Ano: II Número: 16
ISSN: 1983-005X
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Bandeira nacional polêmica

Joaquim Redig

Tendo estudado o assunto ao longo de vários anos, devo comentar e principalmente esclarecer alguns pontos do texto de Renato Modernell, “Sem estrelas”, sobre a nossa bandeira. Por parágrafos:


1°) Modernell diz que a bandeira resplandece.

Antes de tudo, se a bandeira “resplandece”, então é uma boa bandeira - isto é: uma bandeira que funciona, identifica, emociona. Um retângulo vazio, monocromático, não resplandeceria! O que resplandece são suas formas e cores.

Link para a matéria de Renato Modernell

Atenção: qualquer outra proposta que se faça para a bandeira deve ter esta qualidade – que não é fácil de ser obtida.

2°) Há valores positivos tanto na “infância”, quanto na “banalidade”, no sentido da vida cotidiana. Os designers trabalham para isso. Em lugar de ver a geometria negativamente, eu a vejo em sua universalidade, que é um grande valor, e não um “horror”. Afinal, nela está a base da própria bandeira japonesa, mundialmente tão apreciada, inclusive por Modernell. Não haveria algo de “infantil” na bandeira japonesa? Isso é ruim?

No nosso caso, os milhões de usos semântica e sintaticamente riquíssimos da bandeira, oficiais, comerciais, artísticos ou populares, em camisetas, cangas, capas de revistas, livros e CDs, bolsas, grafites nos muros, marcas, cartazes, bijuterias, caras pintadas, e até unhas pintadas, estão aí para comprovar esse valor, e transformar essa banalidade do cotidiano brasileiro num dos maiores patrimônios da cultura visual de nosso país. O acarajé também não é banal, na Bahia? E não foi tombado?

3°) As estrelas das outras bandeiras, e as das cotações dos restaurantes e hotéis, realmente se parecem, como observou Modernell, mas não com as da nossa bandeira, que não são isoladas, nem em fila, mas formam um outro desenho: as constelações. Enquanto as primeiras valorizam a forma da unidade estrelar, no nosso caso o que se valoriza é a forma do conjunto constelar. No fundo, a nossa bandeira, diferentemente de todas as outras, não mostra estrelas, propriamente, mostra um céu, o que inclui não só as estrelas, mas também as constelações, e até os planetas, representados na faixa do zodíaco. As nossas estrelas, portanto, cumprem funções, dentro de um contexto.

Ademais, por formarem conjuntos, elas são muito menores que nas outras bandeiras, e portanto muito menos presentes como forma geométrica. Assim, o que percebemos antes de tudo são pontinhos em grupos, como no céu de verdade. Na nossa bandeira, é muito mais difícil perceber a estrutura individual da estrela (que Modernell considera “bregaça”), tão forte nas bandeiras de países como por exemplo os EUA (que tem até mais estrelas do que a nossa, porém alinhadas, permitindo-lhes maior tamanho e melhor definição), Chile (só uma estrela, grande), Cuba (só uma, também grande), Iraque (só três, de tamanho médio), e tantos outros. A nossa tem hoje 27 estrelas, bem menores, e ainda com cinco gradações de tamanho!

4°) Ah, o positivismo, este é um dos grandes mitos nacionais a serem desfeitos, um dos grandes equívocos sobre a Bandeira a serem esclarecidos:

Todos os brasileiros pensam que nossa bandeira é positivista, mas de positivista ela só tem o lema, isto é, as palavras nela aplicadas. Bandeiras não são signos visuais? Pois a única coisa que simboliza o positivismo na nossa bandeira é seu signo verbal, elemento, aliás, totalmente inadequado a uma bandeira.

Além de discutível, como diz Modernell, e de não ser entendido em outras línguas (as mais próximas até entenderiam, no caso dessas duas palavras), o dístico quase não é visível, porque suas letras, em primeiro lugar, ocupam área mínima da bandeira (apenas 0,3%!), e em segundo lugar, só são vistas com clareza quando a ela é plana, ou impressa, situações não primordiais deste símbolo. Na sua função principal, as bandeiras são feitas de material flexível, geralmente tecido, suspenso no alto de um mastro. Nessas condições, caídas quando não há vento, ou drapejando quando há, é impossível ler qualquer coisa, até mesmo ver as letras, escondidas parcial ou totalmente nas múltiplas dobras do pano, parado ou em movimento. Com isso, o positivismo muitas vezes não está sequer presente em nossa comunicação com a bandeira, não podendo pois influenciar seu “gosto”. Se tirarmos o lema ninguém nota, e metade dos usos da bandeira é assim, sem texto, ou com o texto trocado!

