Um sinal tipográfico para o silêncio
Ethel Leon
Certamente o design tem feito grandes pedidos à língua, não sei se à literatura também. A criação de novas palavras, algumas piedosamente explicativas como ‘usabilidade’ acontece tão logo uma disciplina se desenvolve e cria novos conceitos, inseparáveis da recomposição de antigos prefixos ou sufixos com novas expressões.
As artes gráficas acompanham a língua há muito tempo. E todo estudante de design gráfico sabe apreciar as capitulares e os ornamentos dos textos escritos a mão, copiados por escribas religiosos da Idade Média. E tudo que os textos impressos conservaram, com os adornos tornando-se vinhetas gráficas nas mãos de habilidosos oficiais da impressão.
Do final do século XIX para cá, a literatura passou a estabelecer programas que dependiam forçosamente do design das páginas. Lembremos de Apollinaire, de Mallarmé, ou bem mais tarde, de Cummings e de nossos concretistas. A palavra é signo gráfico e como tal deve ser transmitida ao leitor, distante dos elementos simbolizantes de uma língua alheia à sua própria escrita tipográfica.
Tudo isso para dizer que ao reler o romance A Montanha Branca, de Jorge Semprun, bati o olho no seguinte trecho, nada mais, nada menos que uma encomenda do autor a designers gráficos:
“Mas fora um silêncio leve, não pesando o peso opressivo dos silêncios estafantes, confusos, constrangidos, de chumbo, de desprezo, de incompreensão, denso, de morte. Leve de toda a gravidade compartilhada daquele momento.
No entanto, mesmo leves, os silêncios colocam um problema narrativo. Pois não existe nenhum sinal tipográfico para introduzir o leitor na evocação de um silêncio, para indicar-lhe a topografia; para sugerir a duração, a qualidade, a profundeza, o sentido, a densidade, o murmúrio musical.
...
Mas desse ponto de vista, toda narração é incompleta; o acompanhamento de silêncios faz falta por toda parte. Em suma, e isto pode parecer paradoxal à primeira vista, uma narração é incompleta quando ela é demasiado maciça, demasiado homogênea: monolítica. Porque lhe falta a porosidade, a respiração do silêncio. A música do silêncio não é imanente à narração. Só um leitor sensível pode inseri-la, embora seja preciso que o escritor sugira a possibilidade.
...No teatro...não é absolutamente a mesma coisa. O autor dramático pode inscrever os silêncios em seu texto, quando descreve os movimentos de cena...”
Afinal, pensemos, o autor dramático recorre ao ator, verdadeira irredutibilidade do teatro. Sim, o teatro pode prescindir de cenário, figurino, iluminação, música e até de texto, mas não do ator.
E os atores sabem fazer dos silêncios declarações muitas vezes mais dotadas de sentido do que frases inteiras, parágrafos... O silêncio pode ser prolongado, ofegante ou imóvel, soturno ou indeciso.
Qual a qualidade do silêncio no texto lido solitariamente, caso da literatura? Se a mudez é representada por espaços brancos, ou espaços sem letras, maiores, menores, esses espaços podem, quando muito conotar o tempo do silêncio, não seus atributos sensíveis.
Por que até hoje o pedido de Jorge Semprun não foi atendido? Ou será que foi e desconheço, eu e as casas editoriais?
SEMPRUN, J. A Montanha Branca. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, págs. 96,97.
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