As grandes exposições de arte são inegavelmente um dos fenômenos de cultura contemporânea que mais atraem visitantes. As instituições dedicadas ao universo artístico utilizam-se das mídias, por meio de suas assessorias de imprensa, com pleno senso de conveniência e grande desenvoltura, valendo-se do inquestionável poder de persuasão que exercem sobre as grandes massas.
As mostras de caráter temporário assumem assim a dimensão de megaeventos, apresentando recortes pontuais sobre temas variados de modo sedutor e empolgante. Foi-se o tempo da pretensa neutralidade do “cubo branco”, em que as salas de exposição se queriam distantes e impessoais. Atualmente, é irrefutável a influência cada vez maior não apenas do curador na autoria de uma exibição de arte, como também do museógrafo (ou, como querem alguns, cenógrafo ou designer de exposições) na formulação de uma narrativa persuasiva por meio de obras e objetos, de modo a atrair, convencer e emocionar o público em geral.
Cenário da Arquitetura da Arte foi criteriosamente elaborado por Sonia Salcedo del Castillo, uma das mais reconhecidas designers de exposição e curadoras independentes, com a intenção de discutir a construção dos espaços expositivos dedicados às artes plásticas. A autora discute essa questão com muita propriedade, valendo-se tanto de sua experiência como arquiteta, cenógrafa, pesquisadora em história da arte e da arquitetura, quanto de sua vivência como coordenadora do Programa de Artes Visuais do Museu Imperial. Num texto de escrita fluida e empolgante, Sonia se propõe a analisar, no decorrer da linha do tempo, os desígnios que orientam as mudanças na elaboração dos ambientes expositivos, chegando a versar sobre o panorama brasileiro. O livro é oriundo de sua dissertação de mestrado e conta com apresentação de Agnaldo Farias, que enfatiza seu caráter inédito e precursor ao articular uma discussão entre a produção plástica moderna e contemporânea, sem ignorar as particularidades das mostras realizadas por instituições de arte nacionais.
A autora parte de uma visão histórica do problema, com sua origem nos Salões de Arte parisienses, passando pela observação das exposições internacionais do século XIX e das mostras de vanguarda do início do século XX, tais como as realizadas pela Secessão Vienense, pela Bauhaus, pelo Armory Show e pelo Sonderbund. A seguir, elabora uma discussão sobre o modo como o ambiente expositivo se torna parte fundamental do debate artístico, com a crise da idéia de “cubo branco” e o aparecimento das obras efêmeras, realizadas no próprio espaço da mostra. Sônia chega então à análise do paradigma da “caixa preta”, como espaço que se quer dócil e flexível, estendendo-se aos domínios da arte e da lógica expositiva nacional e internacional relativa aos anos 1960 e 1970. A obra se encerra ao tratar de mostras emblemáticas para a investigação, nas quais a qualidade das obras exibidas é subjugada pelo modo de fruição, daí a importância capital dada à construção do ambiente expositivo.
Sonia Salcedo de Castillo realiza um trabalho meticuloso e fundamental. O livro tem ainda a qualidade de apresentar uma extensa bibliografia sobre os vários tópicos abordados, tornando-se subsídio imprescindível para aqueles que desejam enveredar pelo território da museologia. Cenário da Arquitetura da Arte traz à luz o questionamento de mazelas e macetes referentes à lógica do espetáculo, do uso das estratégias cenográficas para a transformação das exposições em hiper-acontecimentos culturais de grande repercussão. Fato este que muitas vezes desloca intencionalmente a discussão do âmbito artístico em prol das instâncias mercadológicas, fazendo com que a construção dos espaços expositivos sirva de instrumento para que a arte seja subjugada aos interesses do capital.
Heloísa Dallari é arquiteta; doutora pela FAU/USP, autora da tese Design e exposições: das vitrines para as novas telas.