O Estado da História do Design: problemas e possibilidades (parte 1)
Clive Dilnot
Tradutor(a):Ana Cláudia Berwanger
Existem quatro problemas cruciais que devem ser enfrentados tendo em vista a criação de uma disciplina de história do design. Em primeiro lugar, está claro a partir da revisão (1) das pesquisas recentes em história do design, que os historiadores do design como um todo têm, no máximo, uma visão incompleta de seu objeto de estudo. Esta situação não é de todo surpreendente, considerando que o termo design adquiriu muitos sentidos e associações distintas e frequentemente contraditórios, em virtude de sua refração através do desenvolvimento econômico, cultural e industrial dos últimos 200 anos (2), que ainda permanece incompreendido e não-mapeado.
O design não apenas sofre de uma indisposição geral da cultura em reconhecer-lhe como uma atividade merecedora de investigação e definição (3) – uma indisposição que é parcialmente motivada pelos seus praticantes, que definem o design em termos do que os designers fazem (4) – mas sofre também de uma ambiguidade fundamental, relativa ao próprio conceito de design. Não é claro se o termo se refere a um processo (o ato de projetar), ao resultado desta atividade (os objetos e imagens projetados), ou a um valor (um adjetivo, como na noção de "bom design") (5); esta ambiguidade se estende, para além da reflexão sobre design, na política de instituições como o British Council ou, mais genericamente, no ensino de design. Em nenhum destes casos fica claro o que está sendo promovido ou ensinado: em ambos os casos, e certamente na prática profissional, o design aparece como uma difícil miscelânea dos três sentidos. O terceiro sentido – design como valor – é ao mesmo tempo o menos reconhecido e o menos preciso, mas ainda assim é aquele usado para identificar o design profissional e para diferenciar Design (com letra maiúscula, referente às versões profissionais do ato de projetar e a algumas classes específicas de objetos e imagens) de design (com letra minúscula, um verbo que se refere à atividade geral de configurar, dar forma, organizar coisas, imagens ou sistemas, seja profissionalmente ou não) (6).
Para os historiadores do design, esta ambiguidade se manifesta de algumas maneiras: ao refletirem o desenvolvimento de distintas atividades especializadas, no âmbito das sociedades industrializadas, os diferentes sentidos da palavra design têm originado uma considerável variedade de histórias do design, de maneira que é mais adequado, por um lado, falar sobre variedades de história do design, ao invés de considerá-la como uma entidade simples e homogênea (7). Em um outro nível, as histórias do design têm seguido as mesmas abordagens que ocorrem no âmbito da prática profissional, e neste sentido há uma clara diferenciação entre as atividades profissionais, conscientes de si mesmas e relacionadas com a noção de design como valor (com critérios estéticos e formais de alguma ordem) e outros tipos de atividades projetuais, como por exemplo, aquelas não motivadas esteticamente como a engenharia, ou aquelas não-profissionais (8). Há também um conjunto de histórias do design que trata dos grandes campos profissionais – design industrial, design gráfico etc – e que estão ligadas às disciplinas das escolas de artes e design. Particularmente ao lidar com a produção após 1945, tais histórias do design apresentam-se separadas da história da arquitetura, assim como o ensino de arquitetura é frequentemente separado – pelo menos na Inglaterra – do ensino de artes e design. Todavia, esta separação não significa que as várias histórias das atividades de design reconheçam e explorem os diferentes usos do termo design. Pelo contrário, a distinção entre os vários campos profissionais ligados ao design é virtualmente a única diferenciação conceitual feita por estas várias histórias do design, condição que traz implícita em si um conceito unificado e homogêneo que, não sendo satisfatoriamente articulado, impede a exploração da real multiplicidade do termo.
O professor Necdet Teymur argumenta que, “ao negligenciar as mútiplas distinções e conteúdos do termo design (…) e ao depositar toda uma variedade de atividades sob um único ‘ato’” (9) a história do design somente obscurece a imensamente complexa e variada divisão de trabalho que está na base da atividade de design. Uma variedade superficial obscurece então a real variedade de atividades e processos em questão.
