Desígnios Cruzados
Francisco Cornejo
“O design industrial propõe uma solução formal para produtos do uso cotidiano não só em função da produção industrial adequada a tecnologia existente no pais, mas também integrando novos significados de forma e manuseio dos objetos Para isso agrega a esses objetos os novos matérias desenvolvidos pela indústria, atingindo maior produtividade e possibilitando a viabilidade econômica para o empreendedor e para o usuário.
A criação de signos necessita de meios para comunicar seus novos significados, cujo valor esta em consonância com os arquétipos universais de verdade e harmonia. E esses meios são obtidos mediante o uso da linguagem e da tecnologia.”
Alexandre Wollner. Design 50 Anos. 2003.
“E preciso atentarmos para o fato de que nesta metade do século XX os conceitos de desenvolvimento socioeconômico e das relações entre paises de economia centralizadora e economia periférica necessitam ser revistos. Neste caso, nossa posição no domínio do Desenho Industrial pode oferecer, através da ótica abrangente que o modelo nos proporcionou, condições de reconceituar a própria natureza da atividade que nasceu voltada apenas para a solução de problemas emergentes da relação tecnologia/usuário nas sociedades eminentemente de consumo.
Aqui, a natureza contrastada e desigual do processo de desenvolvimento gera problemas naquela relação, que exigem um posicionamento de latitudes extremamente amplas; a consciência da modéstia de nossos recursos para a amplitude do espaço territorial; a responsabilidade ética de diminuir o contraste entre pequenas áreas altamente concentradas de riquezas e benefícios e grandes áreas rarefeitas e pobres. Nestas é poderosa apenas a riqueza latente de autenticidade e originalidade da cultura brasileira. Naquelas a carência de originalidade deu lugar a exuberante presença da copia e o gosto mimético por outros valores culturais.”
Aloísio Magalhães. O Que O Desenho Industrial Pode Fazer Pelo País. 1977.
O design gráfico brasileiro possui origens que se afirmam nos primórdios da industrialização nacional, em um período no qual a produção doméstica atinha-se à parca, porém crescente, demanda interna de bens de consumo não-durável. Atendo-se à criação de embalagens ou rótulos e, assim, suprindo necessidades vinculadas ao funcionamento do mercado, à crescente complexificação da concorrência e à dinâmica da circulação de tal tipo de mercadorias que começou a se instalar no decorrer do século XIX.(1)
No bojo do desenvolvimento econômico e urbano que se fez presente durante o século seguinte, especialmente em sua primeira metade, esta atividade logrou ocupar um espaço definido no universo de atividades artísticas aplicadas. Ainda que relativamente circunscrito, delimitado pelas exigências de seu posicionamento em um sistema econômico ainda em vias de se modernizar, granjeou forças através de uma indústria cultural que então começava a se avolumar nas mais variadas direções, indo da publicidade (2) e de suas demandas por suportes gráficos e ilustrações, até movimentos artísticos de vanguarda, como o modernismo, aos quais um diálogo profícuo e íntimo entre os ramos da arte “pura” e da arte aplicada sempre foi característico (3).
A partir da década de 1950 estas relações se intensificam e acabam por se tornar o centro das proposições estéticas dos movimentos de vanguarda que se estabelecem no período. O design passa a ocupar uma posição privilegiada nos debates estéticos que se propunham a renovar o fôlego modernista, sendo considerado em equivalência com relação a qualquer outra das linguagens que floresciam no interior de propostas como a do concretismo.
É neste momento que as atividades ligadas ao ramo das artes aplicadas conhecem um acréscimo em seu prestígio, tributário dos investimentos oriundos de um cenário artístico metropolitano que se encontrava em plena efervescência (4). Assim, arquitetura e design acabam por encontrar-se no foco dos interesses dos agentes aí inscritos e começam a ocupar uma posição de prevalência nos debates estéticos, agora orientados por uma lógica diversa daquela que relegavam tais atividades a um segundo plano.
Particularmente as conquistas da arquitetura na transformação do ambiente urbano, processo materializado na construção de Brasília e personificado pela geração de arquitetos do movimento moderno oriundos das grandes metrópoles nacionais, tiveram forte impacto sobre o ideário da época (5). Em um universo discursivo onde o consenso orbitava ao redor de temas como modernização e progresso, enfeixando orientações político-ideológicas e mesmo estéticas de origens e direcionamentos os mais variados em um corolário comum de apostas e promessas – tendo o mote do desenvolvimento como palavra de ordem – as artes aplicadas passavam a ocupar um lugar de protagonistas do qual até então jamais haviam gozado.
Na qualidade de atividades representativas do caráter projetivo que era então atribuído a uma utopia moderna de planificação e ordenamento, da qual os conceitos de cultura e civilização configuravam o cerne operacional, tanto o design como a arquitetura delimitavam um circuito comum de intercâmbios de linguagens e circulação de poder e prestígio (6). Artistas da heterodoxia e da ortodoxia modernista, figuras políticas proeminentes, intelectuais e empresários culturais, todos os agentes diretamente envolvidos no universo político-cultural brasileiro prestaram seu tributo e concentraram seus interesses nas potenciais dimensões funcionais dessa nova modernidade artística e à sua importância neste “projeto de nação” que se afirmava com toda força.
Tal projeto era compartilhado além das fronteiras nacionais (7). A nova cenografia urbana que propunha era adornada por todas as qualidades e defeitos que compunham o léxico das aspirações então em jogo; enquanto moderna, ela também seria democrática e, sobretudo, organizada segundo os moldes de um planejamento racional caracterizado por propostas estéticas universalistas, encontrando reverberações nas matrizes dos modelos estéticos de que se apropriou para gerar sua síntese local (8). Seus propositores originais também foram seduzidos pelas promessas aí inscritas, de um país que, mesmo distante dos centros de produção e circulação internacional ou descompassado com relação ao ritmo das vanguardas, procurava não apenas se atualizar, mas também reconstruir-se.
