Ainda dá tempo de verificar, a novela Avenida Brasil da TV Globo acaba em poucos dias!
Os focos fechados da telenovela nos privam da vista geral da casa. Como no cinema de terror, podem-se entrever detalhes, que fascinam muito mais do que o todo.
Está lá um lindíssimo e descoladíssimo loft, como as imobiliárias gostam de chamar os apartamentos com poucas divisões internas.
O lar da moradora do Lixão é feito com materiais descartados, fundos de garrafa que fazem entradas pontuais e coloridas de luz, paredes de latinhas de alumínio que refletem a luz quase como numa casa noturna.
Protegido na intimidade por belíssima cortina de renda branca, o quarto dá a impressão de um suave baldaquim. Alguns móveis são feitos de caixotes. O fogão está perto da mesa de comer, como nos anúncios imobiliários. Colunas que sustentam a construção são revestidas de material têxtil. E a passagem interior/exterior é sutil, sem chaves nem cadeados. Uma casa numa ‘comunidade’, esse eufemismo que se usa para falar de favelas e bairros pobres.
Lá fora o horror de um lixão, em que homens, mulheres e crianças sobrevivem às custas do desperdício alheio. As condições abjetas de vida são estetizadas numa fumaça amarela, que torna a paisagem diáfana. Há, muitas vezes, um movimento de câmara lenta, que retira da cena qualquer traço do trabalho pesado, difícil e subumano.
O lar da mãe Lucinda, que abriga crianças abandonadas, tem comodidades como luz elétrica. Comida não falta, nem mesmo a mesa farta de café da manhã, com direito a leite, pão e frutas. Espaço para brincar há muito, dentro e fora de casa.
Quem mora em apertado ou apartado apartamento conjugado não terá inveja de tal moradia? A residência do lixão da novela Avenida Brasil é trendy, fashion. Parece ter sido projetado pelos irmãos Campana ou seus aparentados.
A operação de buscar na pobreza procedimentos projetivos/formais fecha seu ciclo. A favela inspira designers (poltrona Favela dos Campana, assentos feitos de sobras de tecido, reuso de materiais etc.) mas agora, em cenário da TV, é a produção de uma empresa italiana como a Edra, a pizzaria gaudinesca de Vitor Lotufo, os móveis de Léo Caraffa, os bric à brac de designers/autores, são esses todos que refazem a vida dos miseráveis.
Estetizada por designers e pelos cenaristas da Globo, a pobreza brasileira precisa ser politizada, com o perdão de Walter Benjamin.