Ano: IV Número: 42
ISSN: 1983-005X
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Bulas de Remédio, desfazendo a confusão

Isabela Mesquita Provenza

A bula de remédios é definida pelo dicionário Houaiss como impresso explicativo de um medicamento. Ela é considerada um instrumento de orientação sobre as propriedades de um determinado medicamento, constando nela também todo o seu mecanismo de ação, instruções e efeitos colaterais.

A bula acompanha todas as embalagens de remédios e é obrigatória. A bula representa em nosso país o principal material informativo fornecido aos usuários. Normalmente ela se apresenta impressa em papel de gramatura mais fina, dobrada e inserida no interior das embalagens de medicamentos e deve ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) antes de sua comercialização.

Ler a bula de remédios, no entanto, é um desafio para muitos. Letras miúdas e informações muito além da compreensão dos pacientes leigos são algumas das dificuldades para entender para que serve o remédio – ou para que serve a própria bula! Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Toxicológicas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado no site A Gazeta do Povo, as principais causas de intoxicação se devem  à automedicação e a erros na administração de remédios.

Já é voz corrente considerar que a bula é confusa, difícil de ler, de compreender e até mesmo de  dobrar para seu armazenamento no interior da caixa. Podemos observar isso no nosso próprio cotidiano, quando, como consumidores, adquirimos um novo medicamento e temos que consultar suas instruções. A dificuldade é certa: confusão pela quantidade de informação má disposta no papel, dificuldade de uma leitura dinâmica e para a identificação da informação procurada. A bula no Brasil, passou a ser um objeto descartável e perigosamente esquecido pelos consumidores, por ser nada prática ou interativa.

Reformular graficamente as bulas de medicamentos é o objetivo de meu trabalho, por meio da criação de um padrão mais claro e interativo, buscando aprimorar a compreensão e a dinâmica de leitura e focando principalmente nos pacientes e usuários. O projeto aborda um padrão para bula impressa em papel (que acompanha o medicamento no interior da embalagem) e uma adaptação para remédios de venda unitária em cartela.

Atualmente, com a venda fracionada de medicamentos, é urgente estabelecer padrões de informações que caibam nas cartelas. É preciso buscar uma solução gráfica mais prática e organizada, contemplando melhorias em diversos aspectos visuais do design como soluções em tipografia, legibilidade, componentes essenciais, hierarquia das informações, pictogramas e sinais gráficos, grid e papel.

É necessário lembrar que esta nova proposta de bula traz algumas novas modificações na distribuição das informações do conteúdo já estabelecido pela Resolução ANVISA Nº 47, que poderão ser futuramente avaliadas por este órgão governamental, com o intuito de facilitar a leitura e a compreensão dos dados ali fornecidos. Como existem várias classes de medicamentos e cada uma possui características e bulas diferentes, decidiu-se estudar e reformular de  forma geral a bula na tentativa de apresentar uma proposta que sirva de exemplo para qualquer tipo de medicamento.

Levando em conta o aspecto visual da bula, é possível observarmos a necessidade de uma seleção organizada das informações consideradas essenciais. A hierarquia ajuda o leitor a localizar-se no texto. Cada nível deve ser indicado por um ou mais sinais aplicados consistentemente ao longo do texto. Eles podem ser espaciais (recuo, entrelinha, posição na página) ou gráficos (tamanho, estilo, cor, fonte, sinais). As possibilidades são infinitas. Uma primeira organização das informações para o padrão da bula voltada para o paciente, foi feita de forma hierárquica, respeitando o entendimento gradual e organizado do usuário. As informações seguem uma hierarquia de títulos e subtítulos. Foram também usados exemplos de termos menos formais (ex: em vez de posologia, como tomar), com finalidade de experimentação.

Segundo as “Instruções visuais em bulas de medicamentos no Brasil: um estudo analítico sobre a representação pictórica da informação” (SPINILLO et al, 2007), do terceiro congresso internacional de design da informação, que ocorreu em Curitiba em outubro de 2007, a legislação brasileira sobre medicamentos negligencia a representação dessas instruções visuais, apesar de sua reconhecida importância na comunicação de mensagens. Visto que grande parte da população possui baixos índices de escolaridade, torna-se pertinente o emprego de imagens para sinalizarem o uso correto de medicamentos, tornando a comunicação mais imediata e objetiva.

Como exemplificação final, utilizaram-se os resultados do projeto para  a simulação de um exemplo de bula de certa classe de medicamento. A escolha para a simulação foi uma bula de medicamento analgésico, tendo em conta que as dores agudas e crônicas são de ocorrência universal.  Desde o início da elaboração do projeto já foram pensadas soluções que abordassem a apreensão rápida do conteúdo, como a criação de uma área inicial de resumo da própria bula, utilizando pictogramas e tabelas para facilitar o primeiro contato do consumidor.


Analgésicos

Para exemplificar os problemas da bula, segue a descrição de um medicamento muito conhecido, o Tylenol. Esta bula é um exemplo bem atualizado de acordo com a nova Resolução de 2009 da Anvisa. O papel tem gramatura muito baixa, é quase transparente, o que polui a visualização do texto, pois o verso fica visível na frente, manchando o texto a ser lido.