Apesar de severas críticas provenientes de críticos e arquitetos de renome internacional a alguns dos resultados estético-funcionais (9) atingidos ou à metodologia empregada, esta reconstrução, enquanto uma aposta, apontava para possibilidades de reforma e planejamento congruentes tanto com as necessidades locais como com as dos países europeus no difícil contexto do Pós-Guerra. O Brasil se apresentava não mais como um idílio, mas como portador concreto das potencialidades transformadoras do urbanismo (10). A segunda metade do século seria, assim, um período de retomada, em que o arquiteto e o designer, no mais pleno acordo com o ideal ético-estético gerado na Bauhaus e interrompido pela ascensão do nacional-socialismo (11), ocupariam posição de destaque (12). No interior daquela cenografia acima evocada o design gráfico apareceria como um fator central, encarnado em uma metodologia de projeto formulada de acordo com pressupostos racionalistas e não mais apenas estéticos, portador de um potencial de organização e controle da mixórdia de impulsos e estímulos visuais originados em tal ambiente (13).
Para seu caso particular, tomado como componente de tal configuração de forças em ação naquele prolífico momento da vida cultural do país, a primeira tentativa institucional com vistas a estabelecê-lo como uma atividade autônoma no Brasil (14) através de uma proposta pedagógica voltada para as especificidades da profissão pode ser atribuída ao caso do Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo. Tal iniciativa pode ser contextualizada com relação ao quadro geral de incentivo às atividades culturais que foi característico das décadas em questão, fruto de investimentos de cunho público e privado que se corporificam na criação de tais instituições concebidas como suportes de um circuito cultural que se pretendia consolidar.
As Bienais, por sua vez, tiveram papel decisivo em tal conjuntura, pois não só determinaram a nova dinâmica que seria impressa aos circuitos culturais das grandes metrópoles brasileiras, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, através de um afluxo sem precedentes de obras e artistas estrangeiros em um franco esforço de atualização, como também permitiram o refluxo da produção nacional para os centros, facilitando e intensificando o diálogo entre produtores (15). É indicativo disto o fato de a I Bienal de São Paulo ter se tornado um dos marcos mais relevantes para a historiografia do design no Brasil, já que forneceu o terreno sobre o qual muitas das relações que viriam a sustentar sua instalação se assentaram.
Através do aval das vanguardas concretistas, que encontraram seu foco de divulgação justamente no circuito estabelecido pelas Bienais e pelos novos museus, o design aflorava como uma nova linguagem. Apreciado enquanto fonte não somente de novas possibilidades expressivas, como também construtivas – capitalizando sua posição ao lado da arquitetura e de suas conquistas – num momento em que a confluência de interesses e propostas oriundos das mais diversas esferas da sociedade dava ensejo às realizações de um tipo de produção artística que, além de sua natureza aplicada, também apresentava-se como engajada. Sendo assim, totalmente compatível com os moldes do discurso cultural e político predominante, aos quais os tópicos de transformação e intervenção social forneciam os contornos gerais.
O caso do IAC/MASP pode ser considerado característico do contexto paulistano e de sua recepção ao design, uma iniciativa inovadora em termos de difusão de uma atividade que, até então, não encontrava muita ressonância para além dos círculos mais bem-informados de especialistas, dos quais fazia parte o próprio casal Bardi. Apostando em uma formação artística multidisciplinar, o Instituto procurava promover aulas centradas nos fundamentos que configuravam o universo de saberes e fazeres específicos do design, assim:
“O Museu de Arte de São Paulo, pouco depois de sua fundação em 1947, abriu um grupo de escolas que representavam, naquela e época de escasso interesse e não poucas incertezas em relação aos rumos da artes, um fato bem aceito pela juventude, oferecendo também apreciável contribuição para o desenvolvimento da cultura em São Paulo. As escolas mais importantes eram a de História da Arte; a de propaganda (atualmente com a denominação de Escola de Propaganda e Marketing); dos vários ofícios das artes plásticas ministrados por Roberto Sambonet e Gastone Novelli, personalidades que nos anos seguintes granjeariam na Europa notável afirmação; de cinema, onde ensinava Alberto Cavalcanti o qual, a convite do Masp, voltou ao Brasil após três decênios de ausência; de artesanato, aos cuidados de Clara Hartock, do Bauhaus; de música, com a criação da orquestra juvenil, regida pelo maestro Mário Rossini, do Maio Musical Florentino; e balé, dirigida por Yanka; ecologia, comportamento, moda e inúmeras outras entre as quais a do design, talvez a iniciativa mais importante […]” (16)
Certamente, tanto esse colorido currículo quanto o ecletismo do acervo do MASP dão testemunho das intenções das personagens que encabeçavam tais empreendimentos. Lina e Pietro contavam-se entre os mais arrojados intermediários culturais da cidade, de formação diversificada e um gosto cultivado nos centros de educação superior italiana; principalmente ela, como arquiteta formada no Velho Mundo possuía especial interesse prático na temática do design e de seu papel na construção dessa modernidade que se anunciava como uma necessidade premente, da qual ambos eram agentes diretos. Suas pesquisas sobre artesanato nordestino, o projeto do prédio do Masp e do MAM de Salvador, a elaboração do curso de design do IAC são exemplos significativos da miríade de preferências que compõem sua atuação (17). Porém, o IAC teve um breve período de vida, de 1950 a 1953 (18), no qual congregou alunos das mais diversas origens sociais, desde jovens oriundos de famílias tradicionais e imigrantes abastadas, até outros de origem mais modesta, filhos de pequenos comerciantes e profissionais liberais, membros da pequena burguesia paulistana, todos dotados de interesses e expectativas os mais diversos com relação ao curso, indo das possibilidades de ampliação de sua formação cultural – ou mesmo sua aquisição – até o acesso a um hobby mais sofisticado.
É nesta instituição que um designer como Alexandre Wollner, filho de modestos imigrantes iugoslavos e órfão de pai ainda jovem, irá obter seus primeiros contatos com este novo ramo de atividades técnico-artísticas. Sua trajetória pode ser considerada emblemática de um determinado tipo de formação em design que se tornará predominante a partir da década seguinte, processo em muito tributário de seus próprios esforços, direcionados para a institucionalização da profissão e do ensino na área.
