Ano: I Número: 11
ISSN: 1983-005X
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O romance Seda, no curso de História do Design

Ethel Leon

Experiência difícil a de lecionar história, em particular história do design.

Campo ainda de pequena produção, encontra limites bibliográficos (especialmente em português), uma tradição ancorada na história da arte e da arquitetura, que não se pode simplesmente jogar fora, pois ainda é operativa em certos casos; deve cumprir com ditames da interdisciplinaridade, mas não tem dialogado muito, quer com a história das tecnologias, em parco diálogo com a antropologia...

Além disso, convenhamos, em país periférico, a memória não é lá muito cultuada. Os chamados lugares (físicos) de memória se desmancham diante da voracidade imobiliária e mediática. O ontem parece cem anos atrás, 1850 parece a pré-história.

Lanço aqui uma pergunta a colegas. A literatura e o cinema não serão capazes de nos ajudar? Fiz uma experiência e não construí mecanismos para medir seus resultados... Depois de ler as respostas de uma prova bimestral de História do Design I, na Facamp, onde leciono, fiquei aflita de ver que as "caixinhas" não se comunicavam. Os alunos não relacionavam mudanças de sensibilidade com as mudanças urbanas. Ou não conseguiam conectar o pensamento que originou o Arts and Crafts com as contradições sociais do período; ou a importância do relógio e de novos conceitos de tempo e o transporte ferroviário. Ou melhor, tudo isso com tudo isso.

Os alunos haviam estudado Adrian Forty, John Heskett, Rafael Cardoso; havíamos discutido dois textos de Gilberto Paim sobre ornamento (um relativo a John Ruskin e outro a Henry van de Velde). Eu passara slides, tentara relacionar domínios aparentemente distantes como a emergência dos movimentos pelo voto feminino e o papel das mulheres no Art Nouveau e por aí afora. Nas provas, uma noção compartimentada.

Decidi que na aula de entrega de provas e comentários leríamos um conto ou uma novela. Pensei em algumas alternativas e acabei optando pelo livro Seda, de Alessandro Baricco, que lera há pouco tempo, por indicação de minha amiga Cynthia Rosa. 

O livro é uma novela, escrita em 1996, e nem de longe pretende ser romance histórico. Dividido em 65 capítulos curtos, compostos de parágrafos igualmente curtos e de frases raramente extensas. Uma prosa descritiva em tom de fábula narra a vida de Hervé Joncour, encarregado pela cidade de Lavilledieu, produtora de seda, de viajar anualmente ao Japão para buscar os ovos do bicho da seda. Nas viagens Joncour se apaixona por misteriosa personagem, linda jovem japonesa tão cativante e impossível, que o protagonista nem consegue vê-la como oriental. A trama segue, complicando-se, os personagens ganham profundidade, desvelam-se...

E a trama trata da abertura do Japão para o Ocidente (que, lembremos, nos legou a ópera Madame Butterfly), e que foi determinante para a arte e as artes decorativas européias; a expansão da rede ferroviária na Europa, a produção de tecidos, no caso a seda, que faz viver uma inteira cidade francesa; uma mudança profunda no lugar social das mulheres; o novo papel da ciência, fundamental na economia, entre outras questões. 

Fácil de ler, envolvendo a história de uma paixão proibida, o livro prende o interesse de alunos, pouco afeitos à leitura de ficção. Suspeito que com ele e com outros exemplares de boa literatura, é possível aproximar-se de uma visão de conjunto do significado das transformações históricas, sem a estreiteza da "especialização", sem o viés positivista das narrativas lineares e seqüenciais.

Como disse, não criei qualquer método de aferição de resultados. De toda forma, avalio positivamente a leitura, que durou um inteiro período de aulas, no qual nos sentamos em roda e todos leram, em voz alta, sem pensar em resultados ou avaliações. Se ajudou a descortinar um período histórico e algumas de suas imbricações, não sei. De todo modo, valeu como leitura de um belo exemplar da literatura contemporânea.

 


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