Ano: I Número: 10
ISSN: 1983-005X
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Vida no e do design

Ethel Leon

Júlio Roberto Katinsky não se cansa de repetir: o desprezo pelo trabalho é uma característica colonial. Pois, finalmente, o mundo do design brasileiro ensaia a saída desse território, com a publicação de vários livros. O Roteiro de uma vida no design, de Hugo Kovadldoff, Editora Rosari, é o mais recente deles.

O livro traça a trajetória do autor, da formação a suas atividades do presente. A interpenetração de trabalho e vida é uma das fortes características da narrativa. Kovadloff conta sua própria história entremeada de projetos, todos tratados com o mesmo respeito e valor. Não se trata de um coffe-table book carregado de imagens auto-referentes, mas uma espécie de diário de trabalho, narrado a posteriori, como se fosse o resultado de uma entrevista consigo próprio.

Esse formato chama a atenção, pois diz de alguém que tem paixão pelo próprio trabalho, o que, no mundo contemporâneo, parece raridade. A idéia corrente é de que a satisfação esteja na proporção direta do consumo e não do trabalho, mesmo do criativo. O trabalho é pensado como meio para e não um fim em si mesmo, do ponto de vista de quem o realiza. Pois Hugo Kovadloff faz transparecer um prazer enorme na sua atividade de projeto, as amizades que formou a partir daí, a pesquisa no qual se ampara, as referências, os desafios de novos clientes.

A imagem da capa foi retirada do primeiro projeto do designer, feito para a Cooperativa Agrícola de Cotia no fim dos anos 1960. Curiosamente, trata-se de estilização de maçã, o que remete a período pós-anos 1980 de Kovadfloff, em que o rigor geométrico convive com marcas e outras mensagens gráficas de caráter mais narrativo. Também, se lembrarmos o mito bíblico, a maçã remonta a sedução, faceta das mais presentes do design contemporâneo.

Kovadloff faz uma publicação inacabada, pois, como explica, o livro é de sua tarefa, ainda inconclusa. Sinto-me, portanto, convidada a dar sugestões para a nova obra que virá. Em vez de apresentar apenas os trabalhos finais, amigo Hugo, brinde-nos com alguns projetos completos, da encomenda à entrega. Não me esqueço de quando assisti à apresentação da identidade das Bicicletas Monark, há muitos e muitos anos. Uma aula do percurso de referências, criação aberta e síntese. Vi poucas tão elucidativas como aquela. Assim, a valorização do trabalho não se concentrará apenas no resultado, problema do cliente, mas sim no processo, domínio do designer.

E um recado para a editora Rosari, que tanto tem contribuído para formar uma bibliografia de design. Vale a pena ter mais cuidado com a revisão. A primeira frase de Ronald Shakespear, autor do prólogo, contém um terrível erro de português. E, logo depois, quatro páginas adiante, no texto assinado por Cláudio Ferlauto, subtraem-se as informações das editoras dos livros de Rafic Farah e Alexandre Wollner, ambos lançados pela Cosac Naify e apresentados no texto como ‘edição do autor’!

 


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