Ano: V Número: 49
ISSN: 1983-005X
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Bacharelismo em questão
Itiro Iida e Gui Bonsiepe

Novos critérios para avaliar ciências aplicadas

Itiro Iida
    

A revista Scientific American Brasil, nº 126, nov. 2012, apresentou um ranking dos 25 países considerados mais produtivos em C&T (ciência e tecnologia) no mundo. O Brasil ocupa o honroso 7º lugar na formação de doutores em ciências e engenharias, mas apenas o penúltimo lugar nas publicações de trabalhos científicos em periódicos de ponta. No registro de patentes, adotando-se EUA como referência de 100 pontos, o Brasil consegue apenas 1,2 pontos, atrás de pequenos países como a Coreia do Sul (6,7), Suíça (4,9), Israel (2,6), Taiwan (3,1) e Cingapura (2,6). Portanto temos uma capacidade muito reduzida em inovações. Para melhorar essa situação, será necessário introduzir mudanças na área acadêmica e no sistema de fomento à C&T do país.

Recente resolução do Conacyt – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – da Argentina, estabeleceu novos critérios para avaliar trabalhos nas áreas de ciências aplicadas, diferenciando-se daqueles aplicados nas ciências básicas. Enquanto estas últimas exigem publicações de artigos (papers) em periódicos científicos, os novos critérios procuram valorizar a aplicação dos conhecimentos no desenvolvimento de projetos, mesmo que não resultem em publicações científicas.

Essa resolução argentina foi subscrita por diversos órgãos, além do próprio Conacyt: Conselhos dos Reitores das Universidades Públicas (CIN) e Privadas (CRUP), Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (Coneau), Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTI), Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuaria (INTA), Comisión Nacional de Energia Atómica (CNEA), Comisión Nacional de Actividades Espaciales (Conae), Instituto Nacional del Agua (INA) e outros órgãos que atuam no sistema científico-tecnológico daquele país.
Os novos critérios serão aplicados também para selecionar resultados de projetos que tenham potencialidades de aproveitamento econômico ou social. Esses projetos, assim selecionados, serão incluídos no Banco Nacional de Projetos de Desenvolvimento Econômico e Social, organizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia da Argentina. Os pesquisadores que tiverem projetos selecionados e suas respectivas instituições receberão o devido crédito de reconhecimento.

No Brasil, as agências federais de fomento à ciência e tecnologia, assim como as fundações estaduais de apoio à pesquisa, ainda exigem publicações científicas como comprovações de trabalhos nas áreas aplicadas.  Desse modo, usam-se critérios advindos das ciências básicas para avaliar esses trabalhos aplicados. Isso se estende a todas as áreas aplicadas, como a Engenharia, Arquitetura, Medicina, Odontologia, Literatura, Música, Artes Cênicas e outras. Todos eles são avaliados pelos critérios oriundos das áreas de ciências básicas, como a Matemática,  Física, Biologia e outras, que buscam o avanço do conhecimento e não necessariamente as suas aplicações práticas para resolver problemas.

Essas agências atuam praticamente sem prioridades setoriais definidas. Os apoios concedidos são pulverizados em milhares de processos e muitos trabalhos se limitam a fazer apenas análises e diagnósticos, sem desenvolver soluções efetivas para os problemas sociais e do setor produtivo. Seria necessário definir prioridades para as ações de fomento, saindo da “planura” horizontal e avançando no sentido vertical, com a construção de plantas-piloto, especificações de materiais e processos, estudos dos parâmetros econômicos e de viabilidades técnica e econômica. A quantidade de projetos deveria ser drasticamente reduzida. O apoio deveria ser concentrado em grupos de pesquisa que atuam em setores de ponta e aqueles considerados relevantes para o desenvolvimento social e econômico do país, numa visão de futuro de pelos menos 10 a 20 anos.

