Ano: I Número: 10
ISSN: 1983-005X
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Breves notas sobre inovações sociais solidárias
Roberto Bartholo

Richard Rorty (1931- 2007) é um dos mais influentes filósofos progressistas modernos da América. Para ele, a boa filosofia e a boa política requerem uma abordagem marcadamente anti-fundamentalista. Nessas breves notas ouso considerar inovações sociais estabelecendo conexões com uma perspectiva rortyana. Ao fazer isso, busco qualificar um tipo específico de inovação social, as inovações sociais solidárias.

Essa é uma perspectiva que creio ser coerente com as proposições expressas por Rorty em "Method, Social Science and Social Hope" (1983), afirmando que o mais importante desafio colocado diante dos cientistas sociais contemporâneos é revigorar o papel e a contribuição das ciências sociais para ampliar e aprofundar nosso senso de comunidade (pp. 203-4). Rorty convoca-nos a não seguir o caminho daqueles que enfatizam os aspectos sombrios das ciências sociais (a saber: sua colocação a serviço da sociedade disciplinar e seus instrumentos de dominação e controle), mas sim a dedicarmos nossas energias à tarefa positiva de alargar a solidariedade (p. 203).

As inovações sociais abrangem um campo muito mais amplo de possibilidades do que o tipo específico das inovações sociais solidárias. As inovações sociais em geral referem-se a novas estratégias, conceitos e métodos para atender necessidades sociais dos mais diversos tipos (variando de condições de trabalho a lazer,de educação a saúde) e referindo-se tanto a processos sociais de inovação como a inovações de interesses e também ao empreendedorismo de interesse social como meio de inovação. 

Minha proposta nesse texto é dar atenção a inovações sociais de um tipo específico. Proponho que as inovações sociais solidárias sejam entendidas a partir de uma dupla determinação. Do lado positivo, ou seja, desde a perspectiva daquilo que se pretende ver afirmado com elas, elas são comprometidas com a ampliação e o aprofundamento de nosso senso de comunidade. Do lado negativo, ou seja, desde a perspectiva daquilo que não se pretende ver afirmado com elas, elas são comprometidas com evitar a crueldade, “a pior coisa que fazemos”, como expressa Judith Shklar 1. a contingência da linguagem implica que não estejamos presos aos vocabulários de nossos ancestrais e que a inovação possa ser o instrumento principal da mudança política e cultural.

2. somos formados e informados por interseções de comunidades de discurso e prática.

3. não há resposta para uma descrição que não seja uma redescrição (e tampouco há resposta para uma redescrição que não seja uma re-redescrição).  

Para Rorty solidariedade não é um fato a ser reconhecido, mas sim uma meta a ser atingida. Solidariedade não se deixa reter no enquadramento de um vocabulário cristalizado, fixo. Portanto as inovações sociais solidárias não conhecem regras fixas a seguir. Tampouco é em razão de nossa capacidade humana de pesquisa que atingimos solidariedade. Não a pesquisa, mas sim a imaginação é o principal instrumento da solidariedade. É nossa humana capacidade de imaginação que nos habilita a ver outras pessoas como alguém que podia ser eu. É um posicionamento imaginado que me permite ver o mundo com outros olhos, percebendo nessa visão outras verdades. Nesse processo não descobrimos solidariedade, mas sim criamos, pela ampliação e aprofundamento de nosso senso de comunidade para com necessidades e sofrimentos de estranhos, de pessoas a quem verdadeiramente não conhecemos. E esta sensibilidade é também a experiência de um limite: o reconhecimento de que a crueldade é a pior coisa que podemos fazer. Evitar a crueldade e conceber outras pessoas como um de nós é uma realização que depende de nossa sensibilidade para descrições feitas por pessoas que nos sejam estranhas servirem como insumos de redescrições de quem nós somos.

Minha proposta é que as descrições e redescrições rortyanas podem ser ferramentas convivenciais intelectuais de inovações sociais solidárias. E que elas podem servir de suporte para alimentar plataformas dialogais tecno-científicas habilitantes de iniciativas socialmente inovadoras. Plataformas habilitantes para o empenho de “mudar a mudança” em meio à qual vivemos. Dizer isso implica reconhecer que o código de acesso para nossa possibilidade de “mudarmos a mudança” não é um artefato técnico, mas que o artefato técnico pode ser uma ferramenta que potencialize essa possibilidade. Essa é a premissa básica da proposta de criação do “Instituto Virtual de Inovação Social” – Ivis como ferramenta do setor de Inovação Social da Agência de Inovação da Ufrj.

 Uma última observação a ser feita diz respeito às implicações para o aprendizado do anteriormente exposto. Ou, em outras palavras, qual perspectiva filosófica é subjacente ao projeto pedagógico do Ivis.

Solidariedade é uma invenção que pode ser efetivada por inovações sociais. Mas também uma meta a ser aprendida seguindo-se um percurso indeterminado. Não há via única para a solidariedade. Os caminhos da solidariedade são situacionais. A possibilidade de segui-los é conseqüência da criação humana e do aprendizado.

Como enfatiza Russell Ackoff,  não aprendemos fazendo algo certo. Fazendo algo certo temos uma confirmação do já sabido. Essa confirmação pode ser muito valiosa por um conjunto de outros motivos (inclusive pela reafirmação de compromissos éticos), mas nem por isso ela per se significa conhecimento novo.

Igor Stravinski afirmou: “aprendi ao longo de minha vida como compositor principalmente através de meus erros e seguimentos de falsas suposições”.

Podemos dizer que nossos erros são pontes dialogais com o desconhecido. Mas a travessia de tais possibilidades comunicativas é uma tarefa arriscada. Podemos identificar dois tipos básicos de erros. O primeiro deles é fazer algo que não devia ser feito. O segundo é não fazer algo que devia ser feito. Os erros de omissão são geralmente os mais críticos. Organizações e escolas entram em decadência e morrem muito mais frequentemente devido ao que não fizeram do que ao que fizeram. Na base do projeto pedagógico subjacente ao Ivis deve estar a aceitação de riscos de cometer erros (e com eles aprender evitando a omissão).

O reconhecimento das contingências da linguagem, da identidade e da comunidade implica também o reconhecimento da impossibilidade de sabermos com certeza antecipadamente que redescrição de nós mesmos vai estar em nossos corações, bocas e mentes ao fim de uma aventura de aprendizado de inovações sociais solidárias.

Como Ivan Illich já nos alertou décadas atrás 10 a 12 de julho de 2008. Changing the Change foi uma conferência de pesquisa em design que se propôs a reunir contribuições na linha de inovações sociais para a sustentabilidade. Ou seja, trata-se de um recorte muito particular do campo do design, em que as inovações não se referem às ‘novidades’, realizadas freneticamente pelas empresas mundo afora, aliás, prática rigorosamente questionada, mas ao desenho de produtos/sistemas que apóiem práticas sociais inovadoras, e que resultem em ações para a sustentabilidade sócio-ambiental.

 

Roberto Bartholo é economista, mestre e doutor em engenharia de produção pela Coppe/Ufrj. Autor de Passagens ensaios entre teologia e filosofia (Garamond, 2002) e Você e eu: Martin Buber, presença e palavra (Garamond,2001). Desenvolve pesquisa em torno de desenvolvimento sustentável e coordena o Ivis, Instituto Virtual de Inovação Social da Ufrj.

 

 

 

 

 


Comentários

alexis cavichini
30/10/2008

Brilhante artigo.

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