Ano: II Número: 16
ISSN: 1983-005X
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Sem estrelas

Renato Modernell

Nas quartas-feiras, dou aulas no décimo andar às 7h30 da manhã. Vejo pela janela o centro de São Paulo como uma massa acinzentada. Entre prédios sombrios, um facho de sol penetra por uma brecha estreita e faz resplandecer a bandeira nacional. Vejo-a drapejar à contraluz, a uns 100 metros de distância.

Minha relação com a bandeira brasileira sempre foi ambígua. Acho sua combinação de cores uma das mais belas do mundo. O desenho, um horror. Há algo de infantilizado ou banal na superposição de figuras geométricas. E o lema Ordem e progresso parece-me tão discutível quanto ineficaz, por ser escrito numa língua que, lá fora, quase ninguém entende.

Acho bregaça essa mania (mundial) de salpicar as bandeiras com estrelas. Melhor seria reservá-las para cotações de restaurantes. Os americanos têm na sua bandeira as estrelas todas arrumadinhas, como em prateleiras. Talvez no fundo preferissem ver o céu assim, e sob controle da Nasa.

Já a nossa bandeira, mais à vontade, expressa o jeitinho brasileiro. Mas foi idéia de um belga. Louis Cruls era diretor do Observatório Nacional e amigo do imperador. Quando proclamaram a república, para não ficar em maus lençóis, ele antecipou-se ao destino. Concebeu uma nova bandeira ao gosto da ideologia dominante, o positivismo, e apressou-se a apresentá-la aos novos donos do poder. A posição das estrelas no círculo azul correspondia ao céu do Rio de Janeiro às 8h30 da manhã de 15 de novembro de 1889.

Uma imagiem factível, ou naturalista, ao contrário da bandeira americana, que é burocrática.Detalhe: o astrônomo usou a imagem do céu invertida, para que a estrela isolada ficasse acima da faixa branca. Bem, então já não é o céu do Rio. É o céu de Cruls. Houve ali, além da questão política, digamos, uma intervenção estética.

Hoje, 120 anos depois, não estaria na hora de se fazer outra intervenção estética na bandeira? De minha parte, prefiro tudo mais simples, como na do Japão. Sem estrelas. Por isso proponho aquela, limpinha da silva xavier, que aparece aqui ao lado.

Vejam o que acham. Mas resolvam logo, antes que apareça um outro Cruls (petista, tucano ou coisa que o valha) com a idéia de colocar na nova bandeira as estrelas que aparecem no céu de São Paulo 7h30 da manhã. Não aparece nenhuma, garanto. Pelo menos às quartas-feiras.

Renato Modernell é jornalista, escritor e professor da Universidade Mackenzie. É autor de Viagem ao pavio da vela, Sonata da última cidade e Che bandoneón, entre outros livros. Recebeu prêmios no Brasil (Jabuti, Nestlé de literatura, Instituto Goethe, Guimarães Rosa, entre outros)  e no exterior (Premio Letterario Internazionale Marengo D\'Oro, Centro Culturale Maestrale, Itália, e Prêmio Aquilino Ribeiro, Academia das Ciências de Lisboa. Recebeu 8 prêmios de jornalismo.

Leia a resposta de Joaquim Redig a esse texto.

Blogue  http://renatomodernell.blogspot.com

Mais informações: www.renatomodernell.com.br

 


Comentários

Ethel Leon
06/05/2009

Sonia Fontanezi! que enorme alegria reencontrá-la na web! sim, seria fant´stico republicarmos aquele belíssimo materiaol que você nos enviou, vamos tratar disso! Para os leitores: Ssonia Fontanezi é uma brilhante pesquisadora de arte construtiva/design. Organizou exposições memoráveis no Centro Cultural São Paulo e em museus da USP. Está convidada publicamente a nos dar a honra de uma contribuição na Agitprop!

sonia fontanezi
05/05/2009

ainda tenho comigo todo o material de Entradas&Bandeiras - negativos, fotos, correspondência e o trabalho do Redig. Recentemente reli seu texto ...Se algum dia quiser rever o material... beijo soniafontanezi

Eduardo Baroni
04/05/2009

Mesmo como designer não vejo qualquer razão para se refazer a bandeira de um país a não ser que essa represente uma era nefasta, de ditadura ou de guerra. Nossa bandeira é um símbolo sólido, de fácil identificação e que sobreviveu a gerações de turbulencias políticas, mantendo-se atual e imponente. Quanto a outros países não poderem ler os dizeres de nossa bandeira isso é outra bobagem. Pois a bandeira é feita para seu povo entender e não para os estrangeiros. Ela carrega os simbolos e os ideais de seu povo e para ele deve comunicar suas palavras. Me desculpe mas acho a sua proposta de bandeira muito mais óbvia e em meio as outras bandeiras do mundo ela desapareceria por completo. O Brasil deve e quer aparecer em meio ao demais países e essa é uma das funções de uma marca: destacar-se das demais. "infantil" ou "brega" ? Para alguns pode ser. Mas o que há de tão especial em listras em diagonal?

Miguel
24/04/2009

Sem dúvida, uma idéia empolgante para os designers... e uma idéia inútil e desnecessária para os não-designers. Pronto, falei. Já pensaram que, talvez por esse apego a projetos dispensáveis (sim, isso mesmo) como redesenho da bandeira, logotipo do Pan e outros, essa tão falada regularização da profissão (e respeito à mesma) não saia nunca? O design é uma coisa tão importante pra humanidade, mas como pode ser tão cabeçudo o brasileiro, que ao invés de alardear idéias de melhoria de produto, usabilidade e reestruturação de um monte de tranqueiras ineficientes, ficam se prendendo e manchando a imagem da profissão com coisas que só são divertidas pra quem é da área. Ah, vai ficar bonitinho? E daí???? Eu defendo o bom senso na escolha das batalhas. É preferível ficar escondido da visão do público a ficar visível e com imagem de tolo. Designer inteligente e com consciência de coletivismo sabe escolher sua bandeira.

Ethel Leon
23/04/2009

Há muitos anos a pesquisadora Sonia Fontanezi organizou linda exposição de releituras da bandeira. A mostra foi censurada pela ditadura militar. Várias pessoas já estudaram nossa bandeira e propuseram ajustes ou mudanças profundas, entre elas, o designer e psquisador Joaquim Redig. Seria muito interessante publicar releituras da bandeira. Os leitores estão convidados a nos enviar propostas!

PAULO LISBOA
22/04/2009

caro,MODERNELL A idéia de uma nova imagem da bandeira nacional nunca havia me ocorrido, realmente é no mínimo uma bela idéia e muito tentadora em buscar um novo conceito para a bandeira brasileira,gostei muito da tua proposta acho que vou fazer uma também. um abraço, PAULO

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