Ano: VII Número: 62
ISSN: 1983-005X
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A cidade como inspiração
Leda Brandão de Oliveira

Livro: Urban Sketching Autor(a): Thomas Thorspecken Editora: Gustavo Gili

Postado: 07/05/2015

   

Há tempos ouço comentários sobre o fenômeno Urban Sketching, até mesmo na televisão. Trata-se de um grupo internacional, formado majoritariamente por arquitetos, ilustradores e artistas gráficos que usam a cidade como tema de seus desenhos realizados in loco.

O que mais se fala sobre eles (talvez eu possa dizer nós, porque também faço parte do grupo), é que são uma segunda via em relação ao mundo computadorizado em que vivemos. Isso porque optaram por desenhar a mão livre e no local, sem a intermediação de qualquer meio mecanizado ou eletrônico, seja a referência da fotografia, seja o uso de software.

Se, neste sentido, estão de fato na contramão da vida digital, o grupo cresceu e se internacionalizou graças às redes sociais e à facilidade de deslocamento pelo mundo. Sua origem são os Estados Unidos e seu fundador é o espanhol Gabriel Campanario, que  iniciou o movimento criando um grupo no Flickr que rapidamente se expandiu.

Gabi, como é chamado pelo grupo, é um jornalista ilustrador que trabalha para um jornal de Seattle fazendo reportagens ilustradas. Hoje, no entanto, o grupo é internacional e conta com membros em diversos países, incluindo o Brasil.

Todos os anos seus membros organizam um simpósio que reúne desenhistas de todo o mundo para desenhar em muitos recantos da cidade escolhida. E, como não poderia deixar de ser, esses frenéticos desenhistas são realmente ativos em seus blogs, páginas de facebook e flickr.

Outra característica desse grupo que não nega a cultura contemporânea é a auto referência que rege as redes sociais. O livro de Thomas Thorspecken, Urban Sketching – guia completo de desenho urbano, publicado pela Editora Gustavo Gili, não foge à regra. O texto pouco generaliza a própria experiência para torná-la de fato didática.

Cobre todos os tópicos relativos ao desenho e à aquarela de quem desenha na rua, mas constantemente mostra as próprias opções em vez de focar na amplitude dos temas. Assim, quando fala da mistura de cores, relata quais as tintas o próprio autor utiliza, com pouca reflexão a respeito dos motivos de suas escolhas. Quando se refere aos materiais, comenta apenas os seus. Quando propõe um motivo para desenhar pensa exclusivamente naquilo que o leva a desenhar.

Peço a meus leitores que não interrompam a leitura depois de ler os parágrafos acima. Ficarão com uma impressão parcial e errônea. Quando se avalia um livro é preciso discernir não só o objetivo do livro, mas aquilo que se espera dele. E calibrar as expectativas. Afinal, um livro sobre desenho deve ser forçosamente didático ou teórico? Este, certamente não o é.  A saída autorreferente é sempre inválida? Nem sempre.

O livro de Thorspecken não deixa de ser estimulante. Se não prima pelo didatismo, é bastante completo em sua intenção de arrolar todas as condicionantes e dificuldades de desenhar in loco. Talvez aí encontremos outra característica de nossa era. A mania de criar compêndios exaustivos.

Quem não se lembra de livros como mil cadeiras, atlas de arquitetura, os 100 melhores contos etc. São livros que pretendem abarcar tantas informações que, dificilmente, conseguimos terminar de ler. 

Já nosso autor dedica duas páginas para cada aspecto da tarefa de desenhar in loco misturando desde dicas sobre materiais, desenho da figura humana até como e onde desenhar. Se busca ser completo inventariando tantos itens, é superficial ao discorrer sobre eles, afinal duas páginas não são suficientes para dar conta da teoria da perspectiva, por exemplo.

A estrutura do livro se mantém constante do começo ao fim. Cada par de páginas reúne um texto geral sobre o tema e diferentes desenhos com comentários analíticos de Thorspecken. Os desenhos são ora do próprio Thorspecken, ora de diferentes urban sketchers, 46 ao todo. De quebra, acrescenta 2 ou 3 depoimentos de colegas, explicando seu processo de criação. Os temas são extremamente abrangentes enquanto os comentários se mostram bastante específicos.

Dado o volume de informações, o livro precisa ser absorvido lentamente. É possível, e talvez desejável, dispensar o texto geral e aprender a partir dos desenhos em si e dos comentários. A publicação, portanto, não é para um iniciante, mas para alguém mais versado em desenhar no local, capaz de ler em maior profundidade os desenhos e colocar um fio condutor em tantas informações dispersas pelas páginas.

Também não é bem para aqueles interessados em uma visão mais artística, de uma observação mais profunda. A maior parte dos desenhos, com algumas exceções, tem um viés de cartum, distante de uma sensibilidade maior para a luz e sombra ou uma técnica mais sutil ou uma atenção maior pela especificidade do momento e do lugar.

Enfim, se você se interessa pelo desenho da cidade e das pessoas in loco esse é um livro inspirador. Nele você encontrará desenhistas de todo o mundo, com toda a variedade possível de meios, materiais e soluções.

Como comentei, os urban skecthers são, em sua maioria, arquitetos ou ilustradores e suas diferentes visões estão representadas no livro. Thorspecker é um ilustrador e insiste muito na necessidade de animar os desenhos com a presença das pessoas. Seus temas incluem festivais, concertos, apresentações de teatro ou mesmo a rua cheia de pessoas e suas atividades.

Já os arquitetos não conseguem negar seu interesse pelos espaços e a perspectiva comparece com toda sua potencialidade, seja linear, não linear ou curvilínea. Nestas páginas você encontrará aqueles que dominam o desenho e colocam ênfase nos traços; os que têm uma visão mais pictórica e os que trabalham as texturas com grande precisão.

As técnicas também estão todas representadas, seja a caneta bic, a caneta de nanquim, a pena, a aquarela, as canetas marcadoras ou os desenhos feitos com apps em tablet. Em síntese, o suficiente para expandir e diversificar as habilidades e aptidões de qualquer desenhista urbano.

 

Leda Brandão é arquiteta, titular do escritório Oficina de Arquitetura.  Possui doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Tem experiência no projeto de arquitetura e urbanismo, com ênfase em arquitetura do edifício. É urban sketcher sempre que possível com um interesse especial pelo desenho de observação e a aquarela.

 


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