Ano: VI Número: 57
ISSN: 1983-005X
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Óculos vermelhos nem sempre provocam miopia
Ethel Leon

Livro: IAC, primeira escola de design do Brasil Autor(a): Ethel Leon Editora: Blucher

Postado: 27/07/2014

   

A resenha de João de Souza Leite a meu livro IAC: primeira escola de design do Brasil abre a possibilidade de debate, prática de que João e eu, como bons dinossauros do design, gostamos muito, tanto que a exercemos constantemente.

Indo além dos evidentemente exagerados comentários positivos a meu texto, chamo a atenção para a ‘visão ideológica’ que a resenha identifica nos primeiros dois capítulos. No primeiro levanto a história empírica do IAC. No segundo adentro nas presumidas origens da escola, que seriam a Bauhaus de Dessau, fase Gropius e o Institute of Design, de Chicago.

Curiosamente, enxergo meu pendor ideológico, como diz João, e que eu chamaria de certa herança marxista, no capítulo que trata do fechamento do IAC e em que me valho do pensamento, entre outros, de Florestan Fernandes.

Pois, a meu ver, era ilusório o raciocínio de Bardi de que a cidade industrial que era São Paulo só teria a ganhar com uma escola de desenho industrial. A ideia era válida para paragens outras que não nossos tristes trópicos, nos quais os empresários, naquele momento, não se dispuseram a conhecer a escola, muito menos a apoiá-la.

A base ética a que João se refere não é exigência minha, mas dos modernos, especialmente de Moholy-Nagy. A meu ver o design não é prática de eleitos, bons por ‘natureza’ de sua atividade. Nenhuma prática humana tem a marca essencialista da bondade. E o design sempre pode servir a vários interesses. Mas não era assim que pensava Moholy-Nagy e eu pensei ter deixado isso claro. Adoto, inclusive, a visão de Victor Margolin que mostra como certo sectarismo político do construtivista húngaro afastou as empresas da nova Bauhaus.

Também com relação aos chamados stylists, minha posição não se confunde com a de Nagy e dos mentores do MoMA. Concordo (e creio ter afirmado isso em meu mestrado) que Loewy, e não só ele, foi um grande designer industrial. Anotei na minha escrita que os designers consultores norte-americanos (evitando a palavra stylists) haviam enfrentado, ao longo dos anos 1930, tarefas de design industrial da mais alta relevância. Aliás, meu orientador do mestrado, Julio Roberto Katinsky, descreve, em prefácio de meu outro livro Design Brasileiro, quem fez quem faz (2005), como houve sectarismo com relação a Loewy, cujo projeto aerodinâmico da locomotiva implicava, entre outras questões projetuais relevantes, redução no consumo de combustível.

Considero digno de grande interesse o fato de Bardi, provavelmente devido à sua proximidade com os futuristas italianos, ter desenvolvido uma visão capaz de enlaçar Bauhaus e Loewy. E, desse modo, ter construído um discurso sincrético, completamente distanciado do sectarismo que prevaleceu em muitas das hostes modernas.

Ao realizar o mestrado, eu começara a ler Bourdieu e cheguei a avançar certas hipóteses que decidi retirar do livro, porque inexatas e incompletas. Certamente hoje, depois de ter estudado bem mais o sociólogo francês, tenderia a ver o IAC como momento fundante de um campo que se afirmou nos anos seguintes. No entanto, dada a heteronomia acentuada do design, enxergo como bastante razoável minha hipótese, alicerçada, inclusive, em autores não marxistas, de que o período do salto industrial (capitalista e dependente) de JK, foi determinante para a constituição desse mesmo campo, com suas instituições e sua prática alargada.

A partir daí, então, e ainda assim lentamente, aproximaram-se homens da indústria e da cultura. Na época do IAC, o dono do MASP, Chateaubriand, chantageava a elite para conseguir doações ao Museu, como comprovou não só minha pesquisa empírica, mas a bibliografia adotada. 

Creio que, no caso das análises do IAC, meus ‘óculos vermelhos’ não condenaram à miopia.

 


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