Ano: IV Número: 37
ISSN: 1983-005X
Detalhar Busca





Rio 2016, marcas à prova de bolas fora

Bruno Porto

Geralmente morosos, inclusive para a classe dos designers, os primeiros dias de 2011 foram agitados pelas reações, entre elogios e críticas, à marca dos Jogos Olímpicos Rio 2016, lançada durante a festa de Reveillon carioca.

Os elogios vieram de pessoas comuns – “leigas”, no sentido de não possuirem maiores conhecimentos dos processos do design – que gostaram da aparência da marca; da vitalidade das suas cores; dos conceitos de solidariedade e harmonia que os bonequinhos de mãos dadas transmitem; da divertida transformação do Pão de Açúcar em ciranda, e outras.

Dos designers profissionais, os elogios vieram pelo pregnante resultado final, em especial antevendo um bem desenvolvido diálogo entre as aplicações bi e tridimensionais da marca – que remete ao resultado obtido por Aloísio Magalhães em 1965 com o reverenciado símbolo do 4° Centenário do Rio de Janeiro – e pela clara associação entre as formas curvilíneas do símbolo e seus tipos originais.

Os elogios de muitos profissionais vieram também pelo eficiente resultado obtido através de um processo transparente e aparentemente digno em todas as fases desta competição, remunerada, ainda mais após a ‘oportunidade desperdiçada’ – usando o título da excelente análise de João de Souza Leite em http://adg.org.br/blog/blog/copa-do-mundo-2014-oportunidade-desperdicada/ – que foi o resultado da marca da Copa do Mundo 2014.

Já as críticas vieram de leigos e profissionais desapontados por sua aparência – afinal, gosto não se discute – ou pela ausência de elementos que acreditam serem mais adequados ao evento, ambos a reboque de equivocadas acusações de plágio. “As semelhanças apontadas com outras marcas são irrisórias – e nem mencionemos as obras de arte, que pertencem a um universo muito diferente do design: ainda que se quisesse, num tema tão trivial como a dança de roda, imaginar uma referência, não se poderia falar de plágio”, descartou o designer Rodolfo Capeto, diretor da ESDI - Escola Superior de Desenho Industrial.

Se por um lado é até compreensível (mas não aceitável) que leigos – tanto em design como no que consiste plágio – enxerguem semelhanças e se manifestem desta maneira em tweets, posts e comentários em blogs ou jornais online, é vexaminoso quando designers o fazem. “Sou designer formado há cinco anos e para mim isto é claramente plágio”, como cheguei a ler, é um retrato do absurdo causado por instituições de ensino deficientes somadas aos abusos que a democracia online permite. Ainda mais quando a opinião de alguém que a princípio entende do riscado (de qualquer riscado, como quando um motorista de ônibus opina sobre o impacto do sistema de Bilhete Único nos transportes municipais) tende a ser levada mais em consideração do que a de alguém menos credenciado, independente de sua personalidade ou educação. Ao expressar sua opinião sem qualquer rigor técnico, o designer muitas vezes presta um desserviço à própria profissão.

Mesmo assim, quão válido é o legado deixado por estas opiniões? No bem humorado artigo “OMG! The Internet Hates Your Logo” (Oh Meu Deus! A Internet Odeia Seu Logo) http://www.hexanine.com/zeroside/omg-the-internet-hates-your-logo/ o designer norteamericano Tim Lapetino, sócio do escritório Hexanine e membro da diretoria da AIGA Chicago, analisa o frenesi causado internet afora quando um logo é rejeitado. Ele questiona a relevância destes comentários inicialmente com base tanto na qualidade do próprio comentário como dos sites onde são veiculados. Sendo bastante prático, ele pondera também se as pessoas que estão descontentes representam o público alvo da sua marca, citando recentes casos de redesign de logotipos como da rede de coffee shops Starbucks (noticiado poucos dias depois do lançamento da Rio 2016), da grife Gap (alguns meses antes) e da liga esportiva Big Ten Conference, entre outros tão ou mais desconhecidos no Brasil.

Um ponto também a ser levado em consideração é que quanto maior for a identificação com uma marca já existente, ou com o que uma marca nova passa a representar, maior também a possibilidade de rejeição inicial – mesmo que a marca seja técnica e conceitualmente eficiente. A intervenção na representação de algo que percebemos como nosso – “minha grife”, “minha cidade” – quase sempre sem nossa participação, é vista como uma invasão dos nossos valores pessoais.