Esta inconsistência gera dois efeitos: em primeiro lugar, ao encobrir o que o design é materialmente, ("um substantivo e um verbo, e também uma palavra que denota uma forma, uma representacão, uma atividade, uma prática, um produto, etc etc, ao um único e só tempo") (10), o potencial entendimento do design, e portanto, do que são os objetos de design e do que os designers fazem, é tornado mais difícil, senão impossível. Se tomarmos como uma auto-evidência que o design é uma "coisa boa", e que seus valores são incorporados pela forma dos objetos de maneira transparente, de uma tal forma que não é necessário problematizá-los, mas apenas ilustrar a ideia de "bom design" com tais objetos, então rapidamente torna-se possível uma história canônica do “bom design”, embora neste processo não seja produzido um entendimento consciente do design. (11)
Este é um ponto de extrema importância. Em 1930, em Cambridge, o crítico literário Ivor Armstrong Richards demonstrou, em suas famosas experiências em crítica prática, que os alunos mais bem preparados de literatura inglesa poderiam ser ensinados a respeito do cânone literário, mas não poderiam produzir por si mesmos as suas variações implícitas (12). Esta descoberta produziu uma pequena crise nos estudos literários, e conduziu quase diretamente à dominação da crítica nos estudos literários. A literatura passou a ser redefinida em termos de valores literários, e o estudo da literatura foi limitado a um pequeno conjunto de textos canônicos, estabelecidos criticamente, e essa guinada que teria gerado três consequências: em primeiro lugar, ela oculta o ‘elemento da escrita, a composição linguistica de fatos e argumentos nas áreas excluidas (13); em segundo lugar, oculta a própria história dos textos, ou seja, os processos históricos através dos quais o cânone da literatura inglesa foi produzido, e não simplesmente "dado"; e em terceiro lugar, todos os textos do cânone estabelecido e toda a diversidade de textos produzidos efetivamente, mesmo dentro dos limites das restritas formas literárias estudadas atualmente nos departamentos de literatura (14), foram reduzidos a uma identidade literária singular (ou uma identidade literária nacional, no caso dos estudos de literatura inglesa).
Na verdade, o paralelo com a literatura não é assim tão remoto: embora não exista uma verdadeira disciplina de crítica de design (15), atualmente uma listagem canônica de designers "importantes" e de expressões “importantes” do design vem sendo rapidamente estabelecida, a despeito de que os fundamentos críticos de tal elenco permaneçam encobertos. Pode-se perceber também que a distinção entre o que é “importante” e o que é “desimportante” em termos de design tende a excluir os “desimportantes” da própria definição de design, restringindo o material que estamos discutindo de fato. E neste sentido, a história do design que vem se configurando como um elenco de exemplares “importantes” de design, gera como consequência o desaparecimento gradual dos processos históricos que lhes deram origem, causando a aceitação tácita, e cada vez mais disseminada, de que os valores de tais obras são dados externos à esfera da história (16).
Assim, a consequência mais grave é que, ao invés de iluminar o processo de design, tais histórias do design tendem a obscurecê-lo, gerando o segundo efeito da inconsistência na distinção dos mútiplos sentidos do termo design, tal como já colocado por Necdet Teymour: a paradoxal remoção das noções de “história” e de “design” da própria história do design (17). Há aqui um paralelo com a História da Arte: como apontou recentemente o artista plástico britânico John Walker, há algum tempo a história da arte parou de caracterizar a arte; sua real função agora é a construção de uma tradição particular ou modo de olhar a arte – a Grande Tradição Européia de Pintura a Óleo, e os conceitos críticos associados a esta tradição. Neste sentido, a história da arte não tem a arte em si como seu objeto de estudo, mas a história daquela tradição específica, e estritamente falando, sua produção não é propriamente história da arte, mas diferentes versões e variacões daquela tradição. (18)
