unicamente da produção de uma usina ou de uma fábrica – mas de necessidades econômicas reais da União Soviética e de exigências ditadas pelo novo modo de vida – nós teremos também necessidade de especialistas diplomados da faculdade unificada de trabalho em madeira e metal porque essa faculdade mantém uma ligação estreita com a faculdade de arquitetura.

Pode-se ler na imprensa estrangeira que o design de interiores faz parte da arquitetura. São justamente os especialistas em trabalho em madeira e metal que devem se encarregar desses problemas. Mas existem também problemas particulares: organização, disposição funcional e racional dos objetos de uso pessoal ou do sistema de objetos que servem às habitações, a um tipo de habitante ou a uma determinada camada social.

São tantos problemas que há necessidade da formação de um número significativo de especialistas, porque é evidente que as necessidades dos consumidores irão apenas aumentar. Assim, num futuro próximo, as fábricas e as usinas deverão se direcionar a um órgão de estado que seja capaz de lhes propor especialistas aptos a satisfazer à demanda do consumidor. É importante então que nós formulemos nesse sentido nosso programa de estudo, assim como as finalidades e os objetivos de nossa faculdade.

Esse novo tipo de artista-produtor, de organizador do novo modo de vida, ainda não existe, porque nosso modo de vida está em plena evolução. O modo de vida novo ainda não nasceu enquanto o antigo morre. É por isso que o novo engenheiro, o artista-tecnólogo, o organizador consciente do novo modo de vida, deve poder se apoiar em um programa definido, claro, saber o que ele quer e onde ele irá quando tiver deixado a Vhutemas.

É importante que nós continuemos o que já começamos: desenvolver relações constantes com a indústria, com organizações operárias, com as organizações de massa que são o caldeirão onde se elabora a construção do novo modo de vida. Este é o caminho que nossa faculdade deve seguir.

Mantendo ligações com o Nakrompos, mas também com as organizações econômicas, com as células do novo modo de vida e com os operários, os problemas se resolverão por si mesmos porque o novo tipo de artista-produtor que a faculdade deve formar só pode sê-lo se ele conhece as necessidades novas, se ele estuda os processos de destruição do antigo modo de vida e a aparição do novo. Isso permitirá igualmente resolver os problemas de método e de programa.

Algumas pessoas querem determinar o lugar que se deve conceder às disciplinas técnicas e artísticas. Isso, metodologicamente, é colocar mal o problema. É inútil determinar em porcentagem a importância de uma ou de outra disciplina. É inútil também afirmar que o ensino artístico não serve para nada e é fornecido em detrimento de outras disciplinas.

O que é necessário, em contrapartida, é definir nitidamente a importância das disciplinas artísticas na formação e organização do modo de vida a fim de permitir a racionalização das moradias dos trabalhadores. O que devemos é focar as disciplinas na produção. Assim, não haverá mais contradição entre o ensino artístico e o ensino técnico.

Eu penso que devemos recrutar os professores-artistas adaptados a um instituto técnico e engenheiros-técnicos adaptados a uma faculdade de arte; mas não se deve de forma alguma apelar aos artesãos, porque o artesanato, no sentido estrito do termo, nos é tão alheio quanto a arte pura.

Se alguns desejam estudar apenas a técnica, eles não irão longe. E se outros pensam que os problemas de construção artística, de estilo e de composição são inúteis, então a faculdade não deve mais ficar dentro da Vhutemas que, como o nome indica, são ao mesmo tempo um instituto técnico e um instituto artístico. E eu duvido muito que, apesar da ligação de alguns com a tecnologia, eles desejem deixar a Vhutemas.

O problema é portanto formar um tipo de artista novo, um artista-produtor que não deva se contentar em fornecer objetos cotidianos, mas organizar o modo de vida em seu conjunto; um artista que não se limite a esboçar alguns croquis, mas um artista-organizador que elabore modelos, objetos padronizados para a produção; um artista que crie objetos utilitários e não bibelôs bonitinhos; um artista que pesquise o tratamento mais racional dos materiais, que elabore belos objetos cuja forma e o estilo sejam claramente definidos.

A forma resulta de uma construção racional. O estilo por si só não cria um novo modo de vida – ao contrário, é o novo modo de vida que cria o estilo. Se vocês compreenderem a missão incumbida a esse novo tipo de artista, vocês poderão facilmente resolver os problemas de organização e de prática pedagógica. Nesse domínio, duas concepções se chocam, a dos partidários da arte de cavalete e a dos partidários da arte de produção.

A faculdade tem como objetivo formar artistas-produtores, mas isso não significa que ela vá banir a arte de cavalete que quer representar, refletir e às vezes embelezar a realidade.

