Interpretar sinais.
A obra em questão parte do princípio de que, para muitos, a semiótica é considerada uma ciência misteriosa, e, portanto, este livro pretende desvendar seus mistérios e explicar, através de uma seleção de exemplos, que conceitos estão nos bastidores da construção de determinadas relações e da compreensão de certos significados em produtos e fenômenos comunicacionais.
O caminho sugerido por Sean Hall para nos guiar nas interpretações de imagens, textos, fotografias, obras de arte, gestos, propagandas e elementos gráficos, é amplo e diversificado.
Os exemplos selecionados têm como finalidade apontar para determinados assuntos, termos e definições que o autor assume como conceitos básicos da semiótica, e através dos quais o percurso para a compreensão da teoria dos signos é estabelecido.
Um percurso guiado através de 75 pontos, cada qual amparado por uma ilustração e uma pergunta dirigida.
Assim, nenhuma imagem é percebida pelo receptor de forma autônoma, espontânea ou imprevista. A pergunta proposta, na maioria das vezes, fornece os sinais para a resposta, e assim, objetivando um tipo de leitura ou interpretação, ela limita as hipóteses associativas decorrentes da observação do elemento visual, àquilo que o autor pretende abordar como exemplo do conceito em questão.
Neste sentido, perguntas como: o que há de irônico neste vaso? É estranho combinar roupas desta forma?O que há de curioso neste cartão postal?O que há de errado comeste mapa? , por exemplo, tem o alvo definido para uma mira que se ajusta através dos parâmetros fornecidos pelos adjetivos: irônico, estranho, curioso, errado.
Dessa forma, os estímulos desencadeados pelas perguntas excluem dos processos de produção de significado aquilo que eles têm de mais prazeroso, ou seja, a produção da dúvida e os mecanismos que elaboramos para saná-la e nos surpreender com nossas deduções.
Observa-se, no entanto que provocar surpresas e promover descobertas subjetivas, parte dos mistérios que a semiótica nos permite experimentar, não é proposta do autor, determinado a transitar por aspectos relacionados a produção de significados a partir da compreensão de signos de naturezas distintas, que lhe dêem condições de encontrar exemplos para os conceitos desejados.
Amparado pela obra de uma série de reconhecidos estudiosos da semiótica, citadas como fontes consultadas para elencar os pressupostos teóricos tratados em cada um dos 8 capítulos, Sean Hall traça uma rota que propõem agrupar tópicos abordados pelas diversas incursões que a semiótica tem empreendido nas áreas da comunicação, do design e da arte.
É nítida a preferência do autor pela condução do guia a partir do viés comunicacional, o que nos oferece situações senão questionáveis, ao menos inusitadas pelas implicâncias que isto gera para a abordagem da imagem da Mona Lisa, por exemplo, para explicar o conceito de meio, canal e transmissão.
Embora Hall destaque em diversos exemplos posteriores a importância e necessidade de considerarmos a contextualização do elemento visual durante sua interpretação, no caso de ícone da pintura renascentista o procedimento não foi levado em conta, e a famosa pintura teve sua expressão enigmática comparada à representação simbólica das carinhas “smile”.
A conclusão oferecida pelo autor, a partir desta analogia, de que a janela da alma é a boca e não os olhos, contradizendo a inspirada citação atribuída a Leonardo da Vinci, certamente nos alerta para o perigo eminente que podem constituir percursos pretensiosamente simples que se dirigem à semiótica com a intenção de desmitificá-la ou desvendá-la para iniciantes.
Ao tratar das Maneiras de conferir significados, os estímulos e interlocuções apresentados ao leitor se tornam mais convidativos, provavelmente pelas considerações a cerca da representação e de suas contaminações à compreensão das convenções e das abordagens perceptivas literais.
O elenco de exemplos, que incluem até um trabalho do próprio Sean Hall como designer, funciona metonimicamente como uma parte que se equivale ao todo, destacando os trânsitos interpretativos que o pensamento coloca em ação na busca da produção de significados.
Há surpresas e revelações nas trilhas traçadas pelo Guia, quando nos explica, por exemplo, o equívoco de interpretação que envolve a simbologia do polegar para cima, gesto romano para indicar a morte, que adquiriu significado contrário amplamente divulgado por meios de comunicação, como o cinema, por exemplo.
Talvez esta seja uma característica que atraia futuros leitores, em busca de alguma referência com linguagem acessível para conceitos chave que auxiliam na interpretação e na construção de significados através do uso de elementos em suporte visual.
Apresentar-se como um material destinado a leigos e curiosos sobre a semiótica é uma qualidade indiscutível que o texto de Sean Hall tem, principalmente porque emprega, quando possível, exemplos do cotidiano, dos filmes de ampla circulação, de personagens e fatos históricos conhecidos e familiares.
O autor, em vários momentos, interage e dialoga com o leitor solicitando a participação deste nos jogos interpretativos que lhe são propostos.
No entanto, também coloca sua própria obra em situação de teste, ao incitar o leitor a duvidar de alguma afirmação, ou a questionar as fontes e referências por ele citadas, provocando seu interlocutor ao convidá-lo a uma troca de lugares.
Embora o recurso de linguagem funcione muitas vezes para aproximar a distância entre leitor e escritor, e torná-los mais cúmplices, os efeitos nem sempre são totalmente previsíveis e o feiticeiro corre o risco de ser vítima do seu próprio feitiço...
“... talvez a semiótica trate de criar as mentiras que nos fazem ver as verdades...” (Sean Hall, p.46)