Seus primeiros contatos com as atividades gráficas remetem a sua permanência na oficina do pai:
“Nessa época, aos três ou quatro anos de idade, senti curiosidade pelo ambiente gráfico: os tipos soltos, caídos no chão, o cheiro de tinta, os papéis picados, o barulho das impressoras. Meu interesse pelo desenho manifestou-se quando tentei imitar manualmente as manchas de jornais, revistas e livros, além dos desenhos de meu pai, que achava deslumbrantes. […] Essas experiências fragmentadas, principalmente pela pouca idade, ficaram retidas e mais tarde se manifestaram em minha escolha profissional.” (19)
Passou por uma experiência escolar inicial frustrante, na qual teve sérias dificuldades em adaptar-se a um tipo de ensino formal no qual suas aptidões artísticas não encontravam vazão adequada, assim como as agruras e ansiedades envolvidas no processo de ampliação de sua esfera de socialização:
“Foi a época em que deixei a proteção familiar, ingressando na comunidade, situação em que tive dificuldade em enfrentar; minha compreensão não entrava em sintonia com as novas informações que estava recebendo, principalmente os pensamentos abstratos […] Só me sentia bem quando voltava para casa, onde podia desenhar jornaizinhos e receber algum apoio de meu pai, que corrigia e comentava os desenhos.[…]” (20)
A mãe, Josephina, costureira e estilista, estabeleceu as prioridades para sua formação e de sua irmã, Norma. Tendo de se haver sozinha com a criação de dois filhos, concentrou seus investimentos e expectativas na tentativa de prover-lhes uma educação tradicional, do tipo que lhes garantiria o ingresso em alguma carreira universitária (21) e, conseqüentemente, em uma das rotas mais seguras em direção à autonomia financeira. Neste estreito espaço de possibilidades, as inclinações de Alexandre Wollner teriam problemas em circular, o que se comprovou em sua problemática trajetória escolar (22) e se intensificou graças às resistências maternas a qualquer tipo de formação voltada a uma carreira artística, resultando no cerceamento de suas aspirações. Ao ingressar no mercado de trabalho, aos quatorze anos, como arrimo da família e cursando o colégio no período noturno, procurou fazer uso da relativa autonomia recém-conquistada e inscrever-se na Associação Paulista de Belas Artes, de onde saiu rapidamente por não se interessar pelo modelo didático ali imposto. Seguiu interessando-se pelo ofício de gráfico e ilustrador, consumindo compulsivamente revistas estrangeiras e entretendo-se ao detectar as diferenças entre os modelos estilísticos da produção brasileira com relação à americana, assim como auxiliando a mãe em seu ateliê de costura ao adaptar modelos de figurinos franceses.
Em 1950 notou um edital do Masp, museu com o qual já era familiar e tinha na mais alta estima, publicado no Diário de São Paulo, em que abriam inscrições para um curso de “iniciação artística e artesanal”, como o compreendeu à época.
“Seduzido pelo anúncio, tentando dar uma diretriz ao meu talento para o desenho e à vontade de estudar arte – naquele momento minha única preocupação – e entendendo o museu de arte como um templo das artes visuais, me inscrevi no IAC, mesmo sem entender exatamente seu conceito. E, para minha grande surpresa, após a entrevista obrigatória, fui aceito.” (23)
Foi neste ambiente que obteve seus primeiros contatos com as vanguardas da arte contemporânea, entre elas a construtivista e a concretista, assim como, de forma análoga, tomou conhecimento das potencialidades do design e de sua aplicação no cotidiano através da abordagem eclética e heterodoxa particular ao casal Bardi na elaboração de exposições, posicionando elementos de uso trivial ao lado de obras clássicas ou de valor arqueológico, algo que se apresentou a ele na forma de uma epifania:
“Isso para mim foi uma surpresa reveladora, pois nunca me ocorrera que alguém pudesse unir a forma do produto cotidiano com os princípios artísticos, embora houvesse visto inúmeros exemplos disso no dia-a-dia e nos livros de arte. Essa revelação veio ao encontro de minhas observações intuitivas do tempo em que manuseava as revistas americanas. Recordei a qualidade dessas revistas, dos anúncios e fotografias, lembrei de meu fascínio pela tipografia e os desenhos. Da imitação dos jornais produzidos pela gráfica do meu pai, dos jornaizinhos que eu desenhava na escola para meus colegas, do prazer de produzir um objeto gráfico que pudesse ser admirado pelo meu pequeno público-alvo” (24)
Com um curso voltado para as mais diversas formas de expressão artística, embora concentrado em sua aplicabilidade e em uma formação cultural generalista, procurando manter-se em sintonia com as linguagens mais sofisticadas da arte européia, o IAC forneceu a Wollner os elementos que se concatenaram a suas aptidões expressivas e preferências artístico-artesanais, no que se apresentou a ele como a descoberta de uma vocação. A partir de então concentrou seus interesses no ateliê de gravura, opção condicionada pelas afinidades previamente moldadas no contato prévio com o ofício, onde estreitou suas relações com os mestres, entre os quais se incluíam Aldemir Martins, Renina Katz e Marcelo Grassman, e no qual aproximou-se do artista cearense Goebel Weyne, ligado ao recém-inaugurado Museu de Arte Moderna de São Paulo e com quem estabeleceria uma relação de amizade duradoura. No entanto, foi como auxiliar na montagem das exposições do museu, atividade incentivada pelos professores do curso e na qual os alunos poderiam aplicar os conhecimentos adquiridos em sala de aula como compensação à falta de oficinas, que ele veio a conhecer o trabalho de um artista que o influenciaria de forma definitiva a partir de então.
“Durante a montagem, enquanto apanhava os quadros, os cartazes e os produtos realizados por Max Bill e os colocava no espaço do museu, fiquei em estado de choque, quase paralisado. A descoberta do trabalho do artista provocou em mim um colapso de várias possibilidades vivenciadas, resultando numa percepção instantânea, fechando a gestalt do meu caminho profissional. Tal percepção veio ao encontro de minhas tendências, ainda potenciais, no sentido de fundamentar minhas criações e realizá-las objetiva e logicamente. […]” (25)
A presença da figura deste artista e teórico do construtivismo e do concretismo nas Bienais, primeiramente em 1951 como vencedor do primeiro prêmio da exposição e em 1953 como integrante do júri, logrou catalisar muitas das aspirações com relação ao design que já se faziam presentes no cenário paulistano graças aos esforços do casal Bardi no IAC/Masp. Ex-aluno da Bauhaus e futuro fundador da HfG-Ulm – instituição inovadora no ensino do design na Europa, em muito uma prolongadora das propostas daquela escola e, em certo sentido, sua sucessora (26) – misto de arquiteto, designer e artista plástico, este suíço mostrou-se animado com as iniciativas levadas a cabo naquele Instituto – o qual inicialmente fora convidado a inaugurar – e fez públicas suas intenções de instalar uma nova escola de design na Alemanha, para a qual em breve levaria alunos brasileiros recomendados pela direção do museu.