Os positivistas tiveram, sim, um papel não só determinante como de imenso valor, eu diria precioso, na definição da nossa bandeira atual, ao rejeitar, a 19 de Novembro de 1889, o design stars & stripes estadunidense, porém verde-amarelo, adotado como Bandeira Nacional logo após a Proclamação da República, trocando-o pela continuidade gestáltica da bandeira do Império, gesto ainda mais significativo em se tratando do símbolo do regime que eles queriam derrubar.

Mas, por altruísta e sábio que tenha sido, este gesto não transforma a bandeira num símbolo positivista. A história foi outra. A bandeira brasileira é um signo construído e sedimentado ao longo de mais de cinco séculos. Muito muito anterior ao positivismo. Sua força e dimensão simbólica vai muito além do que qualquer lema é capaz de dizer. Neste caso, realmente, uma imagem vale mais que mil palavras!

Quanto à questão da autoria belga, não sou historiador, mas os historiadores que li consideram autores da Bandeira Nacional os positivistas Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos, o astrônomo Manuel Pereira Reis, e o pintor Décio Vilares - todos brasileiros.

A eles devemos acrescentar o nome de Jean-Baptiste Debret, francês com alma brasileira, que fez a bandeira anterior (imperial), base da atual. No fundo, embora raramente citado com tal, é Debret o principal autor da Bandeira Nacional, na medida em que, segundo a literatura, foi ele que lhe deu a estrutura losangular verde amarela, sobre a qual, 67 anos depois, os republicanos colocaram - brilhantemente - a bola azul (que por sua vez é herdeira da esfera armilar manuelina de 1495, usada como símbolo da colônia brasileira durante toda a nossa história, desde a chegada dos portugueses).

5°) A imagem do céu está invertida na bandeira não por causa da estrela acima da faixa. Com o céu desinvertido (espelhado na horizontal), junto com a faixa, esta estrela continuaria acima dela. O problema é bem maior. Não é fácil de explicar, mas vou tentar:

Esta estrela está realmente na posição errada, deveria estar abaixo da faixa, e há outra estrela abaixo que deveria estar acima. Os astrônomos sabem disso, e o próprio Teixeira Mendes o admitiu. E estes são só dois dos sete erros astronômicos da nossa Bandeira, que devem e podem ser facilmente corrigidos! Mas a posição das estrelas não tem nada a ver com a inversão do céu.

A inversão é resultado do tipo de projeção cartográfica celeste adotada, tomada de fora para dentro do planeta, o mesmo ponto de vista da cartografia terrestre. Se, partindo desta posição, girarmos 180 graus para olhar o céu, de dentro para fora do planeta, o que está à esquerda passa para a direita, e vice-versa. Esta seria a posição ideal para o usuário, porque corresponde ao céu que vemos a partir da Terra, mas é o inverso da que está na Bandeira. Duas correções urgentes a fazer, portanto: a desinversão do céu, e as posições das estrelas.

O que precisamos, antes de tudo, e com urgência, é trocar a “intervenção estética”, pela intervenção técnica (neste caso, dos astrônomos assessorados pelos designers, ou vice-versa). Depois disso, virá a “estética”.

6°) Como nota Modernell, o céu da nossa bandeira marca a data da Proclamação da República. Portanto, a do nascimento do nosso regime político atual. Mas, se há uma data na Bandeira Nacional, deveria ser a do nascimento do regime, ou do nascimento da nação? A bandeira é do sistema político, ou é do país?

Não sou “petista nem tucano nem coisa que o valha”, nem mesmo paulista, mas acho, sim, que poderíamos ou até deveríamos mudar o desenho celeste da nossa bandeira para o céu de São Paulo, não o dos dias de hoje, mas o de 7 de Setembro de 1822, e não das 7h30 da manhã, mas o das 4h30 da tarde, hora da Proclamação da Independência – momento e local do nascimento do Brasil.

 


Comentários

Bruno Porto
04/05/2009

Notável argumentação!

Eduardo Baroni
04/05/2009

Redig, Parabéns pelo texto. Assino embaixo.

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