O que pensa o artesão moderno?
Gilberto Paim
Habituado a cultivar a dicotomia, o mundo do design vê com desconfiança a aliança entre concepção e realização no trabalho do artesão moderno. Já o establishment artístico tende a rejeitar a dimensão utilitária de sua obra, assim como sua fidelidade vital a um mesmo conjunto de materiais e técnicas, seja a cerâmica, a tecelagem, o vidro... Embora o tema artesanal venha ganhando amplitude nos últimos anos, como revelam os ensaios The Craftsman/O Artífice, de Richard Sennett, A Theory of Craft, de Howard Risatti, e a vasta antologia The Craft Reader organizada por Glenn Adamson (livros resenhados em Agitprop),o artesão moderno ainda é um personagem quase desconhecido fora de seu círculo de atuação profissional. Mas, afinal, quem é o artesão moderno e o que pensa sobre seu próprio ofício?
Choosing Craft, antologia editada pelas pesquisadoras e curadoras Vicki Halper e Diane Douglas, oferece oportunidade excepcional para aprofundar a questão, reunindo textos de mais de cem realizadores norte-americanos desde o pós-guerra à atualidade. São artigos publicados em revistas especializadas, palestras, cartas e transcrições de depoimentos orais, que abordam a experiência profissional de seus autores, e traçam um painel extremamente rico e diversificado do studio craft movement nos Estados Unidos.
Os documentos estão agrupados em quatro temas principais com seus respectivos subtemas: escolha profissional (integração entre arte e vida; herança profissional familiar; resposta aos materiais); formação (aprendizado com mestres; academia; experiência comunitária); ganhando a vida (começando um negócio; experiência de mercado; criação para a indústria); confronto cultural (testando a tradição; crítica da cultura). Uma breve apresentação a cada texto contextualiza a obra do autor. Alguns profissionais como Marguerite Wildenhain e Anni Albers, respectivamente ceramista e tecelã formadas pela Bauhaus, o marceneiro George Nakashima, o joalheiro Bruce Metcalf e o vidreiro Richard Marquis, contribuem com textos para diferentes seções.
As editoras privilegiaram o registro vivo e emocional da experiência, em detrimento do meramente factual. Retratos em p&b muito eloqüentes dos artesãos em suas oficinas pontuam visualmente. Aproximações e distinções entre os ofícios artesanais e as artes plásticas ou o design são tematizadas de modo recorrente por sucessivas gerações. Questões como tradição/inovação, ornamento/funcionalidade, feminino/masculino seguem diferentes abordagens que se manifestam em estilos diversos, seja com serenidade, delicadeza, ironia, irreverência etc, o que dá sabor variado à leitura. A participação de Metcalf, por exemplo, tem a intensidade do manifesto:
“É importante lembrar que o artesanato ainda está em oposição, assim como há mais de um século, durante o movimento de artes e ofícios. Ele se afirma contra o anonimato da produção em massa, em favor do objeto personalizado (...) O artesanato continua a ser um movimento social, frequentemente intuitivo e sem liderança. Vejo o artesanato como um esforço coletivo para reintroduzir sentido pessoal num mundo amplamente indiferente. Como professor e observador, vejo constantemente que o artesanato funciona como um veículo para construção de significados e que ele dá substância, graça e dignidade à vida dos indivíduos.” (p.26)
Choosing Craft, editado por Vicki Halper e Diane Douglas, The University of North Carolina Press, EUA, 2009.
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