Neste ínterim, o Museu de Arte Moderna de São Paulo punha em exercício seus intentos de estabelecer uma firme concorrência com o Masp e, com isso, impulsionar a cena cultural paulistana. Tendo uma proposta diversa daquela do museu dos Bardi, o contingente responsável pela curadoria e administração do MAM era proveniente essencialmente das camadas intelectuais paulistanas de famílias tradicionais e educados sob a forte influência francesa fornecida pela Universidade de São Paulo, contando-se entre estes Francisco Luís de Almeida Salles, Paulo Emílio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado e outras eminentes figuras do mecenato artístico local. Contudo, foi através das atividades culturais promovidas por esta instituição que Wollner obteve suas primeiras experiências profissionais gratificantes em comunicação visual, após algumas incursões frustrantes na área da publicidade a que fora incentivado por Pietro Maria Bardi, tendo a oportunidade de produzir os cartazes para as sessões de cinema promovidas pela filmoteca da instituição. Aqui se estabeleceu sua longeva e fértil parceria com o artista Geraldo de Barros, então consagrado como autor do cartaz comemorativo do IV Centenário de São Paulo, trabalho claramente informado por suas experiências na Europa, nas quais esteve contato com a obra de Otl Aicher e outros artistas gráficos ligados ao concretismo.
Ao lado de Geraldo de Barros, Wollner iniciou a produção de material gráfico de divulgação de eventos culturais, então o único nicho que fornecia alguma hospitalidade às propostas do design, e também através de seus contatos no meio artístico, estabeleceu seus primeiros diálogos com o movimento concretista local, filiando-se ao Grupo Ruptura, junto com outros colegas do IAC de futuro promissor na atividade, entre eles Maurício Nogueira Lima, Emilie Chamie e Antonio Maluf. Sua percepção posterior das mudanças que tal adesão implicou e das motivações que a nutriram resumem-se no seguinte depoimento:
“O movimento de arte concreta dos anos 50 teve o poder de modificar o comportamento dos artistas, fazendo-os participar de projetos a serviço de necessidades comunitárias, transformando-os em designers. As idéias da Bauhaus e, aqui no Brasil, a criação do IAC, agregadas ao interesse participativo dos artistas concretos (pintores, escultores e poetas) e à própria mudança da mentalidade de liberdade do expressionismo abstracionista para a atitude de rigor e objetividade da arte concreta, deram origem a um dos movimentos mais importantes de nossa cultura. No meu entender, mais importante e amplo do que a Semana de Arte Moderna de 22.” (27)
Envolvendo-se diretamente com um movimento artístico que propugnava um profundo engajamento com a realidade, ele encontrou a justificativa adequada a suas inclinações, tendentes à aplicação direta de suas habilidades através da comunicação visual. Assim como a confluência de suas aspirações pessoais e das possibilidades providas pelo contexto cultural do período forneceu-lhe segurança para investir em sua carreira, que começava a consolidar-se através da parceria com Geraldo de Barros e era alimentada pela crescente demanda por seus trabalhos, produto direto das condições de receptividade geradas em tal contexto. Este movimento teria continuidade até 1953, quando Pietro Bardi recomendou seu nome a Max Bill como sugestão ao convite feito pelo artista aos aprendizes do IAC com a intenção de recrutar alunos para sua nova escola experimental em Ulm.
“Com toda essa riqueza de informação material, tinha o forte objetivo de conhecer e me capacitar nessa atividade, nesse universo do design, acima de todos os outros possíveis interesses, tanto que já me sentia pronto para enfrentar a Hochschule fur Gelstaltung e concretizar minha viagem à Alemanha.” (28)
Após tentar obter ajuda financeira oficial para sua viagem por meio de Niomar Alves Sodré, à ocasião diretora do MAM do Rio de Janeiro então localizado no célebre prédio modernista do Ministério da Educação e Saúde Pública, contando com a recomendação de Geraldo de Barros e Paulo Emílio Salles Gomes, Wollner consegue o custeio de uma passagem para Paris e de uma bolsa de cinqüenta dólares mensais através do Ministério das Relações Exteriores. Partindo para sua jornada, a situação na capital francesa torna-se delicada após o suicídio do então presidente Getúlio Vargas, ocasionando o fechamento da embaixada e a interrupção do financiamento de sua viagem de estudos. Porém, isto somente atrasou sua chegada em Ulm, prejudicando apenas seu período de adaptação ao idioma alemão com o qual tivera parco contato até então. Logo iniciou um estágio no escritório do designer gráfico e futuro professor Otl Aicher, de quem se aproximou e acabou por lhe oferecer a oportunidade de trabalhar em diversos projetos antes do início do semestre letivo inaugural.
