Como arrumar estantes? Ou como o design dos livros atrapalha...
Ethel Leon
Provavelmente os leitores já passaram pela mesma experiência que eu, algumas vezes na vida: a dificuldade de organizar e arrumar livros.
O problema começa com o espaço. Livros parecem multiplicar-se como pães cristãos. Planejamos uma capacidade ociosa nas estantes e calculamos um crescimento de, digamos 10 a 15 por cento ao ano em número de volumes. Mas o crescimento não é assim, ordenado. Em certos períodos da vida, a biblioteca cresce muito mais, em direções não planejadas. Um autor descoberto e apaixonante, uma disciplina nova idem, um hobby e lá se vão centímetros, metros de estantes previstas para aguentar um aumento de anos...
Em segundo lugar vêm os critérios de classificação. Literatura e não literatura foi minha primeira definição recente, agora que renovo e aumento o espaço de meus livros. Mas, há muitos autores, danados, que mesclam as escritas. Alguém diria que o texto de Edgar Morin ou de Roland Barthes não é literário?
Ah, então o jeito é arrumar as prateleiras como nas livrarias, por ordem alfabética dos autores. Mas aí vem o problema. Como é que eu guardo as antologias, muitas das quais comprei por um artigo específico e de cujo organizador mal me lembro?
Pode-se, então, propor, critérios duplos, por, digamos, ‘assunto’ (melhor seria dizer natureza...), e por ordem alfabética. De novo os autores versáteis nos apresentam grandes dificuldades. Jean Paul Sartre, por exemplo, que escreveu literatura, teatro, ensaios diversos inclusive biográficos, e obra filosófica. Mesmo um autor que, falando de tudo, fala de uma mesma coisa, como Pierre Bourdieu, me pegou em falso. Suas obras vão todas para o mesmo lugar ou a autobiografia vai para biografias? E Stefan Zweig, também romancista, ensaísta, contista e biógrafo?
Acaba prevalecendo uma noção de design de sinalização ou de espaços: o way finding. O melhor jeito de arrumar uma biblioteca é a melhor maneira que você encontra de achar um livro. Noções de redundância, metonímia, códigos cromáticos, tamanhos, valem todas as aproximações para guiar o leitor em sua biblioteca. Lógico, estou falando aqui de biblioteca privada, as públicas têm seu sistema próprio de indexação.
Como professora, dou muitos exemplos com literatura. Nada melhor, portanto, que deixar alguns romances e contos perto dos livros de história. Algumas editoras que têm formatos e capas padronizadas podem ficar juntas, mesmo que seus assuntos sejam muitos. A coleção Debates da editora Perspectiva, por exemplo, pode ocupar um mesmo espaço, pois sei que tal livro lhe pertence.
Se noções de design me ajudam na hora de classificar os livros, o design editorial deles tem atrapalhado um bocado! Blasfemei contra várias editoras e cheguei a dizer que Henry Ford tinha razão, que formato diferenciado, que nada! O leitor (autor, editor) terá o livro que quiser desde que tenha o mesmo tamanho, rigorosamente padronizado, oras! É disso que preciso para arrumar meus livros.
Livros quadrados, enormes teriam que ter prateleiras especiais, só para eles. Tem sentido? Tem sentido alargarmos as ruas porque muitos motoristas pensam circular em áreas rurais do Pantanal e enfrentam o trânsito metropolitano em carros 4 x 4?
E os livros altíssimos, poucos, mas que se forem dispostos de pé, matariam o lugar de tantos outros, numa prateleira regulável? Vá lá, podem ficar deitados. Foi o que fiz, por exemplo, com uma sinopse comemorativa da escola de Ulm, projeto, aliás, dificílimo de ler, não só porque é em alemão, mas porque exige uma grande superfície de apoio, dado seu peso e seu formato horizontal, cheio de dobras! Esse, pelo menos, consigo localizar rapidamente, pois sua lombada escura traz letras brancas e de boa visibilidade (ah, as velhas lições do funcionalismo!).
Já o livro sobre Ramos de Azevedo, de Carlos Lemos, também horizontal, some na estante, pois o vermelho de sua capa mole, perde cor com o passar do tempo e o volume, fino, se mistura camaleonicamente com a prateleira.
