Não é novidade que o poder de compra feminino é cada vez mais expressivo no país. O setor automobilístico está entre os segmentos mais impactados por este crescimento: estudos realizados pela Renault apontam que as mulheres foram responsáveis por 40 por cento das compras de automóveis em 2011.
Atenta a esta nova configuração do mercado, a empresa, desde 2007, desenvolve pesquisas com o intuito de traçar o perfil de seus consumidores. Dados fornecidos por estes levantamentos foram divulgados no encontro “Chá com Design”, promovido recentemente pela Renault.
O encontro, dirigido às mulheres jornalistas, teve participação de Olivier Murguet (presidente da Renault no Brasil), Massimo Barbieri (diretor de design da Renault na América Latina), Mara Luquet (jornalista), Maristela Castanho (diretora de produto da Renault na América Latina) e Adriana Brito (designer de cores e materiais da Renault).
Na ocasião, Mara Luquet apresentou questões referentes ao papel da mulher na nova dinâmica econômica mundial, seus avanços e desafios. De acordo com a jornalista, que participou do “Women’s Global Forum” realizado na Normandia em 2011, a projeção conquistada pelo sexo feminino no mundo atual convive com estatísticas que revelam que as mulheres estão entre as maiores vítimas da pobreza na terceira idade.
Nas palavras de Luquet, a baixa remuneração e o aumento da expectativa de vida são os principais fatores responsáveis por este “futuro ameaçador” reservado a muitas mulheres.
Já Maristela Castanho, diretora de produto da Renault na América Latina, abordou alguns dos aspectos culturais, sociais e emocionais manifestados pelas mulheres no processo de aquisição de um automóvel. Estudos revelam o interesse das consumidoras em elementos relacionados ao design, ao conforto e aos recursos de segurança oferecidos pelo carro.
De acordo com as pesquisas, o carro ideal para as mulheres, sintetizado em duas palavras, seria “protetor” e “sedutor”. Já para os homens, os adjetivos escolhidos para definir o automóvel perfeito seriam “ágil” e “energético”.
No entanto, para além destas especificidades que marcam os hábitos de consumo convencionalmente estabelecidos entre os dois gêneros, homens e mulheres compartilham o interesse pela direção e pela tecnologia proporcionadas pelo carro, afirma a diretora.
O desejo de adquirir automóveis que possuam um aspecto moderno e jovial também se destacou nas pesquisas como fator comum na escolha de homens e mulheres.
Aliando elementos como tecnologia, conforto e sofisticação, modelos como o Novo Sandero Stepway, o Stepway Rip Curl e o Duster, apresentados pela designer Adriana Brito, refletem esta tendência.
Diante destas informações, torna-se evidente a preocupação das empresas em desenvolver produtos que atendam as demandas do público feminino.
No entanto, no que diz respeito às “peças” deste complexo jogo travado entre mercado e consumidores, a associação quase automática entre mulheres, consumo e carros não deve ser vista com ingenuidade.
Isso porque, mais do que um carro “feminizado”, as montadoras apostam em automóveis que agradem tanto homens quanto mulheres.
Dessa forma, a busca por um carro “transgênero” revela o interesse em conquistar todos os públicos, ou melhor, todos aqueles que possuem poder de compra.
Se é equivocado demonizar os olhares lançados pelas empresas (não só as automobilísticas, mas tantas outras) em direção às mulheres – afinal, elas representam uma fatia lucrativa que aquece o mercado - é preciso estar atento para não ser tragado por um discurso que, muitas vezes, acaba por perpetuar certos estereótipos e naturalizar categorias historicamente construídas.
Caso contrário, por que muitas pessoas ainda reagem com surpresa diante de dados que revelam o apreço de boa parte das mulheres pela direção?
Em uma época em que se comemora o aumento da participação feminina em vários setores da sociedade e se iniciam discussões sobre a era do “pós-gênero”, ainda deparamos constantemente com comentários machistas, com a violência contra a mulher e com a imagem da mulher-objeto, nas esferas pública e privada.
Neste sentido, cabe questionar se no plano subterrâneo destes discursos publicitários, quase sempre revestidos por um verniz “pró-mulher”, não reside a ideia de que é apenas pelo consumo que o equilíbrio entre homens e mulheres pode ser viabilizado.
Sob este ponto de vista, o poder de compra é celebrado como uma espécie de zona de conforto na qual se neutralizam tensões entre o universo feminino e masculino.
Para além das categorias “mulher-cliente” e do “consumo, logo existo” há muitas problemáticas inseridas nas tramas de gênero e consumo no mundo contemporâneo, a começar pelas caricaturas diversas que a publicidade produz sobre certos grupos sociais, insistindo em linguagens de teor padronizado e maniqueísta.
Mas estas são apenas observações pontuais sobre um tema extenso e complexo. Afinal, como mulher, é natural supor que eu talvez esteja expressando a histeria típica do meu gênero ou fazendo “tempestade” em copo de chá, e não de cerveja ou uísque, que fique bem claro.
Márcia Pacito é historiadora, assistente de redação da AgitProp e participou do encontro de divulgação “Chá com Design”, promovido pela Renault.