Este paralelo é desconfortavelmente próximo da história do design, tal como ela está emergindo nos dias de hoje. Seriam tais histórias do design genuínas investigações da história de um campo, ou seriam construções retrospectivas de uma tradição? Em outras palavras, seriam tais histórias estudos de genealogia, cujo propósito é estender as atuais tendências nas práticas de design em direção ao passado, para outorgar-lhes uma origem? Esta é uma motivação que produziu importantes trabalhos, como por exemplo, a obra Pioneiros do Design Moderno, de Nikolaus Pevsner. Todavia, o paralelo com a história da arte é incômodo ainda por duas outras razões. Em primeiro lugar, isto indica o quão rapidamente a temática da história do design tem renunciado aos procedimentos da pesquisa histórica para compreender o próprio design (nas tradições de reconstrução histórica orientadas narrativamente, o assunto é sempre assumido a priori (?), e o historiador coloca-se à disposição de contar a história rigorosamente, narrando "os fatos exatamente como eles aconteceram"). Em segundo lugar, isto ilustra outra relação paradoxal. Assim como nós estamos, coletivamente, como uma cultura, começando a ficar cada vez mais conscientes e atentos ao design, ao mesmo tempo estamos intelectualmente cada vez menos conscientes do design como um fragmento de uma construção maior e mais complexa, como se ele existisse somente em si e por si: temos esquecido que a tanto a prática do design como seus resultados (os objetos e imagens) têm efeitos variados (ao exercerem funções econômicas e derivarem desdobramentos sociais e implicacões culturais), muitos dos quais estão situados fora do conceito Design. E, tanto quanto isto significa um hiato entre os valores da prática profissional e as necessidades sociais, há também uma crescente lacuna entre aquilo que a palavra Design evoca para os envolvidos em sua prática ou no ensino, e o que os objetos e imagens projetados efetivamente fazem. Na prática profissional e no ensino de design, e muito possivelmente na história do design, vem sendo criada uma mística do design, ou seja, um arsenal quase mítico e artificial de valores estéticos que, em termos de história, implicam a possibilidade real de transformar a escrita da história do design na escrita de um mito.
No sentido discutido por Roland Barthes, os mitos contemporâneos se caracterizam por transformarem “uma intenção histórica em natureza, uma contingência em eternidade” (19). Isso significa que a ideologia do capitalismo moderno ocidental exige a naturalização dos processos e estruturas que o caracterizam. Ou, como diz Barthes, o capitalismo está sempre tentando provar que não há alternativas, procurando fazer parecer natural aquilo que é, na verdade, um desenvolvimento histórico, e que portanto estaria sempre aberto a modificações. O mito é um dos mecanismos usados para fazer isso acontecer: “o que o mundo fornece ao mito é um real histórico, definido, por mais longe que se recue no tempo, pela maneira como os homens o produziram ou utilizaram; e o que o mito restitui é uma imagem natural deste real.” (20)
E como funciona um mito? Barthes lista sete características principais: em primeiro lugar, o mito é constituído basicamente "pela eliminação da qualidade histórica das coisas: nele, as coisas perdem a lembrança de sua produção” (21). Em segundo lugar, para compensar essa perda histórica, o mito “abole a complexidade dos atos humanos”, dando às coisas a “simplicidade das essências” (22), e portanto, em terceiro lugar, ele constrói um mundo harmonioso ao organizá-lo sem suas contradições, pois "um mundo plano que se ostenta em sua evidência, cria uma clareza feliz". Em quarto, o mito purifica as coisas, "inocenta-as, fundamenta-as em natureza e em eternidade, dá-lhes uma clareza, não de explicação, mas de constatação" (24). Em quinto lugar, o mito confere às coisas justificativas eternas e naturais (25). Em sexto, ele realiza esta operação fazendo com que as coisas pareçam significar sozinhas, por elas próprias (26). E portanto, em sétimo, se nós entendermos “política no sentido profundo, como conjunto das relações humanas na sua estrutura real, social, no seu poder de construção do mundo” (27), então o mito é um discurso despolitizado, no qual o prefixo "des" tem um valor ativo, representando a operação que remove das coisas as suas contingências, sua qualidade histórica e, em especial, suas origens sociais e sua eficácia.
