Ano: V Número: 52
ISSN: 1983-005X
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Vhutemas no Brasil

Mencione a Bauhaus numa sala de primeiro ano de arquitetura e design e muitos estudantes já terão noções de sua importância. Fale, em seguida, de Vhutemas, a escola que antecedeu a Bauhaus na missão de unir arte e vida, projetando edifícios e utilitários para a vida comum da União Soviética e não se admire se ninguém tiver a mais leve ideia sobre ela. 

O trabalho do arquiteto Luiz Antonio Pitanga do Amparo tem ajudado a quebrar esse muro de ignorância. Ele é dos poucos brasileiros a ter estudado a contribuição destas vanguardas soviéticas para a arte, a arquitetura e o design. Seu envolvimento com o tema levou-o por várias vezes à Rússia pós queda do muro de Berlim para fotografar parte das obras construtivistas compiladas por Catherine Cooke e resultou na tese de doutorado "O Grande Boicote Ocidental - A vanguarda russa e seus protagonistas nas Artes e na Arquitetura", defendido na Faculdade de Arquitetura  e Urbanismo da Universidade de São Paulo em 2004.

O interesse de Pitanga do Amparo pelo tema começou em 1974, quando visitou o Museu Stedelijk de Amsterdã. Naquele momento o arquiteto se viu diante dos planitas (trabalhos que transitam entre a bi e a tridimensionalidade) de Malevich, obra fundadora do suprematismo e um dos pilares da arte moderna do século XX.

“A partir deste momento“, relata Pitanga, sua “vida e obra jamais seriam as mesmas, pois fora 'tocado' pela gegenstandlose welt (o mundo da não objetividade), privilégio concedido, até recentemente, a uns poucos 'escolhidos', já que estas obras raramente têm sido expostas ao público desde a sua aquisição pelo renomado museu”.

A descoberta do construtivismo foi quase decorrência deste envolvimento crescente com aquele período da história das artes e arquitetura mundiais. No trabalho de doutorado, orientado pela professora Élide Monzeglio, Pitanga trabalhou com o escasso material publicado no Ocidente em inglês, italiano e francês. “Está tudo compilado e em parte traduzido na minha tese”, observa.

Depois disso, ele publicou dois livros que, durante décadas, foram as únicas fontes mundiais de informação sobre a escola Vhutemas, a obra de Camilla Gray e o livro de Vittorio de Feo.

Em 2006, Jean Pierre Cousin publicou na revista francesa Architecture d’Aujourd’hui matéria sobre a publicação desses livros em português (leia na seção Leituras a íntegra do artigo), discutindo as dificuldades de informação desse grupo de artistas do período revolucionário pós-1917, postos no ostracismo tanto pelo estalinismo como pelas instituições de ensino europeias e norte-americanas.

Abaixo a entrevista da Agitprop com o arquiteto Pitanga do Amparo.

 

As vanguardas russas foram postas de lado pela  história oficial da arte, da arquitetura e do design? É essa a conclusão de seu doutorado?

O título original da minha tese seria  numa alusão ao título da obra de Camilla Gray The Great Experiment - Russian Art 1863-1922 que, por sinal, na sua reedição, além de ter sido reduzida no seu tamanho e conteúdo, teve o título igualmente reduzido em sua amplitude para The Russian Experiment in Art 1863-1922. Foi feita a capa da tese com esse título em anexo.

 

Quais seriam os motivos desse boicote? Os mesmos que levaram o Museu de arte Moderna de Nova York (MoMA) a calar sobre o comunista Hannes Mayer na Bauhaus?

Razões político-ideológicas,  pois o reconhecimento dessa produção, gigantesca em quantidade e qualidade, atrairia o interesse de milhões de jovens e intelectuais no mundo todo pelas conquistas da União Soviética. O Ocidente boicotou e o estalinismo literalmente proibiu de 1932 até a morte de Stalin em 1953. Só a partir de Krushev voltou uma certa abertura às novas linguagens. Mas o estrago no DNA dos artistas soviéticos já estava feito. A ciência continuou a se desenvolver espetacularmente, mas sem a fonte primária das artes ficou restrita a certas áreas enquanto outras foram negligenciadas.  

 

As vanguardas russas têm algo a nos ensinar hoje?

Inúmeros artistas e arquitetos fundamentais, em algum momento de suas trajetórias, confessaram a forte influência dessas obras em sua formação. Basta citar a Architecture Association e seus muitos alunos do mundo todo, que produziu, por exemplo, nos anos de 1970 o Archigram, e que se tornariam os protagonistas de novas tendências.

 

Depois de seu doutorado e da publicação dos livros de Vittorio de Feo e da Camilla Gray por sua editora você chegou a perceber uma ampliação pelo interesse em Vhutemas?

Sem dúvida. Várias outras obras foram reeditadas, além de alguns oportunismos irrelevantes que não vou nomear, mas, que de alguma forma, despertaram o interesse de um número considerável de jovens e estudantes de artes e arquitetura. Em algumas faculdades o tema da vanguarda russa passou a fazer parte do currículo de história da arte. Várias faculdades de arte e arquitetura têm adquirido essas obras para suas bibliotecas, inclusive os livros que eu editei. Porém o Vhutemas ainda é pouco conhecido se tomarmos como referência a Bauhaus de que todo jovem estudante de arte ou arquitetura já ouviu falar.

 


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