No próximo dia 17 de março será lançado na capital de Santa Catarina o livro Canasvieiras, um laboratório para o design brasileiro. A história do LDP/DI e do LBDI, Florianópolis (1983-1997), de autoria de Ethel Leon. O livro resulta de pesquisa encomendada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC) e pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). Confira abaixo a entrevista realizada com a autora.
Agitprop: Qual o interesse da história do Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial (LBDI) para o design brasileiro?
Ethel Leon: O Laboratório foi um centro importantíssimo de formação e também de coordenação da atividade do design no Brasil durante mais de uma década. Supriu a carência de cursos de formação para professores com pequena experiência projetual; promoveu encontros nacionais e internacionais e atendeu um grande número de empresas, sobretudo do estado de Santa Catarina, mas também de outros lugares do país.
Acredito que a experiência do Laboratório não é importante apenas para nós, brasileiros, mas para todos interessados em entender como o design pode contribuir para esferas da vida que não apenas as fáceis e mercadológicas a que estamos mais acostumados. Também acredito que o modelo de ensino adotado lá tem muito a dizer às dezenas de cursos de design que existem no Brasil.
Agitprop: Que modelo era esse?
Ethel Leon:Tive a oportunidade de ler os relatórios muito bem elaborados dos quatro primeiros cursos, preparados pela equipe liderada por Gui Bonsiepe, nome que dispensa apresentações. Eram cursos de 4 a 6 semanas, super-intensivos, que privilegiaram uma questão – estruturas, desenhos de máquinas, linguagem e cores, por exemplo. Todos foram organizados tendo a questão do projeto como central. As técnicas e os conhecimentos em geral eram mobilizados a partir das necessidades do projeto de cada aluno. Creio que esse é o caminho.
Observo que os cursos de design, mesmo os que tentam trabalhar com seriedade, sofrem com a justaposição de disciplinas. Afinal, todos concordamos que um designer bem formado deve dominar um conjunto muito grande de conhecimentos – das áreas técnico-científicas às humanidades. No entanto, a maneira enciclopédica de ensinar está superada. E o que vemos nos cursos é um saber superficial e extremamente fragmentado. Os cursos do Laboratório nada tiveram em comum com essas práticas acadêmicas.
Agitprop: Quem eram os alunos?
Ethel Leon: Houve cursos dirigidos a engenheiros, a designers já graduados e professores e a técnicos industriais. Alguns designers que entrevistei na pesquisa dizem ter aprendido mais nesses intensivos de um mês do que em anos de graduação. Alguns levaram o que aprenderam para a universidade. Esses cursos do Laboratório funcionavam porque eram extremamente bem preparados por uma equipe e sempre colocaram a prática como central. Muito diferente dos cursos acadêmicos, em que cada professor dá sua disciplina, geralmente desconectado dos demais.
Agitprop: Mas os cursos eram oferecidos também para engenheiros, para técnicos? Isso não seria um enfraquecimento do design?
Ethel Leon: Esta é uma bela discussão e espero que o livro incentive que estudantes repensem a excessiva importância que é dada a questões como regulamentação da profissão etc.
Explico: a primeira fase do Laboratório estava amparada num programa governamental, em que o design industrial deveria contribuir para a autonomia industrial e tecnológica do país. Ou seja, a pergunta era: o que o design pode fazer pelo país?
E hoje, a fala generalizada é: o que o país pode fazer pelo design? Pretende-se uma reserva de mercado baseada em critérios acadêmicos muito discutíveis. Ao mesmo tempo, canso de encontrar jovens designers que não sabem bem o que fazer e cujo futuro profissional parece ser o de mão de obra barata em agências de publicidade. Os cursos do Laboratório apontaram questões muito pertinentes e importantes para formar gente capaz de responder a demandas industriais e a serviços públicos importantes no Brasil da época. Essa capacidade seria a base de um discurso corporativo e não o contrário.
Agitprop: Você fala da primeira fase, quantas houve?
Ethel Leon: Houve duas fases distintas. A primeira durou de 1983 a 1986 e foi coordenada pelo designer Gui Bonsiepe, que sempre lutou para ver o design aliado a práticas de autonomia dos países periféricos.
