Ano: III Número: 25
ISSN: 1983-005X
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Streamlining
Norman Bel Geddes
Tradutor(a):Marcello Montore

Na origem, a palavra “streamline” (1) era um termo da hidrodinâmica. Por volta de 1909, a ciência da aerodinâmica o tomou emprestado para descrever tanto um fluxo de ar suave, quanto a forma de um corpo que se move com resistência mínima ao ar. Por alguns anos, “streamline” no seu sentido aerodinâmico gozou de uma honrável obscuridade no laboratório de física e na linguagem técnica dos engenheiros. Porém, no ano passado, os redatores de propaganda se apoderaram do termo como um sinônimo conveniente para a palavra “novo”, utilizando-o indiscriminadamente e com frequência de forma inexata para descrever automóveis, vestidos femininos, trens e sapatos masculinos. A partir desse uso generalizado, talvez tenha chegado o momento de examinar seu significado e suas implicações.

A verdade é que se sabe muito pouco sobre aerodinâmica (2) . Muitas das explicações populares a trataram como se os fatos estivessem estabelecidos e aceitos, e a esse respeito alguns tratados técnicos não contivessem erros. A aerodinâmica, como ciência, na realidade ainda não nasceu. Seu desenvolvimento prático na aeronáutica tem sido altamente eficaz, mas não compreendido. Em outros campos, tanto na teoria quanto na prática, ele ainda está embrionário.

[...]

Apesar do hiato, aqui e ali, na teoria, a resistência ao arraste nos aviões foi eliminada a um grau surpreendente pelo método empírico, e pode-se considerar que a aerodinâmica das aeronaves esteja chegando perto da perfeição técnica. Em 1918, um motor de 400 cavalos impulsionou uma aeronave a 125 milhas por hora. Hoje, uma potência equivalente produziria uma velocidade de, talvez, 200 milhas por hora.

No sentido científico, a aerodinâmica, tão desenvolvida nas aeronaves, fez pouco progresso nos automóveis, trens e barcos a vapor, todos defendendo que há ganho em eficiência, conforto e economia quando o arraste é reduzido. Assim, foram feitas tentativas de criar formas aerodinâmicas em vários trens e automóveis, mas sua influência no arraste ainda é uma questão em aberto. No campo da produção em massa de automóveis norte-americanos, podemos considerar que apenas Chrysler e De Soto estão apontando para uma verdadeira forma aerodinâmica. Ainda assim, a importância desses dois automóveis não se encontra na sua eficiência aerodinâmica, mas na capacidade de previsão e na coragem de Walter P. Chrysler de se afastar abruptamente do comportamento tradicional da indústria em termos de aparência. Pode-se meramente supor dentro de limites amplos como será o automóvel cienficiamente aerodinâmico, mas ele certamente lembrará muito pouco os veículos de hoje. O afastamento do gosto do público de seus preconceitos sem lógica em termos de aparência está pavimentando o caminho para a forma que irá melhor satisfazer os requisitos dos automóveis.

Tornou-se moda, ultimamente, predizer o que a aerodinâmica fará pelo automóvel e pelo trem. Velocidades extraordinárias têm sido previstas assim como nenhum consumo de combustível. Ao mesmo tempo em que é perfeitamente razoável esperar muito da aerodinâmica, permanece o fato de que suas possibilidades no automóvel e no trem foram vistas com “óculos cor de rosa” pela experiência da aeronáutica. Devido a dois fatores que não estão presentes no vôo livre de uma aeronave, o conhecimento atual não nos assegura que o grande sucesso dos aviões em superar a resistência ao arraste será facilmente repetido em um veículo que se move em contato com o chão.[...]

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Do ponto de vista técnico, então, a aerodinâmica do automóvel precisa reduzir a resistência ao ar tanto frontal quanto lateral, e precisa manter a estabilidade ou melhorá-la. O primeiro passo e o mais simples, e aquele que está a caminho, é a eliminação de protuberâncias – farois, para-lamas, dobradiças de portas, estepe. Linhas limpas e contínuas da frente até a traseira do veículo ajudariam a alcançar todos os objetivos. Um segundo passo igualmente importante é o desenolvimento da forma. É provável que essa forma seja uma solução conciliatória, pois é extremamente improvável que qualquer solução única poderá satisfazer idalmente todos os requisitos. Não seria inteligente dizer mais do que isso no presente momento, nem a forma pode ser vislumbrada até o advento de dados seguros e específicos em relação aos automóveis, ou até que a teoria se torne mais completa.

Entretanto, os requisitos técnicos não são os únicos, e se espera que outros ajustes sejam necessários para proporcionar conveniência e conforto – dois fatores que estão se tornando cada vez mais importantes à medida que os carros deixam de ser objetos do equipamento esportivo e assumem seu lugar ao lado do fogão e da escova de dentes como utilidades comum. [...]

[...]


(1) Streamline: forma aerodinâmica. Em alguns pontos do texto optou-se por deixar o termo em inglês uma vez que no vocabulário do design, em português, também se usa o a palavra inglesa. [N.T.]

(2) Streamlining no original.

Sobre o Autor(a):

Norman Bel Geddes (1893-1958) pertence à geração de designers norte-americanos visionários que despontaram nos anos 1920/30.  Como ele, Richard Buckminster Fuller, Walter Teague, Henry Dreifuss e o franco-americano Raymond Loewy não pensavam o design dissociado de inovações tecnológicas e enfrentaram projetos complexos da indústria de bens de consumo do período.

Geddes concebeu cenários para teatro, e projetou carros futuristas para a empresa Graham Paige, rádios para a Philco e o conhecido fogão Oriole para a Standard Gas Company.

O texto acima é um extrato sobre o Streamlining, a aerodinâmica, que passou a ser associada pelos herdeiros da Bauhaus nos Estados Unidos com o styling, que tanto combatiam como postura rendida ao capital e sem qualquer compromisso com princípios de artistas modernos.

No entanto, passadas muitas décadas, com as revisões feitas pelo pensamento pós-moderno e, sobretudo, com a expansão das pesquisas em história do design, passou-se a perceber que as acusações contra o styling, muitas vezes, tinham fundo estético/ideológico que abafou as contribuições de muitos dos designers norte-americanos do período, entre os quais Geddes.

O texto sobre a aerodinâmica mostra o compromisso de Geddes com a pesquisa tecnológica e com a fé no futuro, ancorada no conhecimento científico e na idéia de progresso material.

 


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