No entanto, mesmo se as produções da arte de cavalete exprimirem a ideologia da nova sociedade, isso não as torna produções de massa. É impossível considerar que todas as habitações de trabalhadores, todos os locais comunitários possam ser decorados com pinturas, com esculturas.

Os trabalhadores só podem admirar as obras de arte dentro dos museus. Por hora os museus estão dentro dos centros urbanos e as pessoas na província não podem usufruir deles. É claro que, se as grandes obras de arte embelezam o cotidiano, seu impacto social continua limitado aos olhos daqueles que visam a arte de produção, a arte do objeto.

Uma capa de livro, uma gravura, uma litografia ou um livro são objetos que podem ser encontrados tanto na cidade quanto no campo e que podem servir às massas. É necessário manter e desenvolver a arte de cavalete, mas deve-se igualmente manter a arte de produção, porque ela está comprometida diretamente com o cotidiano e elevada a um grande futuro. Mas para chegar a um domínio da qualificação (e não somente ao domínio dos materiais), deve-se ter bons conhecimentos técnicos.

A forma de um objeto depende das possibilidades técnicas de uma época, é por isso que é importante dominá-las. Nosso objetivo atual pela criação de um modo de vida novo e pela industrialização não são muito diferentes daqueles das grandes épocas históricas. No começo do século XVI, sonhava-se mecanizar e racionalizar a atividade artística. Benvenutto Cellini não era somente um artista, ele era também artesão e fabricava colheres, copos… a maior parte dos grandes pintores eram artistas-produtores. Leonardo da Vinci sonhava em mecanizar a arte.

Os objetivos deles são os nossos: mas nós os abordamos numa ótica nova, a da construção de uma sociedade socialista e de um modo de vida comunista. Não devemos nos exceder em generalidades, mas dizer o que deve ser feito.  Na minha opinião, deve-se estabelecer antes de tudo uma comunicação estreita entre a prática pedagógica da faculdade e a sociedade; nós devemos nos relacionar com as células do novo modo de vida, com os trabalhadores e com as empresas; porque essa é a única maneira de formar o tipo de especialista que deve sair dessa faculdade.

Além disso, é necessário que vocês, responsáveis e alunos da faculdade que são partidários exclusivamente da tecnologia, definam claramente sua atitude em relação à Vhutemas. Se vocês desejam apenas ser tecnólogos, a faculdade não tem lugar para continuar dentro deste instituto. Mas se o objetivo de vocês é formar artistas-produtores, então ele corresponde à meta grandiosa da arte contemporânea.

 

Lembranças do estudante A. Galaktionov sobre a faculdade de trabalho em madeira e metal, 1923.

A admissão na Vhutemas não exigia nenhum exame de entrada: contava apenas a situação social do estudante. Uma comissão de admissão realizava uma entrevista durante a qual ela verificava a orientação política e o nível cultural geral. Meu irmão e eu éramos os mais jovens do setor e recebíamos uma atenção particular por parte dos mais velhos.

Na época, não havia nem plano nem programa de ensino definido. Nós não recebíamos nenhuma formação teórica, e sim um ensino prático em atelier onde éramos iniciados em diversos procedimentos em metal (…).

Era evidente que um estabelecimento de ensino superior como a Vhutemas não poderia se contentar em reproduzir os princípios da antiga escola de arte industrial Stroganov. Era necessário achar novas vozes adaptadas às metas e aos objetivos do jovem Estado socialista. Foi nesse momento preciso, em 1922, que chegou Rodchenko. Consciente de que era necessário antes de tudo verificar e colocar sua pedagogia à prova, Rodchenko começou por propor em seu programa a elaboração e a realização de objetos usuais simples. Além disso, como faltavam professores, ele passou a dar mais disciplinas, como composição, construção, desenho e desenho técnico. Os estudantes tinham assim uma abordagem sintética de suas disciplinas e eles podiam elaborar seus projetos em etapas – da realização do modelo, do detalhe até o objeto concreto.

No início, os cursos aconteciam no atelier, nós ficávamos instalados em nossas pranchetas. Rodchenko dedicava uma atenção particular a nossa educação estética. Ele tinha suas razões. Para testar as capacidades criativas de seus novos alunos, ele nos propôs elaborar um projeto de despertador. O aluno N. Sobolev imaginou um despertador com uma casa em forma de ‘casa sobre pés de galinha’. Pegando esse trabalho como exemplo, Rodchenko nos mostrou que era inútil recorrer a formas sem justificação funcional. Além do fato de serem verdadeiros ‘ninhos de pó’, ele sublinhou o anacronismo de suas formas, a sua inadequação à produção e à economia nos tempos modernos.