As informações são apresentadas no formato de perguntas e respostas, com letra bem diferente das bulas anteriores (Helvetica). O corpo da letra chega aos 11 pt (bem maior que as anteriores), as informações técnico-científicas mais complexas foram descartadas. O conteúdo é mais resumido que antes. Esse é um ponto importante, que facilita o estudo da disposição das informações. No entanto, a bula a permanece com hierarquias destacadas por negrito, caixa alta e itálico, o que acaba se misturando com textos extensos e advertências, grafados da mesma forma. Analisando pontualmente alguns elementos podemos encontrar:

1) Corpo de letra grande (12pt);
2) Confusão na hierarquia da informação, fazendo uso demasiado de contrastes e tamanho, peso, inclinação, que, apesar de serem ferramentas na hierarquização, encontram-se saturadas, confundindo a leitura;
3) Textos de advertências e avisos em negrito;
4) Espaço pequeno para a margem da bula;
5) Recorte desnecessário na margem devido a uma marca impressa, que deixa o texto sem alinhamento e desnivelado, não contribuindo para a clareza gráfica.


Nova proposta

Com base no mesmo raciocínio foi criada uma primeira variação de pictogramas para Advertência, que antecederia o título principal das Advertências e Precauções, dispostas juntas, com o intuito de unificar as informações essenciais que necessitam de atenção cuidadosa.

Nas bulas atuais estes capítulos se encontram espalhados, sem hierarquia ou setor definido. Na proposta nova, foram unidas informações de dados de superdosagem, interações medicamentosas, hipersensibilidade, absorção do medicamento e restrições físicas.

As contraindicações foram escolhidas para ficarem separadas das demais, por possuírem  importância isolada e ainda maior que outras advertências, pois são informações relacionadas aos usuários que não podem, em circunstância alguma, ingerir tal medicamento.

Foi percebida a necessidade da criação de pictogramas que identificassem as restrições de uso. Foram criados símbolos com características de permissão ou proibição de uso por usuários diversos como crianças, grávidas, idosos e adultos. Desde o início foi pensada uma linguagem direta dos pictogramas, sem muitos detalhes, remetendo ao estilo funcional e racional do designer Otl Aicher, autor dos pictogramas das Olimpíadas de Minique, em 1972.

A escolha da disposição das informações nas tabelas iniciais foi estudada para alcançar resultado que englobasse aquelas mais importantes aos usuários. Foram reunidas adequadamente em sequência de tabelas, como de observações (informações mais importantes escritas), fórmula farmacêutica, fabricante, lote e armazenamento. Foram utilizadas variações do tom de cor preta (cinzas claros e escuros) para criar uma identidade uniforme, eliminando o máximo de delimitações em linhas pretas e pesadas e detalhes desnecessários, reduzindo os pictogramas a imagens facilmente legíveis.

Para as restrições físicas foram estipulados pictogramas tendo em conta a alta frequência e a gravidade (morbidade e mortalidade) das enfermidades, devendo ser citadas na legenda da bula, chamando atenção do paciente para que ele possa tomar as devidas precauções. A solução final encontrada foi a simplificação e a compactação em sistema de chave, utilizando como fundo um retângulo sólido na vertical, fazendo o agrupamento que reúne em classificações como permitido, proibido e atenção. Dessa forma, foram concentradas as informações de proibição, permissão e alerta, mantendo-se exclusivamente como elemento escrito a idade da criança.

O papel foi posicionado na vertical, adaptado em dimensão de 14,5cm x 21cm e, de início, foi feita uma escolha aleatória, já que a impressão em rolos de papel offset apresenta facilidade para variação de tamanhos de bula a serem produzidas. Portanto, é possível serem desenvolvidos diversos tamanhos baseando-se na proposta e nas proporções sugeridas.
A tipografia utilizada para títulos foi Futura Condensed Extra Bold 9 pt. Para os Textos de tabelas foi escolhida a Futura Condensed Medium 9 pt e, para textos corridos a Frutiger LT 57 Condensed (Regular) 10 pt . Os subtítulos são grafados com a Frutiger LT 57 Condensed (Bold) 10 pt.

Para o alinhamento foi seguido um grid respeitando as linhas de base do texto. Foi estabelecida uma hierarquia de informação e forma por meio das tipografias, pictogramas e tabelas. Há dois tipos de divisão visual do conteúdo da bula que seguem uma hierarquia: títulos inseridos em bloco sólido com presença de pictograma e bullets que antecedem informações com subtítulo em negrito. As informações complementares sem necessidade de visualização rápida como fabricante e lote foram inseridas no final em tabelas padrão, dialogando com as do início. Assim foi possível ganhar espaço para inserção dos assuntos mais importantes.

A definição da dobradura partiu da coluna de informações (legenda inicial) para que ficasse em destaque e bem visível. Foi estipulada uma dobradura de seis vezes, em sanfona,  obedecendo os 2 centímetros da legenda. A última possui meio centímetro a mais de sobra de papel para guia e  manuseio, facilitando também a abertura e o fechamento. A dobradura secundária depende do tamanho da embalagem.

Estudar as bulas de remédios no Brasil, pensar o problema das informações nos remédios vendidos fracionadamente é um sério problema a ser enfrentado pelo design. Espero ter contribuído com esse redesenho.

 


Isabela Mesquita Provenza é formada em Design pela FACAMP, Faculdades de Campinas e atualmente trabalha como profissional autônoma na área de Identidade Corporativa na cidade de Indaiatuba.  O artigo acima partiu de seu trabalho de conclusão de curso orientado pelo professor Luciano Cardinali.

 


Comentários

Isabela Mesquita Provenza
25/09/2012

Obrigada Cardinali! Fiquei muito feliz com o resultado, que com certeza só o atingi com a sua colaboração! Desejo que suas palavras se tornem realidade e um dia possamos ver esse estudo em prática! Grande beijo!

Luciano cardinali
23/01/2012

Parabéns pelo artigo Isabela. Este trabalho merece continuidade e, na medida do possível, implantação. O consumidor agradece.

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