Ano: II Número: 14
ISSN: 1983-005X
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A máquina, o novo Messias
Henry Ford, 1928
Tradutor(a):Yvonne Mautner

 

No momento de crise econômica e ambiental que atravessamos, os padrões de consumo dos países centrais passam por intenso questionamento. A proliferação de produtos familiares ou individuais - sua fabricação, distribuição, consumo e reposição  - é apontada como uma das mais fortes causas dos danos ambientais.

Ao mesmo tempo, a obsolescência frenética dos itens e a produção de objetos supérfluos (como muitos eletrodomésticos) vem sofrendo duras críticas, como motor da economia.

O texto de Henry Ford, publicado a seguir, mostra como foi construída a mentalidade pró-máquinas e produtos de consumo duráveis no Ocidente, a partir dos anos 1920. O fato de entendermos a montagem de um arcabouço ideológico de consumo nos ajuda, certamente, a auxiliar em seu desmonte ou em seu redirecionamento.  

 

O grande problema das casas hoje em dia é a quantidade de trabalho aviltante que ela exige. Mesmo tendo diminuído o número de horas semanais do trabalho masculino, praticamente nada foi feito para eliminar as tarefas básicas do trabalho doméstico; não houve diminuição de horas de trabalho das donas de casa. Mas, a jovem mulher moderna que mantém a casa e cuida de suas várias crianças vai mudar esta situação. Ela tem recusado esta trabalheira insana. O que chamamos de “indiferença dos jovens” a este respeito é simplesmente um porvir projetando sua sombra de antemão. Elas se contrapuseram ao trabalho doméstico, e como consequencia, ele desparecerá.

Hoje existem máquinas para serem usadas na cozinha. Temos o aspirador de pó, os vários eletrodomésticos, as máquinas de lavar roupa, as geladeiras; mas todos ainda muito caros. Temos de achar algum modo de reduzir os custos e algum modo de facilitar outras tarefas femininas (...)

(...)

A comida é uma das mercadorias mais importantes com as quais temos de lidar. Estou cada vez mais convencido de que devíamos gastar mais tempo em estudar os alimentos e de como nos alimentar. A maioria de nós come demais. Nós comemos a comida errada na hora errada e acabamos sofrendo com isso. Precisamos encontrar uma forma melhor de alimentação e de prover nossos corpos com o que eles necessitam para mantê-los e para crescer. Até agora gastamos mais tempo estudando métodos para reparar máquinas e renovar mecanismos do que estudando este problema fundamental da vida dos homens. Claro que muito já foi feito por nossas nutricionistas, elas porém só arranharam a superfície. Não é preciso ser um maníaco de alimentação para ter interesse no assunto.

Apesar da média de expectativa de vida ter quase dobrado nos últimos cinquenta anos, tenho certeza de que encontraremos os meios de repor a energia do corpo de modo a conservar a saúde, a vitalidade e a sanidade mental por muitos anos mais. Pegue Edison, por exemplo; hoje ele está tão bem mentalmente como sempre esteve. Temos todas as razões para acreditar que deveríamos ser capazes de ‘consertar’ nossos corpos assim como consertamos o defeito de um boiler. Não faz muito tempo, achávamos que nossos boilers seriam descartados devido a um ou dois pontos de ferrugem corroendo sua superfície.

Pesquisando esta questão encontramos rapidamente um caminho para recuperar o metal da superfície, em estado de quase inutilidade, de modo a torná-lo tão bom quanto novo. O boiler  foi colocado de volta em operação, talvez em estado melhor do que quando foi instalado (...)

A questão é, se existe pesquisa feita nesta linha, não há razão porque não fazê-la em relação ao corpo.

(...)

Nada que interfira com nossa habilidade de pensar claramente, levar vidas saudáveis e normais, e realizar bem nosso trabalho seria descartado, fosse um problema econômico ou o desejo de saúde melhor. O tabaco é um narcótico que está cobrando um preço alto de nossa geração. Ninguém fuma nas indústrias da Ford. Tabaco não faz bem à industria nem aos indivíduos.

A proibição acabou por colocar mais do salário do trabalhador na poupança e nas contas da casa. Ele pode dispender mais para o lazer com sua família. A vida familiar é mais saudável. Trabalhadores saem, vão a piqueniques, têm tempo para ver suas crianças e com elas brincar. Eles têm tempo para ver mais, fazer mais – e, incidentalmente, eles compram mais. O que estimula os negócios e aumenta a prosperidade, e no circuito econômico geral o dinheiro passa novamente pela indústria, e volta novamente para o bolso do operário. É um truismo que o que beneficia um acaba beneficiando a todos, e o trabalho acabará por ver cada vez mais a verdade disto.

As demandas humanas aumentam dia a dia, como também as necessidades de gratificação. E assim deve ser. Gradualmente, sob a benigna influência da indústria americana, mulheres são liberadasdo trabalho, crianças não são mais exploradas; e logo ambas terão a liberdade de sair e encontrar novos produtos, novos comerciantes e industriais para suprir suas demandas. Assim crescem os negócios. Assim vemos a relação próxima que existe entre a casa e a indústria. A prosperidade de uma é a prosperidade da outra. Na realidade todos os problemas podem ser resolvidos como um só, grande. As partes, todas se inter-relacionam. A solução para uma ajuda a solução para outra, e assim por diante.

As máquinas estão realizando no mundo o que o homem não conseguiu através da pregação, da propaganda ou da palavra escrita. O avião e o radio não conhecem limites. Eles passam sobre as linhas tracejadas dos mapas sem cuidados e sem barreiras. Eles estão diminuindo as distâncias no mundo como nenhum um outro sistema conseguiu. O cinema, com sua linguagem universal, o avião com a velocidade, e o rádio com seu próximo programa internacional – estes vão fazer o mundo chegar a uma completa compreensão. Portanto, possamos nós antever os Estados Unidos do Mundo. No fim das contas, nós certamente o faremos!

 

Texto indicado por Yvonne Mautner e traduzido a partir da antologia de Carma R. Gorman (2003) The Industrial Design Reader / Edited by Carma R. Gorman (p:121 -123) ISBN: 1-58115-310-4

 

 

 

 

Sobre o Autor(a):

O fundador da indústria Ford de automóveis, Henry Ford (1863-1947) levou à prática as teorias de Frederick W. Taylor sobre a organização do trabalho e o pagamento dos trabalhadores. É, por isso, figura obrigatória de estudo nos cursos de economia, administração, história do século XX e história do design. Em 1908 ele deu início à fabricação do lendário Modelo T que alcançou a marca de 17 milhões de unidades vendidas nos 20 anos seguintes.

Em 1914, introduziu a jornada de 8 horas em sua fábrica e a remuneração de 5 dólares por jornada – enquanto nos Estados Unidos prevalecia a jornada de 9 horas com pagamento de 2,34 dólares. Ele exigia de seus funcionários severo padrão moral de comportamento e era contra o álcool e o cigarro.

Representante da burguesia moderna, acreditava no poder das máquinas como transformadoras do comportamento humano, conforme fica claro no texto acima.

 

 


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