Durante anos travei discussão com minha amiga, a designer Lara Vollmer, sobre o formato da revista Design Belas Artes que editava. Lara concebera uma revista/portfólio, quadrada, com capas especiais, cheias de facas lindas e cores vibrantes. Com o tempo, o que era para ser portfólio se transformou em revista universitária, com matérias que podiam ser usadas em sala de aula, reportagens sobre mercado de trabalho etc.. Insisti com Lara que, por isso, a revista deveria ter cara de revista e saí perdendo, sempre. Pois a beleza do projeto encantava a todos, embora eu recebesse inúmeras reclamações de que as pessoas tinham dificuldade de alojá-las. Uma vez, visitando um escritório de design, vi que o titular havia feito uma pilha das revistas sobre uma mesa lateral, com ares de escultura concretista.
Aqui estou eu em luta com os formatos de livros. Pior que um autor que escreve em diversos gêneros é aquele que tem livros da mesma área, em múltiplos formatos. E não estou falando aqui dos livros de bolso, esses têm uma razão bastante plausível para ser daqueles tamaninhos. Falo dos autores artistas que produzem catálogos de exposições em formato de mini-livros e coffe-table books...
Sei bem que alguns fabricantes de estantes têm se esmerado para projetar móveis que abriguem os mutantes artefatos eletrônicos, indispensáveis à vida cultural das pessoas. Soluções para livros ainda são muito necessárias e, juro, a meu ver, o problema não é das estantes, mas da parafernália de formatos editoriais.
PS Meu amigo José Castello jogou fora – gesto imperdoável – um conto de juventude do qual nunca me esqueci. Nitidamente marcado por Jorge Luis Borges, o texto tratava da dificuldade de organizar uma biblioteca. A certa altura, o narrador entendia que cada livro, por ser universo completamente singular, deveria ter sua própria e exclusiva estante...
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Comentários
Milton Cipis
16/07/2011
Pior do que organizar os livros na estante, é organizar os textos eletrônicos... Onde guardo esta matéria?
Claudia
26/06/2011
Sim, houve um tempo em que essa questão do formato dos livros me angustiava. Especialmente porque adoro arrumar estantes. E naquele tempo eu exigia demais do resultado final. Continuo adorando a arrumação e resolvi parte do problema distribuindo meus livros por três estantes básicas. Numa sala, meus livros de arte, viagens e poesia. E no meu escritório tenho duas estantes. Numa delas concentro livros de design, arquitetura, os que costumo consultar com frequência. Na outra, os demais. E assumi de vez a misturança dos vários formatos, das texturas das capas, do colorido ou da falta de cor. Optei pela comodidade e hoje gosto demais das minhas estantes "inquietas".
Marcello
22/06/2011
Entendo a sua dificuldade, é a mesma que eu tenho (e talvez todos os amantes de livros tenham), porém... porém... os livros guardam relação primeira com seu conteúdo. Como levar para um formato padrão, por exemplo, os belíssimos livros gigantes da Taschen sobre Michelangelo, da Vinci, esculturas? Dobras? Encartes? Não tenho certeza se seriam boas soluções. É claro que nenhuma reprodução vai substituir a experiência de ver o original. Continuo lidando com as dificuldades do problema, mas não abro mão da diversidade.
Jaci
20/06/2011
Ethel, entendo esse sofrimento. No quarto tenho poucos livros, pouco mais de 200, mas na biblioteca da família são milhares de volumes dos mais variados assuntos, inclusive com o grande ladrão de espaço, a Encyclopædia Britannica.
Adoraria separá-los por cor, mas isso só funciona em revistas, onde o fotógrafo espertinho seleciona volumes de tamanhos semelhantes e com uma boa variação de tonalidades.
Nosso sistema de prateleiras foi feito por meu pai, ocupando uma parede inteira do chão ao teto. As alturas são variadas, mas, o que parecia exagerado há 30 anos, hoje tem poucos espaços livres.
Para encontrar um livro somente com um software. Uso o booktome (gratuito), que tem um campo "localização", o salvador da pátria - isto é, por enquanto apenas para alguns volumes, pois catalogar todos ainda vai levar muito tempo, ainda mais pela dificuldade em pegar um sem folheá-lo...
Um abraço.
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