De usurpação, afano e candura
Ethel Leon
Recebi com estupor o catálogo da exposição do arquiteto Jorge Zalszupin, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, e que me foi enviado por Etel Carmona, a meu pedido.
Entre outros dislates, vejo lá imagens de itens claramente inspirados pelo mestre Julio Roberto Katinsky, sem qualquer menção a sua colaboração. Katinsky, quando jovem arquiteto, trabalhou com Zalszupin e teve, em 2011, de contratar advogado para interromper a produção de seus móveis na marcenaria de Etel. Ele sequer sabia que eram fabricados e estavam à venda, pois Zalszupin omitiu seu nome quando repassou à marcenaria os desenhos e modelos.
Também vi no catálogo da mostra curitibana vários textos assinados por jornalistas e marchands com informações que se devem a pesquisas e textos de Maria Cecília Loschiavo, Julio Katinsky e desta própria pesquisadora e escriba, que levantou, pacientemente, a história de Zalszupin, quando o arquiteto estava em franco olvido em nossas plagas. Nenhum dos três autores foi citado em qualquer dos textos do catálogo, o que não me espanta.
Bem sei, tudo isso está fora de moda, inda mais no mundo do design. Pensamento, estudo, pesquisa, coisas antigas, com aroma de naftalina.
E, agora vou exibir minha face mais antiquada, obsoleta mesmo: pois não é que defendo que museu público deve ter critérios rigorosos para suas exibições e jamais se confundir com o mercado? Hal Foster e Otília Arantes, entre outros pensadores, ririam de minha ingenuidade e com razão. Está cada vez mais difícil saber onde termina um showroom, uma loja e começa um museu e vice-versa.
Ao discorrer sobre os grandes magazines da segunda metade do XIX, o historiador Peter Burke escreveu: “Os produtos tornaram-se uma espécie de espetáculo, e o consumo assemelhou-se a uma performance”. E ainda: “Dentro deles [dos hotéis], mostruários exibiam produtos como se fossem peças em um museu, tornando-os mais tentadores. Profissionais de museus e lojas aprendiam técnicas uns com os outros...” (1).
Só que hoje os museus se tornaram continuidade das lojas e são apenas instâncias legitimadoras apelando para a crença carismática do autor genial, do talento inato, que visa enobrecer o design ao expô-lo no mundo já consagrado da arte. Mas isso pode (e deve) ser feito sem usurpação de direitos autorais.
Coisa de gente antiga, sonho ver nosso design debatido com chaves mais pensantes do que seu valor mercantil. Eu avisei, é coisa de personagem antiquado, serôdio...
PS: Em breve texto do mencionado catálogo, Etel Carmona conta a pitoresca história de como conheceu Zalszupin, de quem nunca ouvira falar, como se fruto de grande acaso no qual apareço como coadjuvante. “Encontro improvável, marcado pelo destino.” ... “Ela [eu, Ethel Leon] me pediu uma opinião” [sobre meu livro] E puxou uma única página. Era sobre Jorge.”
Lamento desiludi-la quanto à presumida conjunção cósmica. Fui, é fato, a seu showroom conversar sobre a noite de lançamento de meu livro (e não para lhe pedir opinião). Mostrei uma só página do volume para sugerir-lhe que sua empresa fabricasse a cadeira ‘dinamarquesa’ de Zalszupin. Dias depois, em plena manhã outonal de 2005, conduzi Zalszupin à sua loja. Daí entabularam-se, sem minha participação, os entendimentos entre a empresária e o arquiteto que levaram à reedição de muitas peças do l’Atelier, inclusive, indevidamente, as de Julio Katinsky.
Como aprendiz de historiadora, me apraz verificar essas construções, inoperantes sem as respectivas destruições. E compreender que a produção e acesso ao conhecimento amplo, não cartorial, nada tem a ver com nossas práticas herdadas da escravidão. Todas acima mencionadas têm em comum o profundo desrespeito ao labor intelectual.
Nota
(1) BURKE, Peter. “Modernidade, cultura e estilos de vida”. In: BUENO. Maria Lucia e CAMARGO, Luiz Octávio de Lima (orgs). Cultura e Consumo. São Paulo: Senac, 2008, p. 33.
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Comentários
José de Abreu
31/05/2012
Nunca será antigo ser ético!
Ethel Leon
31/05/2012
Abel,
A página em questão era da prova de meu livro, ainda não impresso. Acho que o sic está atrapalhando, vou tirá-lo.
Abel Prazer
30/05/2012
Não entendi "[sobre meu livro](sic)".
Afinal, a página era de qual publicação.
Abel Prazer
sônia valentim de carvalho
30/05/2012
ethel,
como é bom ouvir alguém falar com tanta lucidez. concordo plenamente
com seus pontos de vista, mas infelizmente estamos em um tempo onde falta uma única coisa: "ética". abs
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