Ano: III Número: 35
ISSN: 1983-005X
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O moderno nas Casas Bahia

Ethel Leon

Uma das questões mais difíceis de compreender é o gosto e suas alterações. Como se estabelecem as preferências, como se configuram as mudanças, quem são seus protagonistas, em que esferas surgem, como se desenvolvem.

Estamos assistindo de poucos anos para cá a modificações substantivas nos padrões de gosto que requerem muita atenção. Embora não tenha sido propriamente tematizada, a problemática do gosto esteve presente em muitas das falas do seminário Design público e consumo popular, organizado pela Facamp nos dias 9 e 10 de novembro, em São Paulo.

Em especial, o professor Antonio Franco, consultor de grandes indústrias de móveis destinados à classe C, mostrou com clareza a grande transformação operada nos últimos 20 anos.

O fato é que as cerca de 300 grandes empresas que vendem para redes de varejo como Casas Bahia, Ricardo, Marabraz e outras, abandonaram matérias-primas que exigem trabalho artesanal e adotaram materiais industriais propriamente ditos, como aglomerados, MDF, PVC e outros; adotaram o sistema flat pack do móvel desmontado e também incorporaram designers nas indústrias, tudo em favor da alta escala e da produtividade.

Pois bem, isso transformou radicalmente os móveis vistos em cadeias de lojas populares.Nada de frisos, dourados e ornamentos. A moda dos grandes magazines privilegia superfícies retas, cores sóbrias, espaços modernos.

Interessante, então, pensar no que Yvonne Mautner não cansa de repetir sobre a fala de Michel Arnoult, designer e industrial brasileiro que, com grande tenacidade, perseguiu a possibilidade de projetar e fabricar bons móveis com desenho econômico para grandes camadas da população brasileira (ver entrevista inédita de Arnoult na seção Ensaios). “Como se pode falar em gosto popular, se as grandes lojas só expõem um tipo de mobiliário?”, argumentava Arnoult, e insiste Yvonne Mautner. 

Basta uma rápida visita a lojas populares para ver que esse gosto atribuído como essencial dos compradores das classes C ... mudou. O moderno adentrou e se instalou nas casas Bahia, vejam os folhetos nos jornais de domingo.

Esse novo gosto já vinha anunciado pelas empresas de eletrodomésticos. Algumas delas passaram a utilizar,há poucos anos, tinta imitando aço inox em geladeiras e fogões destinados a consumidores de baixa renda que queriam, segundo o marketing destas empresas, igualar-se ao público A.

As reações tenderiam a vir, rapidamente, é claro. Um passeio e lojas chiques de decoração e agora também a lojas que atendem os públicos que os institutos de pesquisa de consumo denominam como AB e B revela que se espalhou uma vertente de móveis e objetos neo-rococó ou neo-barrocos ou ainda ‘étnicos’ e rústicos, em diversas modalidades.

Trata-se da fuga, certamente, de qualquer semelhança com o gosto dos outros, isto é, dos pobres. Talvez aí esteja se operando uma tática de distinção social, que precisaria ser confirmada por pesquisa.

A ironia extrema dos primeiros designers pós-modernos - de enfatizar ornamentos rebuscados, partindo para o ecletismo que denunciava o caráter autoritário e elitista do moderno - foi para o beleleu. Destituído de suas intenções críticas, o preciosismo decorativo tornou-se moda, na celebração de diversidades de gosto e no caráter camaleônico de tantos materiais usados na antes tradicionalista indústria de móveis e objetos para casas.

OK, tudo isso já acontecia, de maneira pulverizada nos mercados saturados da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. Hoje, com a ascensão da classe C, essa migração do gosto - espécie de mão dupla em que os ricos retornam a historicismos tresloucados, enveredando pelo ecletismo que abusa dos novos materiais para reconstruir formas passadas; enquanto os pobres aderem à sobriedade moderna - está no Brasil.

Debaixo de nossos olhos, os novos gostos nos interpelam mais uma vez sobre a modernidade que, entre nós, ainda guarda bem mais do que sombras do escravismo colonial.

 


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