E como o mito se manifesta na história do design? Mais obviamente pela redução de seu objeto de estudo a uma entidade não-problemática e auto-evidente, de forma a reduzir a quase nada – tanto quanto possível – a sua especificidade e sua variedade histórica. Esta redução também reestrutura a história do design como uma repetição das carreiras passadas de alguns designers como uma simples antecipação e legitimação do presente. Neste processo, a grande variedade do design representada na história, profissional ou vernacular, industrial ou pré-industrial, é obscurecida por um modelo de desenvolvimento único, e os processos e atividades de design são largamente separados de suas raízes sociais. (28)
Neste processo dificilmente se está interessado se a legitimação do presente é a finalidade da história, sendo suficientes as concepções tácitas e essencialmente pouco explicadas do que vem a ser design. Mas, se a ambição da história do design é explorar as suas dimensões históricas; se seu propósito é obter um entendimento bem fundamentado acerca de suas práticas, em suas “dimensões, agentes, variáveis, produtos e processos, que existem numa totalidade sócio-física que não é isenta de contradições” (29); se este é o propósito da história do design, para além da mera reunião de diferentes variedades de design e modos de projetar num único modelo ou sistema explicativo, então a articulação deste problema da história deve ser a primeira prioridade. E isto significa recusar o essencialismo que caracteriza o mito. E sobretudo, adotar como primeiro passo a remoção da história do design da rede do discurso mítico.
Embora as distorções resultantes da mitificação do design pareçam focar a história do design nas publicações da área em geral, elas na verdade, concentram-se na história do design somente nas publicações críticas de design. Já em 1977, o historiador, designer e professor Roger Newport preocupava-se com as vastas implicações deste processo: “tal como se encontra neste momento a disciplina de história do design, eu acredito que nós não somente estamos correndo o perigo de nos tornar menos relevantes para o nosso tema central tanto quanto sucessivos governos têm esperado, mas também corremos o risco de permitir que historiadores do design falem uma linguagem completamente distinta dos próprios designers; corremos o risco de estar criando precedentes irreversíveis para que nosso tema permita critérios para a crítica distantes dos critérios da atuação profissional". (30)
De uma forma semelhante aos professores que produziam crítica literária ao invés de produzir literatura, os historiadores do design raramente produzem os bens que discutem tão avidamente. Mesmo conceitos críticos em história do design tendem a referir-se menos ao ato de projetar, do que a exemplificar ideias de design com objetos representativos. O que Newport quis evidenciar foi a consequência desta distorção sobre o que os próprios historiadores do design consideram que deve ser a sua função pedagógica. Para Newport, atualmente os historiadores do design correm o risco de se alienarem em relação às atividades e processos que caracterizam as práticas do design, se alienando, portanto, em relação ao contexto educacional em que eles atuam largamente. O fato de alguns professores alcançarem êxito educacional não elimina tais riscos. Suas realizações acadêmicas ocorrem contra a direção das práticas de design. Além disso, é desconfortável, mas igualmente verdadeiro, que a organização dos conceitos em história do design não combine a si mesma com as atividades pedagógicas que nós, como historiadores do design, deveríamos estar realizando. Neste sentido, os argumentos de Roger Newport são muito precisos (31).
Num contexto mais amplo, esta problemática específica refere-se ao segundo grande problema enfrentado pela história do design: a definição de seu papel, de quem são suas potenciais audiências e de quem elas deveriam ser. Deveriam os historiadores do design escrever para si mesmos ou para designers profissionais? Ou seu papel está ligado fundamentalmente aos processos educacionais? Se é assim, qual seria então a relação ideal entre o estudo da história e o ensino das práticas de projeto? Ou a história do design deveria ser considerada como uma disciplina inteiramente acadêmica (32)? Ou talvez como uma contribuição aos estudos em design cuja dimensão histórica é, em grande parte, profundamente ahistórica para modelar analítica e logicamente o processo de design? Ou é mais interessante pensar na história do design como parte da história em geral? E sendo este o caso, que contribuições seriam esperadas ou desejáveis? Deveria ser a história do design, se proveitoso desta forma, uma parte da história social, econômica ou tecnológica? Ou poderia ela representar uma contribuição muito significativa a uma nova forma de compreender a história? (33) Em suas feições modernas, e em seus aspectos mais teóricos e abstratos, não mereceria a história do design estar conectada aos estudos culturais e à sociologia das mídias e da cultura, e mesmo a aspectos da antropologia e arqueologia (34)? E finalmente, considerando a história do design como uma "história das coisas vistas", quais poderiam ser suas relações com a história da arte, da arquitetura e das artes decorativas?
