Mobilidade, signo de poder
Natália Leon Nunes
A última edição da revista Azimuts trata do tema mobilidade, mote da próxima Bienal Internacional de Design de Saint-Étienne, que se realiza em novembro próximo. Diferentes perspectivas são apresentadas, como as matérias Epcot, uma cidade experimental concebida por Walt Disney e O cinema do Imaginário Urbano. Entre os ótimos textos, destaca-se o do pesquisador Jean Viard, Perspectiva: a cidade nuvem, que fornece novas formas de entender o que são a cidade e a mobilidade hoje, usando exemplos de políticas públicas de Paris. A experiência da metrópole brasileira aparece na entrevista com Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, cujo título é Harmonizando o som da cidade.
Permeando cada artigo, surgem fragmentos de texto que formam uma Pequena história da mobilidade. Essa história fala de marcos dos meios de transporte e também da mudança de comportamento do próprio homem. O início da história se dá com o homem que anda, uma evolução do macaco. Esse movimento é hipostasiado no século XXI, no qual as grandes cidades têm avenidas e muitos carros e, no entanto, a mobilidade se faz difícil.
A trajetória da chamada mobilidade humana começa numa tentativa de sobrevivência e continua nos intentos de melhorar a qualidade de vida e dominar a natureza. É o exemplo de 9 mil anos antes de Cristo, momento em que o animal passa a ser domesticado. Antes disso, já há a mobilidade do homem que, ainda sem a ajuda dos animais nos seus trajetos, cassa-o para comê-lo. A caça e o fogo aparecem juntos e Fabien Combe, autor desta pequena história, chega a falar da palavra francesa foyer - usada hoje para designar asilos e pensões, e que significa tanto a lareira de uma casa quanto a própria casa, entendida como lugar de reunião de pessoas.
Surgida antes da família, a mobilidade foi enfrentada pelos primeiros agrupamentos de seres humanos que passam a se organizar para conseguirem comida. No entanto, essa reunião de pessoas pode ser lida como semente do que depois são as cidades. Com a formação de cidades e estados, a mobilidade deixa de ser apenas meio de sobrevivência individual ou em grupo. Mover-se, dominar animais que são mais rápidos do que homens, usar a mobilidade, tudo isso é signo de poder e dominação. É o caso da época em que cavalos passaram a ser montados - 2000 anos antes de Cristo.
O Império Romano e suas conquistas também é lembrado, com a invenção das vias romanas e o que pode ser chamado de controle da mobilidade. A busca das origens da mobilidade mostra como a necessidade de ir de A a B e também de apressar certos processos vem muito antes da Revolução Industrial, a partir do século XVIII.
Como meio ou como fim, a mobilidade sempre foi problema do homem. Sua valoração muda, se pensarmos que, em determinada época, a capacidade de correr com um cavalo era sinal de poder e que hoje, a não mobilidade ganha reconhecimento. Não há a proliferação dos serviços pela internet, que garantem o conforto do lar ao consumidor? A mobilidade também deixa de ser somente física e passa a ser virtual. Ter poder de mobilidade nem sempre é ter poder de mover o próprio corpo, mas de atingir objetivos com rapidez – como por meio de teleconferências, por exemplo.
Percorrer um caminho tornou-se, nas grandes metrópoles, tarefa cansativa. O carro aparece como sinal distintivo, mas não é atualizando suas potencialidades - correndo a 200 km - que o proprietário afirma participar de determinado grupo social. A posse é necessária para tal. É assim que Fabien Combe fecha seu artigo: o que hoje oferece mobilidade nos atrai menos por sua real função e mais pelo desejo que temos de obter objetos. O carro continua sendo bom exemplo: ninguém compra um carro caríssimo para simplesmente chegar mais rápido ao trabalho.
É esse o desafio lançado aos designers. Como contribuir com projetos que solucionem o caos e o trânsito das cidades e, ao mesmo tempo, fazer desses projetos objetos de desejo dos consumidores? Ao final do texto, ficam sugestões de caronas solidárias e outras ações que dependem mais de uma reeducação dos cidadãos do que de inovações técnicas. Mas as vias de fato para que sejam atendidas demandas atuais - fluxo, sustentabilidade etc. - ainda são capítulos não escritos da história da mobilidade humana.
|
|