Ano: IV Número: 39
ISSN: 1983-005X
Detalhar Busca

A Bandeira Brasileira passada a limpo
Sara Goldchmit

Livro: Nossa Bandeira: Formação, Usos, Funcionalidade Autor(a): Joaquim Redig Editora: Fraiha

Postado: 28/03/2011

   

O livro Nossa Bandeira: Formação, Usos, Funcionalidade, publicado em 2009 pela editora Fraiha, é o resultado de um extenso levantamento realizado pelo designer e professor carioca Joaquim Redig. O projeto teve início em 1985, quando Redig foi convidado pela Casa das Retortas (Prefeitura de São Paulo) a participar da exposição "Entradas e Bandeiras", que propunha a vários designers uma revisão da bandeira nacional e, também, novas propostas para seu desenho. A exposição acabou não acontecendo, mas a motivação para pesquisar sobre o símbolo mais conhecido do país acompanhou o autor pelas décadas seguintes.

De fato, o interesse de Joaquim Redig pelo design oficial brasileiro é muito anterior à 1985. Redig trabalhou com Aloisio Magalhães nos anos 1960 e 1970, com quem desenvolveu algumas das mais importantes marcas nacionais – como a da Petrobras – e compartilhou reflexões sobre os efeitos do design nos contextos mais abrangentes e relevantes da cultura brasileira.

O livro Nossa Bandeira divide-se em três partes. A primeira, histórica, trata das origens e evolução da bandeira brasileira. Nela merece destaque uma linha do tempo contendo as múltiplas versões das bandeiras portuguesas; o uso das bandeiras portuguesas no Brasil Colônia; a bandeira brasileira utilizada no Brasil Império (com desenho de Jean-Baptiste Debret, idealizador do losango amarelo sobre retângulo verde) e, finalmente, a forma que permanece desde a proclamação da República até hoje. É notável o empenho do autor em esclarecer com detalhes os fatos históricos que culminaram no desenho atual da símbolo.

Redig afirma que a bandeira brasileira é uma das mais reintrepretadas em todo o mundo. No entanto, sua consolidação como símbolo nacional deu-se apenas nas décadas de 1930/40, no governo do então presidente Getúlio Vargas. Naquela época, a bandeira era usada na sua forma integral em eventos oficiais. Foi somente depois da abertura política, nos anos 1980, que a bandeira passou a ter seus elementos desmembrados e combinados de múltiplas maneiras, formando um “sistema” de identidade visual.

A segunda parte do livro, amplamente ilustrada com fotografias, apresenta os contextos, as formas e os sentidos de uso da bandeira brasileira após 1985. Nos contextos de uso (pragmática), há imagens da bandeira em usos cívicos, políticos, esportivos, marcas públicas e privadas, manifestações populares, moda, publicidade etc. Nessas páginas, Redig consegue traduzir um sentimento que paira no ar: independentemente de opiniões a respeito de sua beleza ou feiúra, os elementos da bandeira brasileira são marcantes, únicos e eficazes. São distintos da visualidade empregada por outros países e, ao mesmo tempo, possuem alta pregnância junto à população. São um patrimônio da cultura visual do país. A contrapartida: onipresença gera desgaste. Não é à toa que, durante muitos anos, o uso das cores da bandeira nacional em vestuário ou objetos era considerado de mau gosto.[1]

No capítulo sobre as formas de uso (sintática), aparecem exemplos das variações no emprego da bandeira (enquadramentos, separação dos elementos etc). No capítulo sobre os sentidos de uso (semântica), o autor apresenta casos de reinterpretações da forma da bandeira – como na marca do programa Fome Zero, em que o retângulo representa a mesa, o losango representa a toalha e o círculo, o prato –, além de outros exemplos onde o texto do dístico simplesmente é alterado. Ao terminar de ler a Parte II, o leitor já estará bastante bem informado sobre o passado e o presente da bandeira brasileira.

A Parte III do livro aborda a funcionalidade da bandeira como signo visual: suas qualidades, problemas e propostas de solução. Esta parte deverá despertar grande interesse para os leitores, especialmente para os designers. Redig disseca a visualidade da bandeira com racionalidade, método e precisão. É uma verdadeira aula de linguagem visual. O autor não se restringe à análise da bandeira como signo de comunicação visual, mas a entende também como objeto de fabricação industrial, abarcando todo o espectro de funções que o design deve atender.

Nas propostas de solução dos problema encontrados pelo autor, Redig literalmente passa a limpo a bandeira brasileira: faz ajustes finos nos tamanhos dos elementos afim de proporcionar maior legibilidade; corrige erros relativos à carta celeste (que deveria representar o céu do Rio de Janeiro no momento exato da Proclamação da República, mas cuja posição das estrelas não é precisa, por motivos que não caberia aprofundar neste texto); redesenha o diagrama de construção da bandeira, eliminando imprecisões que geram variações na produção, entre outros.

O conhecimento desta pesquisa inédita e exemplar realizada por Joaquim Redig sobre o mais importante símbolo do país é oportuno e necessário. Sobretudo porque o Brasil se prepara para sediar os dois maiores eventos esportivos internacionais nos próximos cinco anos, que serão valiosas oportunidades de exposição da bandeira e da identidade visual brasileira em sua história recente.



[1]O autor nos lembra que com a abertura econômica nos anos 1990, a bandeira brasileira passa a ser aplicada em produtos para exportação, elevando alguns deles à categoria de objetos do desejo. Talvez o caso mais emblemático desta resignificação da bandeira brasileira seja a sandália Havaiana com a bandeirinha na tira superior, lançada em 1998.

 


Comentários

Envie um comentário