O bonde e o zepelim
Renato Modernell
Mais de 40 cidades americanas redescobrem as vantagens de um sistema de bondes nas ruas centrais. Na Alemanha, a empresa Zeppelin, que entre 1908 e 1937 produziu 119 dirigíveis na região de Friedrichshafen, pretende retomar a produção em larga escala.
O século XXI parece ensaiar um revival de tecnologias de transporte taxadas de obsoletas. No caso do zepelim, banido após a tragédia com o Hindenburg, em 1937, os novos não se destinariam mais a linhas regulares de passageiros, mas ao turismo, publicidade, transmissão de eventos, monitoramento ambiental e de redes elétricas, observação de multidões, prevenção de atos terroristas, pesquisas científicas e até como ocasionais substitutos dos helicópteros.
É curioso ver que o mesmo bife do almoço pode nos ser servido, à milanesa, na hora do jantar. Agora são os jovens que andam com mania de discos de vinil. Mas, quando se trata de tecnologia, e não de modismos, o revival custa caro. Custaria menos se não fosse descartado de modo sumário.
Sociedades sensatas arranjam maneiras de fazer o novo conviver com o velho. A premissa inicial é de integração, e não de substituição. Claro, isso é querer demais num país como o nosso, que se modernizou pelo consumo, e não pela produção. Restou-nos essa pressa em virar a página. Uma ânsia.
Quando os bondes de Rio Grande sumiram, nos anos 60, a cidade respirou aliviada. O prefeito não sossegou enquanto não arrancou os trilhos de todas as ruas, como se aquilo fosse uma vergonha municipal. Até a simples lembrança dos bondes devia ser erradicada.
Como são as coisas. Nos anos 30, em uma cidade do interior paulista, se não me engano, o prefeito mandara pintar riscos paralelos nas ruas para dar a ilusão de trilhos a quem os observasse do alto. A localidade estava na rota do zepelim. O que é que os illustres passageiros aéreos iriam pensar de um lugar que nem bondes tinha?
Em São Paulo, agora se discute como fazer para restringir a circulação de carros no centro, sem causar convulsão social. Está na hora de alguém pensar em criar algumas pequenas linhas circulares de bondes. Antes que o zepelim passe. Lá de cima, eles vão ver que nem mesmo pintamos os riscos no asfalto.
Renato Modernell é jornalista, escritor e professor da Universidade Mackenzie. Mestre em Ciências da Comunicação pela USP. É autor de Viagem ao pavio da vela, Sonata da última cidade e Che bandoneón, entre outros livros. Recebeu prêmios no Brasil (Jabuti, Nestlé de literatura, Instituto Goethe, Guimarães Rosa, entre outros) e no exterior (Premio Letterario Internazionale Marengo D'Oro, Centro Culturale Maestrale, Itália, e Prêmio Aquilino Ribeiro, Academia das Ciências de Lisboa. Como jornalista, dedicou-se sobretudo a reportagens de viagens e temas culturais, atuando em publicações como Bravo!, Próxima Viagem, Terra, Época, Globo Ciência, Quatro Rodas e Jornal da Tarde. Recebeu 8 prêmios de jornalismo.
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