Um resposta possível é que a problemática da história do design, pelo menos potencialmente, tem uma função em aproximadamente todos estes contextos, e contribuições a fazer em aproximadamente todas as disciplinas mencionadas. Mas ao se assumir esta ideia, se torna mais aguda a necessidade de articulação e definição do que implicam tais papéis ou funções. Isto traz à tona a questão de se tratar de uma, ou de várias histórias do design. E sendo este último o caso, pergunta-se qual seria, então, a problemática geral a unificar todas estas histórias (ou em outras palavras, quais as questões centrais da história do design?). E ainda, como deveria ser uma história do design fundada em tal complexidade? Certamente, tal história tem o extraordinário potencial de conectar importantes estudos interdisciplinares. Não seria então esta uma direção mais produtiva para conduzir o tema, se comparada com a concentração numa disciplina quase que inteiramente auto-referente?
Isto conduz à terceira grande questão a ser enfrentada pelos historiadores do design: somente quando tivermos definidos os possíveis e desejáveis papéis para a história do design é que podemos providenciar a construção de uma disciplina apta a atuar de uma maneira específica, e que possa desenvolver o estatuto e o sentido de um tema em relação às problemáticas acadêmicas, públicas e profissionais mais amplas (35).
A questão da construção de uma disciplina de história do design é crucial. No presente momento, não existe um verdadeiro ponto de convergência intelectual a definir este tema e seus propósitos. A primeira geração de historiadores do design, atuantes na Inglaterra nos anos 70, absteve-se deliberadamente de formular definições, investigações metodológicas e auto-reflexão teórica, visando o saudável (e talvez mal posicionado) objetivo de manter este assunto, então nascente, aberto e pluralista tanto quanto possível. De qualquer maneira, tais deficiências só poderiam ser reparadas mediante um empirismo auto-reflexivo, que tomasse como conceitos guia as hipóteses até então construídas sobre a história e a prática do design.
O empirismo tem causado muitos problemas à história do design. Ele tem conduzido os historiadores a uma posição defensiva e a recusa do engajamento no debate. Embora a cultura intelectual se baseie em argumentação e controvérsia, os historiadores ortodoxos do design têm respondido às frequentes críticas dos métodos, propósitos e abordagens do assunto apenas indicando os legítimos problemas de pesquisa, ou, com menor validade, negando a importância de conceitos, ideias e métodos (36).
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(1) A revisão a que o autor se refere consta de seu artigo The State of Design History / part I: Mapping the field, publicado na coletânea Design discourse: history, theory, criticism (Chicago: The University of Chicago Press, 1989), organizada por Victor Margolin.
(2) Segundo Stephen Bailey, no artigo In Good Shape (London: Design Council, 1979), o design é a expressão da arte do século XX. Para Victor Papanek, o design corresponde aos esforços conscientes do homem para impor ordem e sentido ao mundo (Design for the Real World. London: Paladio, 1974). Para Terence Conran, fundador da cadeia britânica de lojas Habitat e posteriormente presidente do grupo Habitat-Mothercare, o design têm provado ser uma mola propulsora para negócios altamente rentáveis. O ponto que costuma complicar as discussões sobre design é que nos habituamos a não encarar estas diferenças de interpretação. O fato de que cada definição ou aspecto está inextrincavelmente ligado aos demais dificulta a nossa percepção de que é necessário indagar qual é o real nível de integração entre estes diferentes sentidos do design -- e se de fato ele existe --, e também quais são as diferenças mais evidentes entre diferentes práticas fundamentadas pelas várias interpretações de design, assim como reconhecer as concepções de design implícitas em cada uma dessas práticas.
(3) Cf. Dilnot, The State of Design History / part I, 7.
(4) Esta é uma estratégia que apresenta enormes vantagens aos designers, pois em geral ela reduz imediatamente o design àquilo que os profissionais estão praticando num determinado momento, embora seja menos conveniente ao consumidores, que podem necessitar outros tipos de soluções para atender suas demandas. Por esta razão, os designers não deveriam reduzir as definições de design, ou as possíveis e distintas formas de projetar, ao seu interesse próprio.