A Escola de Ulm era um projeto inovador e ousado de Max Bill, em muito tributário dos ideais da Bauhaus de oferecer aos alunos tanto uma formação cultural ampla e bem fundamentada quanto um ensino técnico que os capacitasse para a utilização de tecnologias de ponta, numa síntese complexa e um tanto sofisticada para os parâmetros da época da República de Weimar (29). Por sua vez, a HfG-Ulm diferenciava-se através de um currículo fortemente sustentado em uma abordagem de teor técnico-cientificista, no qual disciplinas como Física, Semiologia, Psicologia, Teoria da Percepção, Matemática e Cibernética possuíam considerável peso, ocupando lugar central na estrutura curricular. O esquema pedagógico elaborado também comportava oficinas de materiais, nos quais os alunos adquiriam a perícia no manejo das matérias-primas e recursos técnicos, como fotografia, gesso, madeira e metal. As aulas práticas eram ministradas no período vespertino e as teóricas no matutino, integrando um bloco coeso de adaptação a tecnologias e linguagens artísticas de ponta ao lado da formação artesanal. Este corpus disciplinar foi modificado após a saída de Max Bill da direção, acentuando ainda mais o enfoque tecnológico e marcando a transição em direção a uma nova abordagem, para além daquela da gute form (30) por ele preconizada. A nova proposta, encabeçada por Tomas Maldonado e Aicher, seria caracterizada por uma profunda mudança na consideração do papel do designer na produção industrial moderna ao tomá-lo como um elemento funcional entre outros no interior do processo produtivo, até então orientada por uma perspectiva totalizante que procurava atribuir ao profissional centralidade nos processos decisórios. Esta transição marcou uma ruptura decisiva na orientação dos rumos da escola, no entanto, ambas as abordagens acabaram por tornar-se essenciais à formação daquela geração de designers a que pertencia Alexandre Wollner:
“A participação ativa nas discussões sobre o significado do design e o comportamento do designer orientou o enfoque de minha função como artista. Na fase brasileira, meus interesses se manifestaram paralelamente entre o designer e o artista concreto reconhecido pelos maravilhosos prêmios de pintura recebidos. Nesse aspecto minha filosofia estava próxima a de Max Bill. Em Ulm, no entanto, comecei a perceber a dualidade dessas funções, bem semelhantes em si, mas com objetivos antagônicos. Embora de igual importância pelo valor criativo, a percepção e a intuição expressas numa tela são pesquisa formal pura, fazem com que a pintura hoje só se comunique com um reduzido público intelectual. O design, no entanto, esta envolvido no processo criativo de comunicação visual mediante a busca e o relacionamento de novos signos que, reproduzidos pela indústria, se fazem presentes na mídia – impressa ou eletrônica – e atingem milhares de pessoas. A experiência intuitiva, assim manifestada por meio das possibilidades cientificas e técnicas, adquire outro significado; envolve responsabilidade social, cultural e econômica, participa da transformação e evolução do comportamento humano. Nesse caso, o autor permanece incógnito, e o produto que carrega importância por seu significado.” (31)
Além de uma relação harmoniosa com os tópicos curriculares, onde conseguiria superar suas dificuldades escolares iniciais com o raciocínio abstrato e matemático ao associá-los a uma aplicação prática imediata, também durante sua estadia em Ulm as experiências extra-muros foram fundamentais para sua formação. Entre as mais importantes seriam os estágios nos escritórios de design de professores como Otl Aicher – um expediente comumente adotado pelos docentes da escola visando complementar a formação prática dos alunos – e de amigos próximos de seus patrocinadores brasileiros, assim como o contato direto com obras da Renascença em suas viagens de férias pela Itália. Particularmente estas obras fascinaram-no profundamente e seriam referência constante no desenvolvimento de sua argumentação a respeito de seu trabalho, invocando aos mestres italianos na qualidade de artesãos e homens de ciência não apenas interessados na criação da beleza, mas também na interação com seu entorno. De forma análoga, as teorias da gestalt, componentes conceituais basilares do programa ulmiano de comunicação visual, vieram a desempenhar forte influência sobre sua relação com o próprio trabalho, como pode ser facilmente verificado pela recorrente referência a seus conceitos nos esforços de conceitualização de seu trabalho no decorrer da carreira. De modo semelhante, as experiências em Ulm também ajudaram a moldar suas afinidades em diversos níveis além do puramente profissional, como pode ser constatado através da orientação de suas preferências referentes a seu convívio pessoal, marcadas pela distância que manteve dos grupos de colegas oriundos de países de língua latina ao priorizar uma maior proximidade aos suíços e alemães, no intuito de aprimorar seu domínio do idioma.
Retornando ao Brasil temporariamente em 1957 e depois, definitivamente, em 1958, realizou no período alguns trabalhos esporádicos, como o cartaz vencedor do concurso para a divulgação da IV Bienal de São Paulo e os feitos sob a encomenda do consulado brasileiro em Berlim para a exposição de arte brasileira na Haus der Kunst. Nesta ocasião, ao retomar a parceria com Geraldo de Barros (32), também se empenhou na elaboração do signo da Equipesca, sua criação mais duradoura e que permanece até hoje como parte da identidade visual da empresa. Seu regresso definitivo seria marcado pela aquiescência ao convite de Niomar Alves Sodré, retribuindo sua intervenção junto à Capes para o incremento da bolsa de auxílio durante a permanência em Ulm, para envolver-se diretamente na criação de uma escola de design no Rio concebida de acordo com os moldes ulmianos ao lado de Tomas Maldonado (33).
As duas décadas seguintes seriam aquelas em que se testemunhariam suas mais importantes conquistas, ao lograr instalar-se e consolidar-se como profissional de renome, envolvendo-se de forma direta em praticamente todas as iniciativas públicas e privadas referentes à promoção da profissão e institucionalização do ensino do design em terras brasileiras. Inicialmente montando o escritório forminform com Geraldo de Barros e Rubem Martins, amigos dos tempos de IAC, além do colega de Ulm, Karl Heinz Bergmiller, cuja vinda para o Brasil providenciou, procurou garimpar seu filão no incipiente mercado nacional. Dentro do rol de possibilidades práticas referentes a suas habilidades e aprendizado, entre comunicação visual e design de produtos, Wollner sempre ateve-se ao primeiro por suas afinidades com as técnicas gráficas e acabou por especializar-se em um quinhão dos mais restritos e inovadores na época, o de identidade visual corporativa.
“O programa de identidade visual (em alemão, Unternehmen Erscheinungsbild; em inglês Corporate Identity Program) estudado e ampliado na HfG ainda era pouco difundido na própria Alemanha, assim como nos Estados Unidos.
