Rigor e sistematização, inerentes à construção filosófica, estão em Vilém Flusser. No livro e na vida.
O mundo codificado, título do livro de Flusser publicado em português pela Cosac Naify em 2007, é também um dos bons textos que temos à mão para pensar a proximidade entre a Comunicação Social e o Design.
Europeu do Leste, Flusser (1920-1991) iniciou em Praga seus estudos em Filosofia, abruptamente interrompidos para sobreviver à Guerra. Como tantos outros judeus - artistas, intelectuais, empresários - chega ao Brasil (1940) e aqui acontece. Em São Paulo, dedica-se, primeiramente, a atividades empresariais e, em finais da década de 1950, passa a escrever sobre filosofia, produzindo intensamente para livros, artigos em jornais, lecionando e participando de grupos de estudo e comunidades intelectuais. E assim segue pela vida. No Brasil até 1972 e depois na França (até sua morte).
A publicação em português de parte de sua produção é, sem dúvida, fonte para ampliar discussões sobre saberes complementares e complexidade de territórios.
A edição brasileira, um compilado da maior qualidade, é organizada e apresentada pelo historiador Rafael Cardoso, com incursão e contribuição ao campo do design mais do que referendadas. O livro propõe três agrupamentos conceituais: Coisas, Códigos, Construções. Para cada agrupamento, uma série de textos, seis em média, e que podemos ler conduzidos por nosso próprio ritmo e direção. A linearidade não é buscada nem determinante para compreensão e articulação. Boa parte do texto, escritos entre os anos 1973 e 1991, vem do The Shape of Things. Em Coisas, os textos transitam pelas diversas colocações sobre forma, materialidade, visualidade e afirmam a relação entre design e comunicação. Códigos nos apresenta textos e formulações teóricas sobre comunicação e novos agenciamentos que fariam muito bem às leituras diárias dos designers. Construções parte da etimologia de design, designer, elabora a noção de projeto como propósito, intenção, estrutura e também como trama – tecer e tramar algo. De toda forma, design e comunicação como integrantes na codificação da experiência. A construção de discursos para o design e o design como discurso.
Flusser compreende a imagem absolutamente fora da idéia platônica, colocando-a e o par forma-matéria como construção e, não, como representação “da idéia”. Remete a Barthes, McLuhan, e afirma: “formas não são descobertas ou invenções, nem tampouco ficções.”
O livro conta com recursos editoriais que abrem ainda mais a condição ao diálogo, trabalhado por Flusser como “o discurso orientado para a troca”. No final do livro, há textos elencados de e sobre Flusser, com data de publicação e idioma originais. Além disso, sites e os títulos de suas obras, em português e uma pequena biografia.
À proximidade e pensamento articulador entre as áreas da Comunicação e do Design, nos textos e abordagem, à presença desses em veículos/mídia (jornais, predominantemente), além das práticas associativas- busca pelo pertencimento a grupos, entre eles um bem pouco conhecido onde também participou Fred Jordan, designer judeu-alemão, radicado em São Paulo, somam-se ainda a contribuição à educação como professor e mentor na formação e fundação de cursos superiores.
Tudo evidencia sua árdua e, mais uma vez, rigorosa trajetória de “filósofo sem cadeira marcada”. Os ganhos são nossos.
A publicação de O mundo codificado faz dele fundamental leitura àqueles da ação e reflexão no design, na comunicação, na cultura, na tecnologia... Leitura fundamental e agradável, diga-se, mostrando-nos, para além das incríveis ideações registradas, aquilo que por vezes é esquecido: escrevemos para alguém. Os tópicos primordiais da teoria da comunicação estão ali em conteúdo e forma. Repertório e audiência. E os ruídos... bem, na verdade não o são. Vistos, sim, como o necessário inacabar-se de sua obra.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007. Rafael Cardoso (org.). 224 pp. ISBN 978-85-7503-593-1
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Ana Lucia Gimenez Ribeiro Lupinacci é graduada em Comunicação e Artes/PUCC. Possui especializações e formação complementar em design, arte e educação, história da arte. É Mestre em Linguagem e Educação (USP) e doutoranda na mesma área.
Professora universitária e diretora acadêmica do bacharelado em Design Visual da ESPM, onde também coordena o Núcleo de Estudos em Design.