Infelizmente, esse equívoco estende-se ao ensino universitário, no qual os professores são avaliados pelos títulos acadêmicos e artigos publicados.  Isso tem levado à criação de um mundo fictício em áreas aplicadas como as Engenharias. Professores sem experiência profissional ensinam, baseando-se apenas nos livros (quase sempre traduções de livros estrangeiros) e “inventam” problemas fictícios para os alunos resolverem. Contudo, os problemas do mundo real podem ser muito diferentes, para os quais, nem os professores e nem os alunos desenvolvem habilidades suficientes para resolvê-los. Para evitar isso, alguns países exigem, como condição prévia para a atividade docente, pelo menos cinco anos de experiência profissional na área em que pretendem lecionar.

Segundo esses critérios científicos, poderíamos imaginar o que aconteceria se uma pessoa como Oscar Niemeyer concorresse  à docência em alguma universidade pública, competindo com um jovem acadêmico, que nunca realizou projetos, mas tenha título de doutor, frequentou vários congressos científicos e publicou pelo menos 30 artigos teóricos analisando o trabalho do próprio Niemeyer.  Não é difícil supor que Niemeyer não conseguiria vencê-lo, apesar de ser universalmente reconhecido e venerado pelos seus projetos.

Desse modo, os critérios de avaliação nas áreas de artes e ciências aplicadas devem ser urgentemente revistos, como já fez a Conacyt, antes que produzam mais efeitos danosos e se tornem praticamente irreversíveis.

A ideia de  criar um Banco de Projetos também é relevante, principalmente se o mesmo for associado às atividades de Inovação, buscando-se possíveis interessados em promover o aproveitamento econômico e social dos resultados desses projetos, para que não fiquem simplesmente esquecidos em algum “arquivo morto”.

Contudo, isso não é suficiente. É preciso adicionar novas competências às equipes de pesquisa, para realizar desenvolvimentos tecnológicos mais integrados, complementados com estudos sobre produção e mercado.

Cabe às agências de fomento uma atuação mais focada em algumas prioridades e uma atitude menos passiva para promover o aproveitamento econômico e social dos resultados das pesquisas financiadas.

 

 

Itiro Iida é engenheiro de produção e professor aposentado da Universidade de Brasília. Coordenou o Programa de Desenho Industrial do MIC/STI (1975-77). Foi superintendente de Planejamento do CNPq (1980 e 1992-93).É autor dos livros: Aplicações da Engenharia de Produção (1972), Aspectos Ergonômicos do Ônibus Urbano (coord., 1975), Pequena e Média Empresa no Japão (1984), Ergonomia: Projeto e Produção (1990) e Planejamento Estratégico Situacional (1997).

 



Algumas sugestões para superar o bacharelismo

 

Gui Bonsiepe

Observo com crescente preocupação os fenômenos contraproducentes de uma orientação do ensino atual do design e da valorização de títulos de mestrado e de teses de doutorado para ocupar cargos docentes nos curso de design, e a tendência a uma crescente desprofissionalização no campo de design. Esse processo  podemos observar não somente no Brasil, mas também em outros países, inclusive na Alemanha que tinha, até pouco, um ensino de design industrial bem fundado e eficiente.

Quando enfatizei e defendi – e defendo ainda – a necessidade de realizar pesquisas já nos cursos de graduação em design, não me dava conta dos possíveis resultados negativos. Havia subestimado o peso das tradições acadêmicas. Certo, para avançar na consolidação do ensino do design nas universidades é preciso adaptar-se às tradições vigentes – porém só até certo grau e para quando se começa a desvirtuar o ensino do design mesmo. Pois me parece errado aplicar esquematicamente os mesmos critérios de valoração que surgiram em e para outras disciplinas nas quais têm indiscutida validade e justificação. Devemos levar em conta que a dimensão ‹Projeto› (ou os saberes ‹práticos›) sempre constitui um corpo estranho na universidade tradicional, cujo objetivo principal era transmissão e criação de conhecimentos accessíveis a códigos verbais. Saberes que não podem ser transmitidos por esse método necessariamente caem fora do quadro de referência válido para as carreiras dominantes que podemos chamar ‹verbalistas›.