A segunda, de 1986 em diante (até 1997, aproximadamente) foi dirigida pelos designers Eduardo Barroso e Marcelo de Resende, ambos com experiências em organismos governamentais e da iniciativa privada. Comentei mais os cursos da primeira fase porque tive acesso a uma documentação bem completa deles. Já os materiais da segunda fase estão dispersos e não li um relatório integral de curso.
Agitprop: Explique melhor essa diferença da pesquisa.
Ethel Leon: A primeira fase foi muito bem documentada e guardada no arquivo pessoal de Gui Bonsiepe, em La Plata, na Argentina. Fiquei três dias por lá, separando materiais, fotocopiando-os, fotografando, com a ajuda inestimável de Bonsiepe e da professora Silvia Fernández.
Quanto à segunda fase, tive de catar junto aos ex-coordenadores, professores e alunos a documentação necessária. Infelizmente consegui pouca coisa, pois o material, em princípio, se dispersou. Creio que há esperanças que seja encontrado e reunido, é preciso que mais pesquisadores vão atrás dessa documentação toda. Aliás, imagino que estudantes de Santa Catarina possam empreender pesquisas com mais profundidade, tendo acesso às empresas atendidas pelo Laboratório.
Agitprop: O que havia de estudos acadêmicos sobre o Laboratório?
Ethel Leon: Li apenas um artigo que era uma sequência de erros e que, portanto, desprezei na bibliografia. Tive de fazer pesquisa primária, embora isso não tenha sido nada fácil, em função do sumiço dos documentos da segunda fase.
Agitprop: Você falou de empresas atendidas? Ou seja, o Laboratório dava cursos e atendia a empresas?
Ethel Leon: Sim, ambas as atividades ocorreram nas duas fases.
Agitprop: Mas isso não colidia com os escritórios de design?
Ethel Leon: Na época em que foi fundado não havia designers em Santa Catarina. Com o atendimento dado a empresas (que, aliás, pagavam pelos serviços), foi pavimentado um território para a instalação de escritórios privados. Ou seja, o Laboratório promoveu a abertura de um mercado formal.
Agitprop: Quais as diferenças entre a primeira e a segunda fase?
Ethel Leon: Creio que a primeira fase é muito coesa. O nome do Laboratório, então, era Laboratório de Desenvolvimento de Produtos/Desenho Industrial. A equipe era pequena, foram dados quatro cursos e realizados vários projetos para clientes do Estado.
A segunda fase foi bem mais longa e certamente se desdobrou em algumas práticas distintas. Cursos e consultoria eram atividades regulares, mas o Laboratório passou a se chamar Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial, colocou-se nacionalmente e até internacionalmente e se tornou um ponto referencial dos designers brasileiros.
Agitprop: Por que seu interesse no Laboratório?
Ethel Leon: Já havia pensado em estudar o Laboratório, pois venho pautando meus estudos nas possibilidades que o design abriu no Brasil em vários momentos históricos. Estudei a primeira escola de design do Brasil, o Instituto de Arte Contemporânea do MASP no meu mestrado. No doutorado, acabei me debruçando sobre o Instituto de Desenho Industrial do MAM do Rio de Janeiro e a formação do Núcleo de Desenho Industrial da FIESP, justamente nessa perspectiva.
A hora do Laboratório de Canasvieiras chegaria mais cedo ou mais tarde. No entanto, em 2012, recebi o convite da FAPESC e da UDESC para pesquisar e redigir esta história e aceitei fazê-la em 2013. Tive oito meses de prazo, o que equivale a menos do que metade de um mestrado. Foi uma pesquisa intensiva, mas deixou muitas portas abertas para futuros estudos.
Agitprop: O Laboratório seria uma experiência válida para hoje?
Ethel Leon: Acredito que sim. Tanto como parâmetro de formação de designers como para exemplo do que pode se fazer em empresas as mais diversas e no atendimento de serviços públicos essenciais. Talvez o modelo hoje fosse uma referência antiacadêmica e também pudesse funcionar como local experimental de desmonte e ressignificação do consumo. É claro que hoje a internacionalização da economia, a desindustrialização do Brasil e todos os questionamentos sócio-ambientais teriam de fazer parte da agenda de experiência semelhante.
Agitprop: Por fim, o livro será distribuído em livrarias?
Ethel Leon: Não, a edição não será comercializada. O curso de Design da UDESC se encarrega da distribuição. Os interessados podem entrar em contato para ver a disponibilidade no email design.ceart@udesc.br.