Rodchenko sempre dava seus ensinamentos com simplicidade. A atmosfera do curso era descontraída, quase familiar. Situados em nossas mesas em volta dele, nós o escutávamos evocar diferentes aspectos de nossa especialização; ele analisava exemplos que extraía de livros ou de catálogos; ele os criticava com esboços rápidos em um pedaço de papel; ele nos propunha outras soluções. Ele não gostava de trabalhar no quadro-negro nem dar aulas professorais, preferia trabalhar em seminário ou em pequenos grupos, o que o pequeno tamanho do nosso grupo permitia. Ele nos ensinava a apreender, na totalidade, o processo de elaboração de um projeto. Ele começava fazendo um esboço onde ele utilizava o desenho técnico e o desenho rascunho para nos dar uma ideia do conjunto a ser realizado. Esse esboço era em seguida colorido. Depois disso, nós passávamos à realização do projeto, primeiro com lápis, depois com tinta preta e enfim em cor; Rodchenko privilegiava o uso de tons acromáticos.

Os projetos realizados durante os primeiros anos se pareciam, sobretudo, com esboços; as normas e as regras do desenho técnico eram aplicadas aproximativamente. Nós não utilizávamos quase nunca os diferentes tipos de segmentação e de signos convencionais necessários para esse tipo de trabalho. Mais tarde, nós pudemos suprir essa deficiência, quando a disciplina desenho técnico foi inscrita no programa da faculdade (…).

 

 

Carta dos alunos da Bauhaus de Dessau. Alemanha, 7 de novembro de 1929.

Caros camaradas,

Nós nos alegramos com vocês pela grande festa que celebra os doze anos de existência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Nós sabemos quanta energia lhes foi necessária para suportar os combates que vocês comandaram em nome da revolução cultural. Mas é igualmente evidente que ainda será necessária muita abnegação para liderar esses combates contra os elementos reacionários que, sob a máscara de Associação de Arte revolucionária e se escondendo por trás de uma fraseologia revolucionária, dissimulam sua verdadeira face, anti-proletária e reacionária.

Nós estamos encontrando enormes dificuldades em nosso caminho, mas o que vocês conseguiram nos dá a força para vencer todos os obstáculos.

Com nossas saudações revolucionárias.

 

Resposta dos alunos da Vhutemas à representação estudantil da Bauhaus de Dessau

Caros camaradas

Nós lhes dirigimos, de nosso lado, nossas saudações e lhes agradecemos pela sua “voeux” calorosa. O décimo segundo aniversário da Grande Revolução Proletária nos envontra em pleno trabalho de reorganização socialista da estrutura econômica e cultural de nosso país.

Nós construiremos o socialismo como se deve e estamos confiantes de que nossa escola será um dos elos dessa construção, a mais grandiosa da história humana. Ela fará a reforma radical da cultura humana e da natureza do homem. A nova cultura artística, pelo advento da qual luta o proletariado, é marcada não apenas pela industrialização, a racionalidade e a planificação rigorisa, mas também pela psicologia e ideologia coletivista, por um vasto projeto social, pelo caráter concreto dos dados, pela ampliação das perspectivas e o dinamismo de suas construções e de suas formas. A racionalidade técnica dessa cultura depende totalmente da coerência ideológica e social da luta de classe do proletariado.

 

 

Comentário

Mila Waldeck

Os três textos traduzidos mostram a escola russa de design Vhutemas sob diferentes pontos de vista: o do diretor Pavel Novistky em relação à linha de atuação da escola; o do estudante Galatiokonov em relação às aulas de Rodchenko e o de grupos de alunos da Bauhaus e da Vhutemas em relação à maneira como a escola era percebida pela vanguarda de fora.

Nos três textos há uma certa tensão entre vertentes mais ou menos construtivistas dentro e fora da escola – e mesmo a complexidade do esforço construtivista russo na busca por definir como seria uma arte inserida na indústria.

Khan-Magomedov, em seu amplo estudo sobre a Vhutemas, observa que, no período em que diretor Pavel Novitski esteve no cargo, entre 1926 e 1930, houve um enfoque relativamente mais industrial em comparação à gestão do diretor anterior, Vladimir Favorski.

Os cursos de trabalho em madeira mencionados nos textos de Noviski e Galatiokonov, que correspondiam justamente à especialização em design de produto (junto com a oficina de metal) tinham muito poucos alunos se comparados aos outros setores da escola, como arquitetura e arte.

Conflitos internos e externos em relação ao fortalecimento e à linha de atuação desse departamento marcaram a história da Vhutemas (1).

 

Nota

(1) Khan-Magomedov, S. O. (1990),Vhutemas: Moscou, 1920-1930,Paris: Editions du Regard.

 


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