Assim como com a marca da Copa do Mundo 2014, não foram apenas os brasileiros que debateram a também internacional Rio 2016. A mídia estrangeira noticiou o lançamento da marca, que também teve seu quinhão de elogios, críticas e acusações de plágio, porém sem o mesmo fervor brasileiro. O mesmo acontecera com a polêmica marca dos Jogos Olímpicos Londres 2012 (da Wolff Ollins) que gerou mais protestos, ameaças e petições para um redesenho (com até 50 mil assinaturas) na Inglaterra do que no resto do mundo. Apesar da participação mundial, o evento esportivo de 2012 “pertence” aos ingleses, como os de 2014 e 2016, aos brasileiros.

Isso se altera quando não possuimos empatia com o que algumas marcas representam. Desta forma, é impossível não apreciar o sistema de identidade visual da Big Ten Conference criado pela Pentagram http://www.fastcodesign.com/1662945/why-do-college-sports-fans-hate-the-big-tens-smart-new-logo, ou a estratégia por trás do novo logo da Gap, desenvolvido pela equipe da Laird & Partners – que já vinha trabalhando com a empresa há alguns anos, aos poucos inserindo a tipografia Helvetica no universo da marca (como pode ser visto no documentário de Gary Hustwitt). Ambos os projetos resolvem problemas conceituais de comunicação e de aplicação das marcas anteriores – mas são recebidos a paus e pedras por aqueles que já se acostumaram com aquelas representações visuais como intrínsecas às suas vidas.

O fato do Starbucks estar se instalando há poucos anos no Brasil fez com que as análises, protestos e críticas apaixonadas tenham sido muito menos intensos que nos Estados Unidos: no máximo, brincou-se que “a nova marca do Starbucks é plágio da Elba Ramalho fazendo ginástica”, em uma analogia às pífias acusações à da Rio 2016. Faltou aos críticos isenção para analisar os planos de expansão da empresa, cuja identidade trilha um caminho semelhante a Apple, Nike e mesmo HeartBrand da Unilever – a marca-coração que substituiu o K da Kibon (da Cauduro Martino) há pouco mais de uma década – em que o símbolo predomina sobre o nome ou mesmo sobre o tipo de produto comercializado.

As mudanças de marca da própria Kibon, assim como da rede de lanchonete Bob’s (em 2002 pela Valéria London Design), foram muito criticadas no Rio de Janeiro, onde ambas as empresas nasceram, mas relativamente bem assimiladas no resto do país. Hoje em dia, no entanto, nenhum sinal relevante de incômodo – em especial com o Bob’s, que desde então multiplicou suas lojas por todo o país, criando mesmo alguns pontos no exterior.

Isso ilustra um dado doloroso para o ego de alguns designers: as pessoas dizem se importar sobremaneira com um logo mas, no final das contas, isso não acontece. A verdade é que se acostumam com ele, além do que outros fatores como o preço e a brand experience (ambientação, comodidade, o serviço etc.), sem esquecer do produto em si, são mais importantes. Apesar de suspirar nostalgicamente pelos caracteres originais do logotipo da década de 1970 do Bob’s, nunca cogitei boicotar seu milkshake de Ovomaltine. Como conclui a designer sênior Ivana Martinovic da filial australiana da Landor Associates (na análise ‘What’s in a name’ sobre o Starbucks no blog da sua agência), “nos últimos anos compreendemos que pode-se tascar o que quiser numa marca, pode-se até fazê-la dançar e falar, pois o importante é o que está dentro”.

Mesmo a bem sucedida reação nacional contra a tentativa de mudança da popular marca BR da Petrobras (desenvolvida nos anos 1970 na PVDI por Aloísio Magalhães e Joaquim Redig, e consolidada em 1982 na mesma PVDI por Rafael Rodrigues), em 2000, só aconteceu por que a proposta da Und Design alterava também o nome da empresa (para Petrobrax). Na ocasião, como de costume, repórteres do país inteiro estenderam seus microfones a todo tipo de especialista ou a quem quisesse opinar qualquer coisa sobre o assunto, como políticos e funcionários de postos de gasolina.

Esta é uma atitude que, voltando à marca Rio 2016, revela quão despreparada é uma grande parcela não só dos designers mas principalmente dos profissionais de jornalismo, quando o assunto são aspectos mercadológicos e políticos de design.