O enfoque desse processo estava na elaboração de um signo da empresa agregado ao produto, um signo que a representasse.[…]
Então, quando voltei ao Brasil, encontrei um ambiente ainda insensível a todo esse processo. Tivemos no forminform o cuidado, quando solicitados para um determinado projeto, de esclarecer ao máximo onde, como e com o que poderíamos atendê-los. A expectativa do cliente, por um vício de mercado, era de que o artista apresentasse um variado numero de soluções gráficas, submetendo-os à escolha do solicitante. Dentro dos critérios do design visual, isso é impossível.” (34)
Tanto suas escolhas estilísticas, caracterizadas por uma forte geometrização e simplicidade formal na elaboração dos signos, ao lado de uma preocupação constante com relação ao caráter específico de cada ramo empresarial que será através deles representado, quanto aquelas referentes à própria opção pela identidade corporativa como área de especialização tornar-se-iam os caracteres distintivos de seu trabalho até os tempos hodiernos. Na mesma medida em que seus expedientes de criação foram forjados pela orientação recebida em Ulm, tal opção fora claramente influenciada pelas expectativas formadas em torno da receptividade da indústria nacional a suas propostas, calculadas com relação às possibilidades abertas na atmosfera de incentivo à expansão industrial característica do contexto de seu retorno ao Brasil.
A percepção destas virtualidades veio então a se concretizar em um profícuo período de produtividade para o forminform, em que se destacam os trabalhos de reestruturação gráfica do jornal Correio da Manhã, a criação da linguagem visual para a indústria de conservas de pescado Coqueiro, a adaptação da sigla do MAM-RJ originalmente criada por Maldonado, o signo da Elevadores Atlas e do Colégio Andrews, estando estes últimos ainda em uso atualmente. Todos podem ser considerados exemplos de sua abordagem particular e momentos iniciais da esperada concretização de suas expectativas. Esta aposta inevitavelmente envolvia certa dose de risco, já que os fatores que contribuíram para garantir seu êxito enquanto designer gráfico não necessariamente se replicaram em outras áreas de aplicação do design, como aquela dedicada ao desenho de produtos, caracterizada por uma acirrada resistência do empresariado nacional ao preferir a apropriação de modelos estrangeiros de produção e projeto.
Os anos sessenta seguiriam a inércia deste movimento geral, após sua defecção do escritório forminform, no qual o design era incorporado lentamente ao universo de prioridades da indústria em São Paulo, mas o interesse oficial pelo tema ainda não se fazia notar. Neste período, Wollner continuou a desenvolver projetos de identidade visual para empresas, aprimorando seu estilo e granjeando seu espaço entre uma seleta clientela. Dentre os trabalhos mais significativos deste período podem ser ressaltados aqueles realizados para as empresas Moinho Santista, Metal Leve e Válvulas Hydra, assim como projetos mais arrojados de programação visual como o concebido para as fábricas de móveis Escriba e Probjeto ao lado de Décio Pignatari, com quem desenvolveu um sofisticado sistema de linguagem visual e publicitária em muito inspirado pela estética concretista. Deste conjunto, o exemplar mais representativo de seu método de trabalho típico foi o realizado para a Eucatex. Recuperando no signo criado tanto a inicial denotativa do nome da empresa quanto a especificidade da natureza de sua produção – tratava-se de uma fabricante de materiais de revestimento e isolamento acústico – com referência formal ao labirinto auricular do ouvido humano. Ao lado destas encomendas, sua produção também voltou-se mais uma vez para o mercado de suportes visuais para eventos e empreendimentos culturais. A duradoura relação com a Galeria Sistina de Enrica e Arturo Profili (35) se estendeu por toda aquela década, englobando o tempo de funcionamento da galeria, no qual se responsabilizou pela totalidade de sua produção gráfica, de cartazes a catálogos.
O que caracteriza sua trajetória no decorrer das décadas seguintes (36) é emblemático de um engajamento crescente nas especificidades de sua atuação, enquanto profissional moldado pela formação recebida em Ulm, e do espaço aberto por suas iniciativas no meio empresarial paulista. Portador de uma nova estética e também de uma nova tecnologia até então inéditas no Brasil, originadas em centros que dispunham de possibilidades mais amplas de recepção à sua atividade, sua carreira se pautou pela concentração de seu trabalho nos meios privados de produção cultural e industrial. Também é significativo notar que a recepção inicial a seus projetos obteve relativamente maior repercussão entre áreas muito específicas da indústria nacional, envolvidas no mercado de produção gráfica e editorial e, especialmente, a de mobiliário. Áreas estas onde a sensibilidade com relação a temática do design já havia sido cultivada e a preocupação com a sofisticação estilística da apresentação tanto de seus produtos quanto de sua comunicação visual – e mesmo a familiaridade com os processos envolvidos em sua elaboração e a importância atribuída a sua repercussão entre os clientes – favoreceram a inserção de Wollner e sua proposta (37).
A estabilização de sua carreira verificada a partir de então, é diretamente derivada de sua consolidação e nos oferece um continuum que chega até a atualidade com relativa uniformidade. Assim, alguns de seus projetos de identidade visual de maior destaque (38) no período que recobre as duas décadas seguintes podem ser considerados como indicativos tanto da cristalização de seu estilo quanto de sua consolidação no mercado nacional. Os exemplos mais significativos deste conjunto são os realizados para instituições culturais públicas e privadas, como a Fundação Luisa e Oscar Americano; o Instituto Cultural Itaú; a Universidade de São Paulo, para a qual criou os símbolos comemorativos de seu cinqüentenário e de seu Museu de Arte Contemporânea; para as Indústrias de Papel e Celulose Klabin; para a agência de jornalismo Infoglobo; para as Gráficas Vivox e Ipsis e para as têxteis Hering, Santista e Guaratinguetá; além daqueles trabalhos de repercussão equivalente, frutos de oportunidades conquistadas em clientelas de diversas outras áreas em expansão da indústria: distribuidoras de combustível, destacando-se a São Paulo e Ultragaz; instituições financeiras, como Crefisul, Badesp e Itaú, e grandes lojas de departamentos, como Eletroradiobrás e Arapuã.