(5) Uma análise que considere a trajetória do uso da palavra "design" pela publicidade e, paralelamente, a ascensão do conceito de "bom design", pode ser extremamente esclarecedora. Em primeiro lugar ela revelaria que, ao longo dos últimos 50 anos, a ideia de design tem se tornado, cada vez mais, um valor em si mesma; em segundo lugar, seriam reveladas as funções -- particularmente as funções simbólicas -- desempenhadas pelo design nas sociedades capitalistas avançadas. Alguns debates afins podem ser conferidos na obra de Jean Baudrillard For a Critique of the Political Economy of the Sign (St. Louis: Telos Press, 1981) [em português, Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa: Edições 70, 1995], em especial, os capítulos 1, 3, 7 e 10.
(6) Para uma discussão mais detalhada a respeito deste tema, conferir o artigo de Noel Lundgren, Transportation and Personal Mobility, em Leisure in the Twientieth Century (London: Design Council, 1978).
(7) Esta é a problemática essencial discutida na parte 1 deste artigo. Embora se possa argumentar que a história do design necessita de mais concentração, ao invés de diversificação (e desintegração?), a tendência parece ir na direção contrária, uma vez que os historiadores do design parecem estar cada vez mais se comunicando seletivamente apenas com seus pares, ao publicarem, por exemplo, a sua produção em revistas que são lidas por públicos extremamente específicos.
(8) O que poderia nos revelar um estudo comparativo sobre o "mainstream" Art and Design school design Esta é uma questão abordada por Noel Lundgren em "Transportation and Personal Mobility": "Seria muito útil para a construção de uma história do design verdadeiramente abrangente a percepção de que, no século XX, a atividade do design esteve muito mais ligada aos serviços básicos, mera solução mecânica anônima de problemas cotidianos, do que o constante fervilhar de opções criativas exercidas por heróis-artistas isolados."
(9) Necdet Teymour, "The Materiality of Design" Block 5 (1981): 19. Devo concordar que existe uma aparente contradição neste parágrafo. O que se tentou expressar foi que são concomitantes tanto a fragmentação do tema quanto a unidade em torno da mal-resolvida e mítica entidade chamada "design". Ambos os aspectos -- fragmentação e unidade -- existem simultaneamente.
(10) Teymour, "The Materiality of Design", 19.
(11) Este sintoma é evidente em quase todas as grandes mostras de design, e por todos os livros de design realizados a partir de bases comparativas. Como exemplo, conferir Bayley, In Good Shape.
(12) Uma proveitosa análise destas questões está disponível em Raymond Williams, "Marxism, Structuralims and Literary Analisys," New Left Review 133 (January/February, 1984): 51-66. Ver também Terry Eagleton, Literary Theory (Oxford: Basil Blackwel, 1983) [em português, Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo; Martins, 2006], especialmente a introdução e o capítulo 1.
(13) Willians, "Marxism", 53.
(14) Williams descreve a restrição nos seguintes termos: "So you have in sequece, first a restriction to printed texts, then a narrowing to what are called "imaginative" works, and then, finally, a circunspection to a critically established minority "canonical" texts (p. 53)" É possível fazer um paralelo com a história do design nestes termos?
(15) Certamente não existe uma crítica de design fundamentada historicamente. Diferente da arquitetura, que considera seriamente tanto a crítica quanto a história, a crítica de design normalmente se reduz às abordagens jornalísticas. E isto provavelmente tem uma grande relação com a natureza transitória do design (se comparada com a natureza da arquitetura, por exempo). Conforme a indagação de Mafredo Tafuri: Theories and History of Architecture (London: Granada, 1980), 40. [em português, Teorias e história da arquitetura. Lisboa: Presença, 1979]
(16) O paralelo estabelecido aqui é com as histórias da arquitetura moderna, que são organizadas em termos dos "grandes mestres", como pode ser verificado nas obras de Charles Jencks (Modern Movements in Architecture. London: Penguin, 1973) [em português, Movimentos modernos em arquitectura, Lisboa: Edições 70, 1992] ou de Kenneth Frampton (Modern Architecture: a Critical History. London: Thames and Hudson, 1980) [em português, História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins, 2008]. A diferença entre tais histórias é o nível de discussão a respeito do que torna notáveis e relevantes os "grandes mestres". Fazer esta afirmação não equivale, no entanto, a justificar esta forma de historiografia que, ao fim das contas, distorce seriamente as reais relações da arquitetura como um todo no período moderno. Por outro lado, é evidente que, ainda assim, estas histórias da arquitetura mantém um elevado nível de discussão e avaliação crítica.