Observando o atual predomínio de critérios não-projetuais para ocupar um cargo docente em cursos de design (projeto)  corre-se  o risco de um paulatino esvaziamento das competências projetuais dos graduados que, após terminar o estudo, procuram apreender em outros contextos, principalmente no exterior, o que não podem apreender no contexto local. Particularmente vulnerável é a situação dos cursos de teoria (e história) do design. Não deve causar surpresa se um aspirante sem conhecimentos do design ocupe um cargo de teoria se puder exibir um título de doutorado em qualquer campo, por exemplo engenharia florestal, estudos de historia da religião ou que for. No campo de história de design não é estranho que na bibliografia apresentada pelo ou pela aspirante não figure sequer uma vez a palavra ‹projeto›, e que frequentemente se enfoque a história do design como história da arte, sem tocar a temática da indústria e da tecnologia que faz parte intrínseca e constitutiva da história de design.

Para fazer frente a essas tendências  poderia ser tomada uma série de medidas, que provavelmente não encontrará aceitação unânime.

Primeiro: Deveria ser criado explicitamente um doutorado em design (projeto), como contrapeso dos doutorados não-projetuais nos cursos de design e com isso reduzir o perigo de uma atrofia da coluna vertebral dos cursos de design que é PROJETO.

Segundo: Deveria aceitar-se explicitamente uma revalorização das experiências profissionais extra-acadêmicas que hoje não são levadas em conta, quando se trata de ocupar um cargo como docente.

Terceiro: Deveriam ser revisadas as regras esquemáticas de uma suposta metodologia universal de um trabalho de tese – e abandonar o sonho de UMA metodologia científica universal. O peso do ritual imposto sobre a forma de elaborar e apresentar uma tese de mestrado e doutorado obstaculiza a criação de resultados inovadoras.

Quarto: Deveria avaliar-se a relevância das temáticas de pesquisa, o que não se pode conseguir com formulários esquemáticos do tipo de cadastro. Poder-se-ia analisar se os consideráveis recursos que se investem na produção de papers, e nada mais do que papers servem para algo além de fortalecer o academicismo.

Quinto: Com relação a uma política de fomento para o design artesanal deveria praticar-se certa cautela para não cair na armadilha do romantismo antiindustrial. Nada contra o sucesso do design artesanal no exterior, porém a boa recepção do design artesanal no exterior nos mercados saturados dos países industrializados deveria causar suspeita. Reforça a imagem estereotipada do Brasil como pais de praias, café, palmeiras e carnaval, sem levar em conta uma realidade altamente diferenciada.

Estou consciente que apenas pensar em eventuais mudanças do status quo nas universidades provoca urticária. É inevitável, pois coloca em questão todo um sistema fortemente arraigado de referência com um peso esmagador para o ensino do design.

 

 

Gui Bonsiepe é designer formado pela Escola de Ulm, onde também lecionou. Reconhecido como teórico, Bonsiepe tem larga experiência de projeto, tendo sido responsável por trabalhos de porte no Chile, na Argentina e no Brasil. É doutor honoris causa pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ, em 2001), pela Universidade Técnica Metropolitana de Santiago, no Chile, em 2005,  pela Universidade Autônoma do México, em 2011.

 


Comentários

Felipe Domingues
22/08/2013

Agradeço aos autores, que conheço pessoalmente, pelas reflexões. Espero que, com o tempo, algumas das suas colocações deixem o âmbito do ensaio e lancem luz e incentivo à mudança. Outros autores, como Cláudio M. Castro, têm gerado reflexões no mesmo sentido, o que é um bom sinal. Agora, não podemos nos esquecer que o meio acadêmico é formado por pessoas que, por sua vez, têm interesses mais pessoais que coletivos. Dessa forma, pergunto: como alterar a ótica ou a lógica de pensamento de tais indivíduos? Tal questionamento me leva a pensar que, como qualquer mudança neste nível, é um processo longo e que demanda empenho e, acima de tudo, comprometimento social.

Edvan Araujo
03/03/2013

Ainda bem que existem estas mentes brilhantes com Gui que pensam no design em sua forma prática para existir, sem as distorções que foram impostas ao longo de anos, parabens pelo texto.

Gustavo Ferreira
23/02/2013

   Meu muito obrigado aos autores por se posicionarem com clareza e firmeza contra o atual academicismo no ensino e pesquisa de design no Brasil.

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