Entretanto, seu estabelecimento como um dos principais designers gráficos do país, apesar de caracterizada principalmente por suas realizações em um âmbito profissional viabilizado essencialmente pela iniciativa privada, seria marcada profundamente ainda na década de sessenta por sua participação em um projeto estatal inovador para o ensino superior e definitivo na consolidação da profissão. Sua contribuição para a fundação da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro seria o fruto do compromisso contraído anteriormente com Niomar Alves Sodré para a implantação de uma escola brasileira de design, concebida conforme os moldes da Hochschule für Gelstatung de Ulm, e cujas atividades viriam a ser encerradas no atribulado ano de 1968. Inicialmente vinculada ao MAM-RJ e encabeçada por seu ex-diretor e então Secretário de Cultura do Estado, Carlos Flexa Ribeiro, a Esdi se tornaria a primeira instituição pública integralmente dedicada ao ensino e divulgação do design. Viabilizada por enquadrar-se no plano político do governador Carlos Lacerda na posição de carro-chefe de sua futura campanha à presidência (39), sendo esta marcada por um discurso de forte viés desenvolvimentista, claramente predominante naquela conjuntura. Inaugurada em 1963, seu programa curricular fora formulado por Tomas Maldonado e o enfoque era claramente derivado daquele que proveu a Wollner sua formação.
Sua permanência no corpo docente da escola foi caracterizada por suas posições solidamente apoiadas na proposta de Ulm em referência ao currículo e aos caminhos que deveriam ser tomados para a adaptação de suas idéias a um contexto diverso daquele em que foram originadas. Era evidente para Wollner e seu grupo de discípulos da escola alemã, entre eles Karl Heinz Bergmiller, que a realidade brasileira apresentava peculiaridades que impediam qualquer tentativa de implantação em decalque de um programa disciplinar tão sofisticado, gerado em uma conjuntura socioeconômica e um universo cultural em muito incongruentes com o que se apresentava no Brasil naquele momento. Contudo, sua perspectiva aferrava-se na viabilidade de uma adaptação possível daquele programa e mesmo em sua imprescindibilidade na tarefa de transposição de tais dificuldades estruturais.
Apesar de seu empenho em adequar tal programa às demandas nacionais, profundas dissidências se criaram no interior do grupo formado para a implementação do curso, sendo a principal delas a de partidários de uma abordagem em muito diversa daquela propugnada pelos ulmianos. Esta se concentrava numa proposta dualista, procurando, por um lado, oferecer uma formação cultural orientada pelo ensino acadêmico de Belas-Artes e, por outro, uma formação técnica concentrada na natureza dos procedimentos e matérias-primas. As divergências acabaram por cindir as orientações no interior da escola, mas o modelo alemão do “formalismo técnico” (40) inicialmente prevaleceu sobre aquele, definido por Wollner e seu grupo como “tipicamente francês” (41).
Isto se deu até o momento da ascensão de Carmen Portinho à direção, figura pública proeminente e atuante em diversas frentes do cenário cultural carioca (42), principalmente como diretora do Museu de Arte Moderna, onde envolveu-se diretamente com as duas iniciativas que precederam a fundação da Esdi: o Instituto de Belas Artes e a Escola Técnica de Criação. Como partidária daquela proposta curricular dualista e capitalizando o prestigio de sua posição de precursora, prontamente defendeu e efetivou sua implantação – ademais favorecida pelas circunstâncias do momento, coincidentes com o ocaso da experiência da HfG – o que marcou a saída de Wollner das instâncias decisórias do corpo docente da escola ao final da década de sessenta. A partir deste momento de inflexão, ele voltaria a concentrar seus esforços na carreira profissional e dedicar-se à promoção da atividade em diversas frentes no meio privado, seja através do ensino em instituições particulares ou colaborando na criação de entidades corporativas como a Associação Brasileira de Desenho Industrial. Porém, é justamente no interior das disputas que configuraram o trajeto da Esdi que Alexandre Wollner tem a oportunidade de estabelecer seu primeiro contato com outra figura proeminente no design gráfico brasileiro.
Aloísio Magalhães nasceu em Recife e foi criado no interior de uma tradicional família pernambucana de sólida inserção política na região, inaugurada pelo avô, deputado federal em 1914, e mantida pelo tio.
“O velho Agamenon, meu tio, na época dele era um homem de uma grande influência. O mais interessante no caso é que eu o acompanhei muito jovem, porque ele morreu muito moço. Isso teve sem dúvida uma importância muito grande, mas a importância maior era a relação entre meu pai e meu tio. Meu pai era um homem mais inteligente que o Agamenon. Era um homem de ciência, fantástico, aberto, liberal, um homem que, no dia em que o Estado Novo foi implantado, pediu demissão da faculdade. Era diretor da faculdade de Medicina, sendo o irmão Interventor.[…]” (43)
Estas seriam as figuras que teriam forte influência na configuração particular de sua formação, polarizando-a ao redor destes modelos, a seu ver, um tanto incompatíveis. Sendo privilegiado por uma educação formal comum às elites da região, na qual delineou um percurso marcado por poucos reveses, mas tampouco brilhante, Aloísio Magalhães acabou por orientar-se no interior de uma trajetória escolar tradicional, tendo de acomodar suas aspirações artísticas ao espectro de possibilidades oferecido pela pertença a uma família de tal projeção pública e delimitado pelas constrições oriundas das expectativas com relação à manutenção de seu prestígio. Não possuindo os pendores científicos do pai e não lhe sendo oferecida a oportunidade de dedicar-se integralmente ao desenvolvimento de seu talento artístico, iniciado pela introdução ao mundo das artes e aos valores culturais mais elevados que é típico daquela formação humanista-universalista na qual encontrava-se imerso, decidiu-se pela satisfação parcial das expectativas familiares através do direcionamento de sua trajetória acadêmica na escolha do bacharelado em Direito.
É justamente no ambiente da Faculdade de Direito do Recife que vai se envolver com um grupo de colegas cujas experiências na vida universitária se conformaram em um projeto cultural inédito no panorama mais amplo da capital pernambucana.