Este – seja no papel de repórter ou já como editor – absorve manifestações que interpreta como “a voz da sociedade” e, na ânsia por leitores, comentários e pageviews, dissemina equívocos, quando o que deveria fazer era buscar entender as informações relativas ao processo do projeto (neste caso, o briefing, as etapas, o desenrolar do concurso, outros casos semelhantes no país e exterior, as precauções tomadas junto a especialistas em direito autoral), consultar fontes adequadas para tecer comentários e interpretar as informações para o público leigo.

Porém, quando o tema é design, raras são as vezes que o jornalista sabe a quem se dirigir – o que não me espanta, dada a bizarra composição do júri da marca da Copa do Mundo 2014 – e raríssimas quando sabe o que perguntar. Em vez disso, reproduz-se o press-release, buscam-se comentários em blogs, convoca-se um amigo do primo do vizinho que calha ser designer, ou afins, como ilustrador ou cartunista.

O jornalismo online então, que prioriza agilidade e textos curtos, mais parece seguir a mesma lei do “atire antes, pergunte depois” tão criticada quando aplicada pela polícia. Esse despreparo (ou para muitos, ganância) editorial se agrava quando o jornalista assina ou colabora em um dos muitos blogs opinativos hospedados no site do próprio jornal onde trabalha. Este contexto ciber-geográfico do blog muitas vezes confunde a cabeça do leitor que nem sempre é capaz de separar um fato jornalístico, apurado e imparcial, de uma ‘simples’ opinião de um sujeito que “por acaso” exerce a profissão de jornalista. Como diferenciar os dois, se são apresentados nos mesmos suporte e layout?

Ao noticiar os resultados dos últimos três concursos de design para marcas de eventos esportivos no país – o Pan2007 (da Dupla Design), a Copa do Mundo 2014 (da agência África), as Olimpíadas Rio 2016 (da Tátil Design de Ideias), e mesmo para as campanhas do Rio de Janeiro como Cidade Candidata em 2004 (da UNIDESIGN) e 2016 (da Soter Design) – a cobertura dos veículos esportivos foi particularmente medonha, com honráveis exceções. Talvez por estarem habituados a um meio onde o subjetivismo de cada torcedor, atleta e comentarista equivale à sua verdade pessoal, os jornalistas se sentem à vontade e abrem espaço para que eles mesmos, e qualquer um, dêem seus pitacos sobre um assunto que nem de longe dominam. Justificados pela máxima da “Pátria de Chuteiras”, tal qual quando o presidente do país, seja o Médici ou o Lula, opina sobre a escalação da Seleção Brasileira.

Se no esporte opinião é praticamente notícia, o mesmo não se vê em outras áreas. Que jornalista se arriscaria a comentar o Wikileaks ou a quebra de Wall Street de 2008 se não fosse profundo conhecedor de Economia ou Política? Como gostar muito de cinema não capacita você a apresentar a premiação do Oscar, amar e entender de esportes não transforma ninguém em especialista em tudo que se relaciona a eles. O único paralelo que consigo pensar seria convidarem o designer Fred Gelli para ser comentarista de futebol nas Olimpíadas por gostar de jogar bola e sua agência ter sido responsável pelo design da marca Rio 2016.

É possível que alguns jornalistas até acreditem honestamente estar promovendo um debate ao registrar as diversas vozes, mas não é isso que acontece no final da partida, quando ganha o suposto debate quem berra mais alto, ou quem consegue mais espaço na mídia. As vítimas deste “atire antes, pergunte depois” ficam sendo a reputação das agências de design e dos próprios órgãos ou empresas que contrataram seus serviços, sem falar nas cabeças que – metaforicamente – rolam, além do prejuízo causado quando o cliente volta atrás (como nos casos Gap e Petrobrax).

Não é o caso, obviamente, de colocar projetos de design acima de críticas e mesmo reavaliações – muito pelo contrário, vide a marca da Copa do Mundo 2014 – mas de modificar a forma como isso vem sido feito publicamente. Isso demanda esforços para melhor formar nossos profissionais de comunicação – tanto jornalistas como designers – tão importantes para a existência de uma “cultura de design”, o que evitaria um círculo vicioso, já que projetos capengas me parecem consequência justamente da confusão que se instala nas cabeças de quem compra e vende design.

. . . . .

