Paris, de Patrick Jouin
Sara Goldchmit
Como parte das atividades do Ano da França no Brasil, o Instituto Tomie Ohtake apresenta exposição retrospectiva da obra do designer Patrick Jouin, em cartaz até 27 de Setembro de 2009. Jouin conversou com a designer Sara Goldchmit sobre o seu processo de trabalho e explicou de que maneira procura contribuir para os avanços no campo do desenho industrial – seja no projeto do luxuoso restaurante do Plaza Athénée, seja no design dos novos banheiros públicos de Paris.
Patrick Jouin nasceu em Nantes, em 1967, e estudou na École nationale de création industrielle (Ensci). Trabalhou no estúdio de Philippe Starck até abrir a sua própria agência, em 1998. Nos últimos dez anos, executou projetos que vão de luminárias a mobiliário, de aparelhos eletrônicos a equipamentos urbanos. Trabalhando com diversos materiais e tecnologias, colaborou com marcas como Kartell, Cassina, Alessi e Murano Due, entre outras. Jouin ficou conhecido pelos experimentos com as últimas tecnologias industriais, entre elas a estereolitografia. Essa técnica de prototipagem rápida era utilizada, até então, para produzir modelos de plástico em escala reduzida e ainda não havia sido testada para objetos do porte de uma cadeira. Na coleção Solid (2004), fabricada pela MGX, se vê o resultado da experiência.
Inspirado pelas realizações de grandes engenheiros como Leonardo da Vinci, Jean Prouvé e Gustave Eiffel, Patrick Jouin também admira a inteligência anônima dos artesãos e autores de inúmeros exemplos de design banal que são reproduzidos por tantos e tantos anos. Ter humildade para respeitar a história dos objetos e dos usos faz parte da sua prática. Quando questionado sobre qual aspecto que mais o entusiasma na profissão, Jouin respondeu: “Eu gosto muito de lidar com os fabricantes. É nessa conexão com os produtores que surgem exemplos das mais belas histórias de relações humanas. E, no fim, a qualidade das relações humanas está acima de tudo.”
Vélib’, a bicicleta pública para aluguel
A sigla Vélib’ significa “vélo liberté”, ou “bicicleta livre”. Implantado em 2007, em Paris, o programa Vélib’ disponibiliza bicicletas públicas para aluguel em estações espalhadas pela cidade. O usuário retira a bicicleta em um ponto e a devolve em outro, sendo que os trinta primeiros minutos do trajeto são gratuitos – o que torna as bicicletas ideais para viagens curtas.
Em uma parceria público-privada, a empresa de mobiliário urbano JC Decaux fornece as bicicletas para a prefeitura de Paris, em troca de espaços publicitários. O sistema Vélib’ substitui o conceito de “propriedade” pela “mobilidade sustentável”. Além de reduzir a poluição na cidade, as bicicletas são 99 por cento recicláveis; sua manutenção é feita por veículos elétricos; e a limpeza se dá com água de chuva coletada, dispensando o uso de detergentes.
Patrick Jouin foi o responsável pelo design das bicicletas e de toda a família de equipamentos urbanos do Vélib’: estações, terminais eletrônicos e painéis destinados aos anúncios publicitários. O mobiliário foi pensado para ser ergonômico, robusto, resistente, seguro e esteticamente integrado à paisagem urbana de Paris.
As Vélibs foram muito bem recebidas pela população e parece que estão transformando a cidade. O acolhimento por grande parte da sociedade não evitou, contudo, atos de vandalismo. Logo no primeiro ano de operação, muitas bicicletas da frota inicial desapareceram ou foram danificadas. O triste fato repete a história do legendário projeto das Bicicletas Brancas de Amsterdã, implantado nos anos 1960, que também teve muitas bicicletas roubadas ou jogadas nos rios.
Segundo Patrick Jouin, a empresa JC Decaux é muito eficiente na reposição das bicicletas e está mantendo o sistema da melhor maneira possível. O designer não acredita que poderia ter feito algo diferente no projeto para evitar a violação dos equipamentos: “As bicicletas são muito fortes. E nós colocamos o logotipo da cidade de Paris nelas, como uma forma de dizer que todo cidadão é responsável pelo equipamento. Mas não podemos evitar o vandalismo, que é consequência de outros problemas, mais profundos.” Um dos problemas era o fato da rede inicialmente não atender a periferia, mas já foi expandida para os subúrbios parisienses.
