Ano: IV Número: 41
ISSN: 1983-005X
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O legado de Hansaviertel
Maria da Silveira Lobo

Livro: Interbau Berlim 1957: Hansaviertel, a cidade do amanhã Autor(a): Mara Oliveira Eskinazi Editora: Ponteio

Postado: 12/08/2011

   

A Interbau 1957 foi a primeira Exposição Internacional de Arquitetura após a 2ª Grande Guerra. Inserida na Berlim Ocidental, visava a reconstrução do bairro Hansaviertel, bairro central oitocentista que foi quase totalmente destruído pelos bombardeios, exemplificando o que de melhor havia em habitação social moderna. Como salientou a orientadora da dissertação de mestrado de Mara Eskinazi, defendida no PROPAR/UFRGS, Cláudia Piantá Costa Cabral, a exposição Interbau Berlim 1957 teve como sua precursora o Weissenhofsiedlung, um experimento de construção de habitação social promovido pela Deutscher Werkbund, na cidade de Stuttgart, em 1927, sob a direção de Mies van der Rohe, que buscou reconciliar os princípios do bom desenho com as necessidades da idade da máquina.

A Interbau contrapôs-se à construção, então em curso, da Stalinallee – avenida monumental de arquitetura eclético-acadêmica, na Berlim Oriental. O projeto final priorizou a implantação dos edifícios em área verde e a adoção de tipologias distintas – residências unifamiliares, torres solitárias e em grupo de 16 e 17 andares, barras de 3 a 10 pavimentos - consolidando o ideal de representação para a variedade, a heterogeneidade e a riqueza da vida urbana.

A partir dos anos 1960, com a revisão do Movimento Moderno, o Hansaviertel passou a ser criticado pela sua falta de conexão com o tecido histórico do entorno. A originalidade da tese de Mara Eskinazi, contudo, reside em demonstrar como o Hansaviertel constituiu uma exceção em vários sentidos. É localizado no centro de Berlim, ao contrário dos grandes conjuntos habitacionais modernos dos anos 20 que foram construídos, em sua maioria, nas periferias com baixas densidades habitacionais. Combina residências com comércio, escola, teatro, biblioteca, estação de metrô e igrejas, negando claramente também o zoneamento monofuncional modernista. Hansaviertel não tem nada a ver, portanto, com a síndrome ‘Sarcellite’ que Jean-Luc Godard imortalizou em seu filme 2 ou 3 coisas que sei dela, de 1967.

O lema da Interbau 1957 foi “A Cidade do Amanhã” (die Stadt von Morgen) e dela participaram grandes expoentes da arquitetura e urbanismo modernos como Walter Gropius, Alvar Aalto, Oscar Niemeyer, Jaap Bakema, Van den Broek, Arne Jacobsen, Max Taut, entre muitos outros, num total de aproximadamente 50 arquitetos de 12 países. Foram construídas cerca de 1.236 unidades residenciais, além de mais 530 fora do bairro Hansaviertel, na Unidade de Habitação de Le Corbusier. Os arquitetos que tivessem servido à Juventude Hitlerista, às frentes de combate alemãs ou à comunidade nacional-socialista ‘Kraft durch Freude’ foram impossibilitados de participar. Por outro lado, foi um gesto de reconciliação por parte dos arquitetos convidados que aceitaram o convite para a reconstrução de um bairro de Berlim intensamente bombardeado.

Existem catálogos, artigos teóricos e críticos e livros sobre as conseqüências da Interbau 1957; no entanto, a grande maioria encontra-se em alemão e, portanto, é pouco acessível ao público brasileiro. O livro de Mara Eskinazi disponibiliza, em português, resumos desses escritos, analisa o projeto urbanístico e os projetos dos edifícios, com ênfase maior na arquitetura do que nos aspectos históricos. Destacam-se o edifício de Niemeyer e o projeto de “reconstrução crítica” do Hansaviertel, no período após a reunificação da Alemanha e a transformação de Berlim em capital, novamente.

A autora fez duas viagens de pesquisa à Berlim, tendo entrado em contato com historiadores, arquitetos, urbanistas e moradores durante os seis meses que passou na cidade, como bolsista do Instituto Goethe e do Deutscher Akademischer Austauschdienst. O livro ilustra fartamente a pesquisa com documentos, fotografias e plantas. 

Mara Eskinazi já apresentou seu trabalho em seminários e conferências, como no 8º Docomomo Brasil (agosto 2009, Rio de Janeiro) e no Instituto Goethe, em São Paulo.

A leitura deste livro é fundamental neste momento de grandes investimentos nas cidades brasileiras, seja em função do PAC, seja em função dos megaeventos (copa do mundo e olimpíadas) e dos projetos de revitalização de áreas centrais. É muito importante que o público brasileiro tenha acesso à tradição alemã e berlinense em realizar exposições de arquitetura, muitas das quais se tornam legados de grande valor social para seus cidadãos.

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Maria da Silveira Lobo é socióloga-urbanista emembro do Docomomo-Rio, nacional e internacional.

 


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