Ano: II Número: 20
ISSN: 1983-005X
Detalhar Busca





Periodontites e design

Ethel Leon

Recentemente uma prosaica conversa tomou conta da lista de discussão da PHDdesign, fórum que reune pesquisadores de boa parte do mundo. O assunto eram escovas de dentes.

O professor Gunnar Swanson, de Carolina do Norte, EUA, contou que depois de passar anos ouvindo sugestões de dentistas a respeito de métodos mecânicos e elétricos de escovar as gengivas, evitando que elas adoecessem, decidiu marcar uma consulta com um periodontista. Sem peias, o profissional afirmou-lhe que as gengivas tem adoecido muito porque são diariamente atacadas por escovas complicadas e muito fio dental.

O periodontista deu-lhe de presente a escova mais macia que tinha. “Ela parecia”, escreve Swanson, “a quintessência da simplicidade em escovas de dentes”,  sem aquelas hastes com pegas anatômicas ou múltiplos tipos de cerdas acomodadas em distintos ângulos. Enfim, a nova escova do professor era a antítese de tudo que costuma aparecer numa página de revista ou num prêmio internacional de design. 

Uma história dessas dá o que pensar, não? Há alguns anos, observando uma fileira de escovas de dente que não estavam à venda numa farmácia parisiense, ouvi da feliz proprietária a declaração que ela havia sido esperta ao começar uma coleção de design com aquelas escovas, uma delas projetada por ninguém menos que Philippe Starck, é claro. Eram sinuosas como cobras indianas, coloridas como um videogame, elegantes demais ...para serem apenas vendidas, me disse a Madame proprietária.

Já ouvi de grandes mestres do design que, eles próprios, quando vão às compras, dão preferência a artefatos singelos, de preferência anônimos, que guardam uma espécie de dignidade do fazer.

Talvez seja o mesmo caso das escovas de dente. Só que aqui o problema é um pouco mais delicado. As doenças periodontais surgem hoje como uma das grandes áreas de atuação dos dentistas, no universo daqueles que bebem água tratada com fluor. As cáries deram lugar a essas graves doenças que atacam o bulbo dos dentes, provocando grandes problemas de saúde, não apenas bucal. Recentemente, algumas pesquisas publicadas em jornais diários mostravam que as periodontites eram responsáveis por aumento da taxa de triglicérides, outro nome feio da nossa vida.

Parece, de fato, que as escovas prosaicas, daquelas que os dentistas distribuem com seus nomes impressos são as melhores. Simples, baratas e até duradouras. Algumas lojas naturebas vendem escovas desse tipo, com o cabeçote bem pequeno, o que, em princípio, induziria a uma escovação a la Código de Hamurabi, dente por dente.
 
Vejam se não é engraçado: David Raizman, autor de The History of Modern Design, que reproduz em seu livro uma série de objetos já tornados clássicos do design industrial do século XX, respondeu à mensagem de Swanson, contando como adaptou pedaços de duas escovas, de forma a obter como resultado um bom cabo e cerdas confiáveis, misturando uma escova ‘design’ e uma simplesinha.

Swanson acabou comprando as escovas naives por atacado – único modo como são vendidas aos dentistas que, por uma pequena quantia a mais, tem seus nomes impressos nos cabos. E decidiu mandar inscrever em suas 144 escovas a frase de Virgílio: "Quisque sous patimer manes", que pode ser traduzida por “Fazemos nossos próprios destinos a partir dos deuses que escolhemos para cultuar”. E que alguém já verteu, de modo sartreano, para “Cada um carrega seu próprio inferno”!

Que, em muitos casos, convenhamos, pode ser o design feito para agradar nas prateleiras das farmácias.

 


Comentários

Renata Rubim
20/08/2009

Maravilha de texto e de reflexão!

Envie um comentário

RETORNAR