A arma da sedução feminina
Ethel Leon
Recentemente o debate sobre a campanha publicitária de lingerie protagonizado por Gisele Bündchen ganhou páginas e bites de nossa imprensa. Volta e meia a publicidade mobiliza a opinião pública e parece favorecer-se com isso, falem mal, mas falem de mim.
É muito raro vermos algum brado contra os objetos lançados diuturnamente no mercado e que, embora cada vez mais voláteis, duram mais que campanhas publicitárias e propõem, sedimentam, incorporam comportamentos e atitudes. Eles lidam com o corpo, com as práticas cotidianas e têm essa aparência naturalizada, ingênua, neutra.
Reclamação contra objeto só em caso de recall de automóveis e brinquedos.
Pois bem, faz pouco tempo uma empresa lançou um porta-trecos destinado a mulheres em forma de... revólver.
Ele é todo branco, meio fantasmagórico e, certamente, alude à expressão ‘armas brancas’ (que não são as de fogo). Estas armas – especialmente as espadas – pressupõem um nível de igualdade dos duelistas. Nobres europeus só lutavam entre si e todos tinham grande preparo na arte da esgrima.
Pois o revólver branco em questão é um estojo das ‘armas’ femininas: maquiagem e remédios. Previsto para a guerra da sedução contra o sexo oposto, ele se abre e, compassivo, deixa cair as pílulas e cápsulas, além de armazenar batons e máscaras para cílios, entre outros cosméticos.
As mulheres, vítimas de achaques e TPMs têm de ser medicadas, é esse seu destino e, ainda bem, a indústria farmacêutica se esmera para dar fim a esses chiliques. Já as poderosas empresas de beleza não param de lançar itens que ajudam a disfarçar olheiras, fechar poros, alongar cílios, desenhar sobrancelhas e boca – que outros atributos, afinal, uma mulher deveria ter?
O revólver branco atualiza, de forma grosseira, é verdade, todos os traços de construção de um feminino servil. A mulher é sempre ardilosa e sua presa cobiçada é o homem. É tão desajeitado e simplório, enquanto objeto, que dificilmente vai virar êxito comercial. Talvez dure meia estação e sirva de presente maldoso em festa de final de ano.
Sua vulgaridade, sua retórica barata e crua apenas nos mostra escancaradamente o quanto os objetos, mesmo os mais triviais e aparentemente destituídos de simbolismos, nos ensinam a sermos quem somos.
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