Para o espaço público, além das Vélibs, Patrick Jouin projetou os novos banheiros químicos que estão sendo implantados na cidade. Os banheiros funcionarão como uma espécie de “cartão de visitas”, a fim de receber melhor os turistas que viajam para Paris durante o ano todo. Para tanto, parâmetros de segurança, resistência, acessibilidade universal e limpeza eram primordiais. “Queremos transmitir para os visitantes estrangeiros a ideia de que os franceses são limpos”, explicou o designer.
O bom design e o luxo
A Jouin Manku, agência de Patrick Jouin em sociedade com o arquiteto Sanjit Manku, realizou o design de interiores da residência YTL, em Kuala Lampur. A casa, destinada a uma importante família malasiana, tem três mil metros quadrados, nove quartos, duas suítes para hóspedes e vinte e um banheiros, agregando funções da vida pública e privada da família. Na exposição, há um vídeo que mostra os seus ambientes e os detalhes da construção.
Em projetos de design total de interiores – como para a casa YTL, para os restaurantes do premiado chef Alain Ducasse ou para a joalheria Van Cleef & Arpels – Patrick e Sanjit querem “criar uma nova experiência de emoção. E para que seja uma experiência realmente nova, o designer não pode colocar uma cadeira Le Corbusier na sala. Tudo tem que ser visto pela primeira vez ali”, declarou Jouin. Assim, sempre que possível, desenham todos os objetos que integram o ambiente: móveis, luminárias, louças, podendo chegar até às maçanetas.
A crítica que poderia ser feita é quanto ao alcance desses novos objetos que, embora criados sob os melhores parâmetros de ergonomia e conforto, serão utilizados somente pela parcela restrita da sociedade que pode consumi-los. A resposta para essa questão, dada sem constrangimentos, reflete a realidade do campo do design: “A indústria do luxo tem o design em seu DNA”. Isso significa que, historicamente, as empresas voltadas para o consumo de luxo entendem de design no seu aspecto mais amplo: conseguem encomendar objetivamente um projeto, respeitam as idéias do designer, contribuem com informações relevantes durante o processo e sabem que a execução de um bom desenho leva tempo. Jouin citou o desenvolvimento da panela Pasta Pot, realizado em parceria com o chef Alain Ducasse para a Alessi, como um exemplo do que é um processo de trabalho correto. Mas, na média, o diálogo com as empresas torna-se muito difícil devido a uma barreira cultural. “Os clientes que não entendem de design cometerão erros, pois tomam decisões sem nos consultar. Nessas empresas, é possível conversar com o dono, mas toda a hierarquia dos tomadores de decisão abaixo dele é frequentemente muito despreparada”, diz Jouin, e completa: “por outro lado, quando o design é a alma do negócio e já está embutido na mentalidade da corporação – como na Ikea ou na brasileira Tok Stok – tudo dá certo”.
Na exposição, é possível conhecer também o projeto Extreme WoW Suite – uma instalação de 100 m2 de um quarto de hotel do futuro, criado para a rede W Hotels. O realce do quarto futurístico é dado pelo Night Cove, uma espécie de luminária rádio-relógio capaz de transformar o ambiente do quarto conforme o gosto do hóspede. A programação cromática da luminária foi desenvolvida de acordo com pesquisas científicas na área de desordens do sono e visa proporcionar experiências de relaxamento inesquecíveis aos hóspedes.
Passear pela Paris de Patrick Jouin é uma oportunidade de ver, no contraste entre os projetos apresentados, a expansão coerente dos limites da forma e da tecnologia. Jouin leva o desenho industrial em direção ao futuro com a sensibilidade de colocar o fator humano no centro dos seus desígnios.
Sara Goldchmit é designer gráfica , mestre em design pela FAU-USP e autora do blog Design Diário (http://www.designdiario.com.br).
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