(17) Teymour, "Materiality of Design", 19.
(18) Conferir John Walker. "The Values of a General Model of Production, Distribution and Consumption of Artistic Signs for the Study of Art History." Block 9 (1963): 73-76.
(19) Roland Barthes, Mythologies (New York: Hill and Wang, 1972), 142. [em português, Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, 163]
(20) Barthes, Mythologies, 142 [em português, Mitologias, 163].
(21) Barthes, Mythologies, 142 [em português, Mitologias, 163]. Em relação à história do design, a pergunta que se impõe diz respeito a quando e onde teria emergido a noção de design, tal como a conhecemos atualmente. Para Stephen Bailey, conforme consta em seu artigo In Good Shape, o design teria surgido, de maneira mágica e não-problematizada, em 1900. A (mítica?) historiografia padrão tende a atribuir a origem do design aos reformistas das décadas de 1840 e 1850. No entanto, será que temos pesquisas suficientemente amplas a respeito dos processos de design tal como eles ocorriam na produção típica da era Vitoriana?
(22) Barthes, Mythologies, 142-143 [em português, Mitologias, 163-164].
(23) Barthes, Mythologies, 142-143 [em português, Mitologias, 163-164]. O fenômeno do design nas sociedades do século XX é marcado precisamente pelas mesmas contradições e conflitos que distinguem as sociedades como um todo (tais como o conflito entre o papel do design no mundo corporativo e no atendimento de demandas sociais), e este aspecto parece embaraçar a maioria dos historiadores do design. É notável que a estrutura profissional do design industrial, tal como comentada por Papanek, ainda não tenha sido considerada numa genuína história crítica da profissão. A respeito do problema de se tomar o "senso comum" como a expressão da verdade, conferir a obra de Zygmunt Bauman Towards a Critical Sociology (London: Routhledge, 1976) [em português, Por uma sociologia crítica: um ensaio sobre senso comum e emancipação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977]
(24) Barthes, Mythologies, 143 [em português, Mitologias, 163]. Barthes prossegue dizendo: “Se constato a imperialidade francesa sem explicá-la, pouco falta para que a ache normal, decorrente da natureza das coisas: fico tranquilo.”
(25) Barthes, Mythologies, 143. [em português, Mitologias, 163].
(26) Barthes, Mythologies, 143. [em português, Mitologias, 163]. Conforme já discutido, uma das características da ascensão do design profissional tem sido a ascensão dos valores de design, de maneira que ele atualmente é menos valorizado por aquilo que ele realiza do que por aquilo que o design é (uma "boa coisa" em si mesma). No entanto, os valores propostos para o design como algo positivo em si mesmo estão cada vez menos relacionados com o mundo exterior ao próprio mundo do design.
(27) Barthes, Mythologies, 143. [em português, Mitologias, 163].
(28) Isto se torna mais nitidamente perceptível, tanto na história quanto na prática do design, quando se considera a separação conceitual entre o design e os demais assuntos humanos, expressa na proposição tão comumente usada "design e sociedade", ao invés de "design na sociedade". Esta ideia também é expressa na distinção feita pelos teóricos do pensamento de design entre as "atividades de design" e as "atividades sociais". A despeito das pesquisas e atitudes intelectuais mencionadas na parte 1 deste artigo ("State of Design History", 19-23), elas ainda são essencialmente marginais à maioria das histórias ortodoxas do design. De acordo com os argumentos de Jonathan Woodham, "os historiadores do design frequentemente têm sublinhado o quão sua disciplina é intimamente ligada a fatores de natureza social, política, econômica e tecnológica. No entanto, em grande parte das publicações e exposições de design, o que se percebe é a forte ausência de quaisquer evidências que sustentem tal proposição, particularmente nos empreendimentos dedicados ao período moderno. A ideologia dominante parece focalizar o gênio individual, responsável pela criação de objetos com estatuto estético singular, ou, alternativamente, o design que identifica e define uma certa fração da comunidade que possui os recursos financeiros para pertencer a ela." ("Editorial", Design History Society Newsletter 6 (1980): 1.)