“O Teatro do Estudante de Pernambuco foi criado por estudantes da Faculdade de Direito do Recife, da turma que ingressou em 1946. Dois desses estudantes, Hermilo Borba Filho e Gastão de Holanda já haviam alcançado certo status como jornalistas ao ingressarem na Faculdade. Hermilo, ficcionista e dramaturgo, tornou-se o líder natural do grupo, o qual sob a sua liderança virtualmente norteou a vida cultural do Recife após a II Guerra Mundial. Dentro do TEP, José Laurênio iniciou sua carreira como tradutor, enquanto Aloísio Magalhães respondia pelos cenários e figurinos das peças. […]” (44)
Assim, é como um artesão, trabalhando nos bastidores nos empreendimentos de um grupo encabeçado por jovens aspirantes à consagração intelectual que Aloísio Magalhães vai encontrar as primeiras oportunidades de aplicar de forma prática suas habilidades artísticas, já previamente forjadas através de uma produção pictórica modesta. É de fato significativo que suas experiências seminais com uma forma de expressão artística diversa daquela a que estava habituado, sendo estas suas primeiras incursões no terreno das artes aplicadas, tenham se dado em um contexto de coadjuvância e de forte caráter artesanal, algo que em muito ajudará a moldar sua relação com este universo em suas realizações futuras.
Investindo, a partir de então, de forma mais séria em sua carreira artística, a qual havia sido sustentada por uma produção pictórica rarefeita, contabilizando algumas gravuras e aquarelas realizadas no ateliê montado em parceria com Reynaldo Fonseca, decide partir em direção a Paris em 1951 com o auxilio de uma bolsa, fruto da indicação do amigo e futuro diplomata Wladimir Murtinho. Durante sua permanência no Atelier 17 do gravador Stanley Hayter obterá um aprendizado mais refinado das técnicas e recursos expressivos que permitirão a lapidação de seu talento, resultando também em sua especialização na gravura e ilustração como suportes preferenciais. Enquanto nutria sua afinidade com as artes plásticas através de constante atualização em relação às vogas internacionais e se envolvia ativamente nos círculos promotores e produtores de cultura na capital pernambucana, Aloísio Magalhães procurou empreender um contato mais íntimo com a produção artesanal regional, em uma iniciativa comum a intelectualidade local, ávidas em promover o “resgate” dos elementos da cultura popular ao posicionarem-se como suas protetoras, postura derivada do modelo de preservação cultural já solidificado pelos modernistas na primeira metade do século XX (45). Movimentando-se constantemente em um eixo que compreendia viagens regulares ao exterior, nas quais procurou aprimorar suas habilidades artísticas com mestres como Hayter, e excursões ao interior do estado, nas quais buscou aprofundar seu contato com a cultura popular, estas experiências acabaram por formatar sua relação com as artes de modo a marcá-la indelevelmente com a preocupação perene de conciliar tais influências em vários níveis de sua produção.
De volta ao Brasil de forma definitiva em 1953, continuou a dedicar-se à pintura e à gravura de forma irregular, delineando um percurso pontuado por surtos criativos interrompidos por momentos de total improdutividade, suficiente, no entanto, para se firmar no cenário artístico local como um jovem e promissor artista plástico. Porém, é neste momento que seu debut no universo profissional do design gráfico se dará, através de outra forma de atividade artesanal também realizada coletivamente. Em meados de 1954, junto a um grupo de artistas, intelectuais e artesãos interessados na produção gráfica no âmbito editorial, inauguram o ateliê O Gráfico Amador. Um empreendimento de repercussão nacional, em muito derivada de fatores como o renome e peso dos autores e obras publicadas ou mesmo o apoio proveniente das parcerias firmadas com editoras estrangeiras como a Le Courier Graphique e a Curwen Press. Este empreendimento de artes gráficas de forte inclinação experimental, formado por Aloísio, José Laurênio de Melo, Orlando da Costa Ferreira e o colega de tempos de TEP, Gastão de Holanda, anunciava como sua finalidade a publicação em tiragens limitadas – algo característico ao esquema produtivo de tipo artesanal que se propuseram a adotar – de textos literários curtos, especialmente de poesia.
Tal experiência foi decisiva para sua inserção naquele universo ainda restrito de atividades, o que ainda não significaria uma ruptura completa com a produção artística “pura”. A persistência de sua dedicação ao que para ele ainda se apresentava como apenas um universo expressivo entre outros, traduziu-se em conquistas importantes e que culminariam em sua primeira exposição individual em Nova York, no ano de 1957, e outra no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no ano seguinte, momento em que estabeleceria seus primeiros contatos com sua diretora, Niomar Alves Sodré. A estadia na metrópole norte-americana, por sua vez, marcaria a transição – jamais definitiva, sempre caracterizada por oscilações entre um terreno e outro – de sua carreira para um período de ênfase maior no design gráfico, ao qual passou a se dedicar de maneira integral por ocasião de um estagio no escritório do designer e tipógrafo americano Eugene Feldman, com quem colaboraria em um ambiente técnica e profissionalmente mais sofisticado oferecendo um complemento adequado ao aprendizado de forte orientação artesanal já adquirido no âmbito d’O Gráfico Amador.
Seu retorno ao Brasil coincidiu com o encerramento das atividades do ateliê pernambucano, o que lhe permitiu aceitar o convite da diretora do MAM-RJ para encabeçar uma oficina de tipografia nas dependências do museu. Esta iniciativa estava vinculada diretamente ao projeto mais amplo de instalação do curso de design na instituição e procurava promover atividades de natureza prática e teórica no intuito de introduzir os participantes aos temas básicos do design gráfico, preparando um contingente qualificado para compor a primeira turma do futuro curso, germe do que viria a ser a Esdi.
Simultaneamente, a mudança de Aloísio para a capital carioca definiu inevitavelmente um envolvimento mais profundo com o design, escolha já deflagrada por suas experiências no escritório de Eugene Feldman, e que seria demarcado tanto pelo comprometimento nas atividades pedagógicas da Escola de Tipografia do MAM quanto pelas atividades profissionais desenvolvidas ao lado de Luiz Fernando Noronha e Arthur Lício Pontual, dois outros designers autodidatas, em um escritório que iniciou suas operações em 1961. Neste empreendimento, acabaram por concentrar-se no filão da identidade corporativa, setor em que as possibilidades criativas e comerciais eram consideradas mais amplas e no qual puderam satisfazer anseios muito comuns aos designers da época, referentes às potencialidades inscritas na expansão da indústria nacional. Para Aloísio, a descoberta do design gráfico como recurso expressivo compreendia também uma participação nas exp
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