Ano: V Número: 50
ISSN: 1983-005X
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Design para mortes dignas

Ethel Leon

Nossos modos de nascer e morrer obedecem a normas e ritos sobre os quais temos pouco controle. É muito diferente de um casamento, uma formatura ou outros momentos de passagem que podem ser transformados, mesmo nas versões religiosas, que dirá das laicas.

Como todo ritual, a morte tem seus objetos. Quantos de nós deixamos de gostar de certas flores porque associadas a velórios e enterros? Quer algo mais horripilante do que coroa de flores com faixas vermelhas e escritos em dourado?

E os caixões? Uma das durezas de quem cuida de um ritual mortuário é a escolha do caixão. “Pode ser esse de pinho, o mais barato, passando por vários intermediários até aquele de madeira laqueada brilhante, com dizeres em dourado”, é a fala que me fizeram há muitos anos numa funerária de São Paulo.

Arquitetos, muitos deles, já pensaram cemitérios. Vários, hoje, são belos jardins gramados. Uma cerimônia como a cremação, em São Paulo, encontra uma linda arquitetura, realizada por antigo grupo de projeto da Prefeitura da cidade.

Sem questionar as formas de fazer desaparecer um corpo humano morto, algumas empresas, de várias partes do mundo, vêm se especializando em projetar caixões e outras peças mortuárias menos pesadas e menos agressivas ao ambiente. Uma delas é a britânica ARKA, que produz ataúdes de papel reciclado, especialmente jornais e papeis de escritório em formas assemelhadas às urnas mortuárias egípcias.

O desenho das peças, realizado por Hazel Selina, é menos agressivo que os caixões de madeira normalmente utilizados no Brasil. Por serem mais leves (pesam 18 quilos e suportam mais de cem) são mais facilmente transportados e baixados nas covas. Suas alças são de bambu e os materiais empregados dispensam plásticos e outros, que demorariam centenas de anos para se decompor.

Desenvolvidos em pesquisa conjunta com a Universidade de Kingston, os esquifes Arka estiveram na exposição do Victoria and Albert Museum em 2011, intitulada O Poder do Fazer, que celebrou sérias práticas artesanais*.

Eles são procurados por pessoas preocupadas com o ambiente e também descontentes com os tristes cemitérios entulhados de esculturas. Geralmente, quem opta por um Arka também se decide por cemitérios/jardins, alguns lindos campos de contemplação. Afinal, paraíso, em árabe, é sinônimo de jardim e é com esse desejo de direção incerta que enterramos nossos entes queridos.
 


*Artesanais aqui não é sinônimo de precariedade e miséria das populações marginalizadas, que tantos gostam de cantar. Bem ao contrário, são produtos de ofícios especializados em diálogo com o conhecimento e de pagamentos dignos.

 


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