Bruno Porto é designer gráfico com pós-graduação em Gestão Empresarial/Marketing, educador e consultor. Autor de três livros de design, atualmente integra o Conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil e o Conselho de Ética da ADG Brasil, tendo sido seu diretor e coordenador entre 2002-2006. Professor no Centro Universitário da Cidade (RJ) entre 1996-2006,  vive em Xangai há quatro anos e leciona no Raffles Design Institute. www.brunoporto.com

 


Comentários

Rafa Mattos
11/02/2011

Parabéns professor, reiterar sua opinião seria chover no molhado, provando-se completamente desnecessário o comentário. Resta-me dizer que lamento ter tido tão poucas aulas com você na faculdade, e que sua rigorosa cobrança certamente fez de mim um designer muito melhor. Que outros aspiras tenham a mesma sorte que eu. ;D

Rogério Marçal
09/02/2011

Realmente a polêmica e as opiniões sem base, sem conhecimento do contexto, se multiplicam. E fica parecendo que a imprensa e os "do contra de plantão" estão por aí, só urubusando, esperando o circo pegar fogo. Não importa o trabalho, pesquisa e desenvolvimento dos profissionais da área, parece que algumas pessoas simplesmente ignoram isso, e aprovam as propostas só por gosto pessoal (ou afinidades pessoais) enquanto outros desaprovam só, e justamente só, para serem do contra, por puro esporte e alegria de bater de frente e contestar, confrontar, questionar e criticar, sem mesmo saber argumentar. Sabe o que é pior disso tudo? É que a polêmica toda que se cria em torno disso tudo gera uma expectativa com um mix de "estou doido pra ver como vai ficar a marca tal, é uma boa oportunidade... deve ficar bem legal" com "ah tá, lá vem mais uma proposta de marca que não gostaremos e teremos que engolir" e isso é péssimo. Ao menos eu não sabia o que esperar, e estava torcendo por um resultado que pudesse surpreender. Por minha alegria, e na minha opinião, foi um caminho bem acertado, pois tem uma pregnância e relevância ótima, possibilitando ótima versatilidade nas aplicações, além de ser como o povo carioca e brasileiro, descontraído e expontâneo, e coisa que o esporte representa, dinâmico, flexível, vivo! É uma pena uma enxurrada de comentários de leigos e/ou de formados desenformados, mas creio que conviveremos com isso por muito tempo... rs. Infelizmente.

Freddy Van Camp
09/02/2011

Grande texto, Bruno. Falou e disse!!!

Juliana Butteri
09/02/2011

nossa, excente texto!! realmente muito bem escrito. Vc fez uma ótima fundamentação. e quanto ao leitor que reclama da "falta" de imagens, tá na hora de começar a estudar e estudar, ter bagagem cultural é fundamental em qualquer área, principalmente em uma que se trabalha com imagem.

Gustavo
09/02/2011

Mesmo se não tivesse imagens, foi o melhor texto que já li sobre esse bafafá todo das críticas em relações a marcas, etc. Só deveria ser composto em outra fonte e um tamanho maior por padrão (é um saco ficar dando zoom) para ficar mais legível, pois se trata de um texto relativamente grande em se tratando do meio internético. Palavra de designer e usuário. Parabéns pelo texto. Vou divulgar no twitter. p.s.: Quero sua crítica sobre a pífia entrevista na globonews, veja: http://espaco.com/design/porraglobonews-voces-estao-difamando-o-mercado-2/comment-page-1/#comment-38873

Orlando Simões
08/02/2011

Fico feliz de encontrar pela ciberespaço uma opinião como a minha sobre o caso dos comentários a respeito da amrca Rio 2016... Muitos amadores profissionais comentando o que não sabem e muitos profissionais comentando do que sabem mas com pura dor de cutovelo... Se você me permite eis um texto meu sobre o mesmo caso: http://www.pontozero.net.br/design_rio2016.php Desde já parabenizo pelo ótimo texto. Site devidademente "favoritado"

Bruno Porto
08/02/2011

Boa sugestão, Arthur, obrigado. As imagens, estão lá no alto (mas os links sempre estiveram no texto).

Arthur
31/01/2011

         Se está-se falando de tanto de marcas, logos e designs, a meu ver, essencial seria ilustrar os textos com imagens dos exemplos citados. Ou, no mínimo, oferecer ao internauta leitor links com notícias e fotos a respeito dos outros casos citados no texto em questão.

Envie um comentário

RETORNAR