O humorista e ilustrador Nildão, que publica na Agitprop a coluna Mundo Fake, depois de ter brindados os leitores com 15 logotrips, acaba de lançar mais um delicioso livro. Chama-se Na ponta do lapso e, a partir daí, os leitores já imaginam o que os aguarda!
Inúmeras justaposições de palavras; palavras e objetos, ideias prontas e marcas empresariais são apresentadas em fotos concisas, pouquíssimo texto e as associações mais fervilhantes dos significados da língua e de imagens comuns, dessas que nem vemos mais, tal sua banalização em nosso cotidiano.
Pois Nildão nos faz ver e aquilo que parecia já visto, nos reapresenta facetas do mundo, de tal forma ressignificadas, que é como se as víssemos pela primeira vez. As metáforas são reapresentadas com seus significados literais e estranhas metonímias são descobertas em exemplos notáveis.
Raras são as páginas que compreendemos de chofre, como essas de humor fácil. As associações de Nildão nos inquirem sobre a vida cotidiana, os artifícios tornados natureza; e também sobre a dita natureza entendida a partir de camadas de significação que sua vulgarização pelas imagens tornou possível.
O livro é dividido em seis partes. A primeira delas se chama quem avisa aviso é, e liga produtos de conhecidas marcas empresariais a objetos. Por exemplo, a imagem da bocarra de um tubarão é vinculada à mordida da maçã, a marca da Apple, como se tivesse sido dentada pelo peixe.
Em seguida vem abaixo a explicação, imagens justapostas sem palavras que, juntas, fazem inusitado sentido. Por exemplo, a célebre cena do afresco de Michelangelo na Capela Sistina, em que Deus cria Adão e os dois se estendem as mãos e quase se tocam no dedos, é associada a um ...cortador de unhas. Ou a arquitetura de Frank Gehry, de titânio, que ...pede um abridor de latas.
O capítulo seguinte, se é que se pode chamar de capítulos estas partições do livro de pequenas dimensões, tem o título de assim é, se lhe apetece e a crítica mais mordaz desta seção talvez seja a dos sapatos femininos, de saltos altíssimos e bicos finos cujo par contrastante é um bandaid.
A seção seguinte é a drops pops, objetos retrabalhados assumindo duplos significados, caso da malancia, uma melancia com alça, pois, como a famosa mala sem alça, a melancia é das frutas mais difíceis de carregar...As últimas seções são a tic-traques e a se oriente, ocidente em que se traduzem ideogramas para a linguagem visual, algumas vezes utilizando os chavões da língua – o perdão é apresentado com uma mão feminina que passa uma borracha...
Na leitura de Nildão, o mundo dos objetos toma emprestadas soluções da natureza – caso das borboletas e da ferragem, ou da abertura superior de um carro, associado a asas de pássaros; o fusca aos besouros (já que ele se chama beetle) ou os capacetes de motos a um caramujo; os itens mais prosaicos que nos cercam parecem dotados de poderes mágicos- veja-se a imagem do fermento em pó associado a uma planta trepadeira que quase toma a janela de uma construção.
As imagens longínquas e próximas, o jogo do olhar também faz parte da série, como a estrada sinuosa, pintada de faixas brancas, que, vista de certa distância, parece ter recebido um alinhavo de costura; a forma de um batom, que, posto ao lado de balas de armas de fogo, soa a mais ameaçadora delas. Plantas que conversam; árvore e livro irmanados na polissemia da palavra folha.
As páginas também apresentam, como o título avisa, os lapsos, aquelas brechas pelas quais fala o inconsciente de maneira desabusada. Uma das estratégias de Nildão é deixar a nu as mensagens publicitárias, explicitando seus eufemismos, como no caso da imagem de Activia com penicos.
Estratégias empresariais desnudadas, relações de gênero, relações homem/natureza, e mesmo a celebração ingênua da natureza, nada escapa ao olhar crítico, por vezes mordaz, por vezes até terno do humorista.
“Na ponta do lapso” e os demais livros de Nildão podem ser encontrados na Pérola Negra (Canela), Mídialouca (Rio Vermelho) na Urbanorama (Rio Vermelho) e no restaurante Ramma da Barra. Contatos: newdao@ig.com.br Tel. (71) 3240 5231