(29) Teymour, "Materiality of Design", 19.
(30) Roger Newport. "Design History: Processo or Product?" in Design History: Fad or Function? (London: Design Council, 1980) 89.
(31) O problema é que nós estamos fortemente familiarizados, acima de tudo, com os resultados estilísticos dos processos de design, e mais fortemente ainda com os mecanismos organizacionais subjacentes a tais processos. Conforme apontou Roger Newport, existem, de fato, reais problemas neste sentido. Mas estes problemas, tais como a relutância em "perceber o design e a produção dos dias atuais como parte de nossa temática", e as tentativas de ligar a dicotomia informacional entre "o que os estudantes de design fazem quando estão projetando e a variedade de informações às quais eles são submetidos em nome da "história do design" -- uma predominância dos detalhes dos movimentos de design-arte e as "proposições gerais sobre a aparência e as circunstâncias de conjuntos genéricos de artefatos" --, deveriam estar em condições de ser superados. O que nós precisamos é de um programa curricular e de pesquisa mais amplos, para garantir que as disciplinas de projeto de design sejam verdadeiramente viabilizadas pelos resultados de pesquisa. As citações são de Newport, "Design History, 89".
(32) É provável que haja grande valor em pesquisas que promovam a ruptura da ligação convencional entre a história do design e sua prática, fornecendo assim possíveis contribuições da história do design para problemáticas acadêmicas mais gerais. Em um campo que têm se caracterizado pelo isolacionismo obstinado, tanto em termos de reflexão quanto de práticas, um estudo com tal característica pode esclarecer, efetivamente, a importância mais ampla das atividades de design e as qualidades mais amplas dos objetos e imagens projetados, elucidando assim seus significados mais abrangentes.
(33) Neste sentido, muito pouco tem sido feito a respeito da relação entre a história em geral e a história do design, apesar de algumas reflexões iniciais a respeito feitas por Raphael Samuel em "Art, Politics and Ideology", History Workshop 6 (Autumn, 1979): 101-106. Talvez seja ainda mais interessante o admirável ensaio de Steven Marcus sobre Engels e a cidade de Manchester, "Reading the Illegible" in Victorian City, vol. 2, editado por H. J. Dyos e Michael Wolff (London: Routhledge & Kegan Paul, 1978) 257-76. Marcus revela uma faceta de Engels como um brilhante e precoce historiador do design! Além disso, ele também revela o potencial do materialismo histórico e, no caso de Engels, a análise estrutural teoricamente fundamentada. O estudo Georgian London, de autoria de John Summerson (London: Barrie and Jenkins, 1946) é uma pesquisa sobre arquitetura que correlaciona completamente a história geral e a história da arquitetura.
(34) As obras de Barthes (Mitologias, por exemplo) e de Dick Hebdidge (Subculture: the meaning of style. London: Methuen, 1979) apontam para algumas possibilidades a partir dos estudos culturais. A integração entre os estudos culturais e a história do design ainda não se efetivou. Que contribuições os historiadores do design poderiam legar ao estudo da cultura material contemporânea? A obra de D. L. Clark, Analythical Archaeology (London: Methuen, 1968) é uma interessante consideração a respeito da arqueologia. Seus modelos de “sistemas culturais” e o papel que os artefatos desempenham em tais sistemas podem ser bastante úteis para a construção de uma teoria da história do design.
(35) Para uma dicussão a respeito em uma disciplina comparável, conferir Eugene Ferguson, “Towards a Discipline of the History of Technology”, Technology and Culture 15 (Spring, 1974); 15-30.
O texto acima faz parte de uma sequência de dois grandes artigos, publicados em 1984 pela revista Design issues (MIT Press). A parte 1 da referida sequência recebe o título de The State of Design History, Part I: Mapping the Field, e será oportunamente traduzida. O trecho ora publicado por Agitprop equivale à parte 2 da sequência, e recebe o título de The State of Design History, Part II: Problems and Possibilities.
Devido à grande extensão de texto, optamos por dividir o artigo em três partes, das quais esta é a primeira. As duas outras serão publicadas nos dois próximos números de Agitprop.
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