Ano: V Número: 52
ISSN: 1983-005X
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Como penso como

Felipe da Costa Castellari

Entre centenas de atividades culturais que a maior metrópole da América do Sul tem para oferecer diariamente, surgiu uma experiência singular, fruto de anos de trabalho e uma equipe multidisciplinar liderada pela designer Simone Mattar.

A exposição experimental “'Como Penso Como”, que aconteceu entre os dias 8 de agosto e 9 de setembro, no Sesc Pompeia, propôs uma reflexão sobre a alimentação da sociedade brasileira; sua relação histórica, cultural e sua importância para a construção da identidade do povo brasileiro.

Logo ao entrar na exposição, os sentidos do espectador são despertados em uma viagem sensorial pelo Brasil gastronômico - que sozinha já valeria a visita - sons da comida de rua, entre eles a famosa frase dos vendedores ambulantes da pamonha de Piracicaba (tão consolidada no inconsciente dos paulistanos que chega a dar inveja às maiores empresas de branding); o cheiro do café; a textura das rendas e bordados nas toalhas de mesa; a iluminação quente e acolhedora e uma instalação multimídia com projeções, em um ambiente em formato de caracol, inspirado no tradicional bolo de rolo pernambucano.

Porém, o ponto mais impressionante do projeto foi a degustação, que ocorreu duas vezes por dia de quarta a domingo para grupos de 30 pessoas.

A degustação foi uma experiência holística que amalgamou, por meio da gastronomia, a sociedade brasileira antiga e contemporânea. Foram criados nove pratos, frutos de extensa pesquisa histórica.

Cada um deles teve apresentação singular inspirada de forma direta e indireta num momento específico que marcou a construção da identidade brasileira relacionada ao alimento.

A cada prato servido, atores faziam uma performance introdutória por meio de movimentos, poesia e música ao vivo, contextualizando o tema do prato para convivas que aguardavam ansiosamente em uma longa mesa inspirada na estética barroca, que assemelha-se àquela dos banquetes da corte portuguesa.

Durante a degustação, os participantes sentiam-se como membros da corte, sendo atendidos e entretidos criando, assim,  um rebuscamento e uma formalidade irônica que contrapunham-se aos aspectos da comida contemporânea e da comida de rua.

Ao longo dos nove pratos o participante experimentava desde uma luminária comestível feita de filigrana de mandioca no prato “Grande Poder”, inspirado na música de cordel homônima e na lenda da mandioca (lenda de Mani), até uma renda comestível, feita de polpa de graviola no prato “Tabuleiro Brasileiro”, com base no tabuleiro da escrava Manuela, que se apaixonou por Fruchô, um estrangeiro de pele clara.

Em todo o evento notou-se grande preocupação com a apresentação dos alimentos. Suportes foram criados especificamente para cada prato. No “Sonho Real”, um sonho salgado foi servido sobre travesseiro de cerâmica ilustrado com escrita caligráfica dourada representando a mantelaria real portuguesa.

No “Conflito Festa do Divino”, um mousse de chocolate apimentado, pintado de páprica vermelha, recheado com massa de bolo de chocolate, doce de cupuaçu e crocante de Araçá foi servido sobre uma pedra com impressão serigráfica de tinta comestível de chocolate.  

Ao final da degustação, uma última performance foi realizada e todos os participantes da noite levantaram-se para aplaudir a equipe, que se mostrou muito mais numerosa que os próprios participantes.

Ao sair da degustação a expressão dos participantes foi um show a parte. Após 3 horas de total envolvimento sensorial era difícil pisar do lado de fora da exposição e agir naturalmente como se tivéssemos acabado de jantar em um restaurante convencional com amigos. Um estado reflexivo esteve presente nos rostos de todos: jovens, adultos ou idosos. Foi impossível não comentar: “'Uau, o que foi isso!'”

Não é qualquer chef que consegue temperar um prato com arte, design, história, sociologia, torná-lo comestível e ainda delicioso.

 

Felipe da Costa Castellari é fotógrafo freelancer, estudante do 7º semestre de Design na ESPM-SP. É colaborador do projeto "Wave Project" (https://www.facebook.com/WaveProject?fref=ts).

 


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