O Estado da História do Design: problemas e possibilidades (parte 2)
Clive Dilnot
Tradutor(a):Ana Cláudia Berwanger
O texto a seguir faz parte de uma sequência de dois grandes artigos, publicados em 1984 pela revista Design Issues (MIT Press). O primeiro artigo da referida sequência recebe o título de The State of Design History, Part I: Mapping the Field. O trecho ora publicado por Agitprop equivale ao segundo artigo da sequência, intitulado The State of Design History, Part II: Problems and Possibilities.
Devido à grande extensão do texto, optamos por dividi-lo em três partes, das quais esta é a segunda. A primeira parte do artigo pode ser conferida aqui, e a terceira será publicada nos próximos números da Agitprop. Oportunamente publicaremos ainda a tradução do primeiro artigo da sequência, The State of Design History, Part I: Mapping the Field.
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O empirismo tem causado muitos problemas à história do design, conduzindo os historiadores a uma posição defensiva e a recusar o engajamento no debate. Embora a cultura intelectual se baseie em argumentação e controvérsia, os historiadores ortodoxos do design têm respondido às frequentes críticas dos métodos, propósitos e abordagens do assunto apenas indicando os legítimos problemas de pesquisa, ou, com menor validade, negando a importância de conceitos, ideias e métodos [36].
De maneira semelhante, a história do design também tem ignorado outras disciplinas acadêmicas. Sem por um lado a potencial natureza interdisciplinar do assunto tem sido exaltada, assim como tem sido reconhecida a importância do econômico e do social, através da incorporação da história econômica e social nos planos de estudo dos cursos de graduação em design na Inglaterra, a real integração de percepções e métodos de outras disciplinas à pesquisa histórica em design tem sido postergada. Com algumas exceções, historiadores do design continuam mantendo-se acentuadamente refratários aos esquemas conceituais e métodos de interpretação oferecidos aos estudos históricos pela sociologia clássica, assim como os desenvolvimentos advindos do estruturalismo francês e do pensamento semiótico, e as revoluções na historiografia e interpretação histórica forjados pelo Marxismo [37] e pela Escola dos Anais na França [38]. Mesmo alguns dos mais significativos avanços em história da arte têm ignorado ou compreendido mal seus potenciais significados. [39]
Esta tem sido a consequência adicional de se deixar largamente intactos o definhamento conceitual e a essencialidade epistemológica Vitoriana, que fundamentam a abordagem dominante dos “grandes homens e nas instituições por eles criadas, modificadas ou mantidas" [40]. Esta mistura de liberalismo e positivismo contribui para enfatizar realidades empíricas sensíveis, e de acordo com esta visão, o trabalho da história é averiguar os fatos, que são avaliados como “resultantes das ações dos indivíduos, que os produzem dentro das molduras institucionais” [41]. E sendo assim, faz parte do senso comum que este tipo de história deva focalizar este tipo de evento. Mas esta proposta falha em não considerar que muitos dos aspectos mais crucialmente determinantes não estão empiricamente disponíveis, e não podem ser simplesmente substituídos pelo mero estudo dos eventos. Assim, para que se compreenda o caráter geral do design no período industrial, é preciso compreender as necessidades complexas da industrialização em geral, ou da industrialização capitalista em particular [42], e como elas determinaram os processos de design.
Algumas evidências deste argumento podem ser verificadas ao tentarmos entender os padrões da prática profissional a partir de 1945. Por exemplo, o estudo empírico das diferentes formas de organização de design surgidas a partir de então – o surgimento do consultor em design em paralelo ao surgimento dos departamentos internos de design e ao crescente investimento em design – podem descrever estas mudanças, mas não explicá-las. Avançar da mera descrição para a explicação dos fenômenos exige a compreensão das razões pelas quais tais configurações aconteceram. E para tanto, é necessário estar a par da história econômica: noções de gerenciamento de demanda e a garantia do capital investido no controle de todo o ciclo do produto (e não apenas da esfera da produção, como no século XIX); da expansão do planejamento e das habilidades organizacionais, as demandas implicadas por estas últimas pela intensificação da taxa de conversão do capital e da aceleração do ciclo do produto; e da crescente diferenciação e organização do consumo [43]. Num nível mais profundo, são estes os “fatos coletivos” nos quais se situa o designer. Eles explicam, ou ajudam a explicar, as poderosas circunstâncias econômicas que determinam, de maneira geral, as direções da indústria depois de 1945, e apontam, pelo menos neste nível, para as formas que a atividade de design necessariamente assumiu, de maneira a atuar em tal contexto e em tais circunstâncias.
A atividade do design a partir de 1945 pode ser explicada por meio dos principais motores da economia e da indústria no período, embora a resistência à "teoria" e aos conceitos trazidos de outras disciplinas ou áreas seja frequentemente originada pela antipatia, e tais contribuições sejam tratadas apenas como conceitos de fundo [45]. Tais aspectos no entanto, como os que são abordados neste artigo, não são de forma alguma aspectos de fundo: pelo contrário, eles estão no primeiro plano da verdadeira organização do design desde 1945, e estão expressos nos objetos e imagens aos quais dão origem. Se as circunstâncias não determinam a forma, elas com frequência são manifestadas por tais formas. De maneira inversa, o próprio fato de que as formas, incluindo as formas de organização do design, efetivamente manifestam circunstâncias, significa que estas formas são também evidências. Ao expressar as complexas e diversas situações que lhes dão origem, frequentemente em poderosos e inusitados padrões ou "constelações" [46], tanto os objetos e imagens quanta as formas que os processos de design assumem têm um estatuto arqueológico [47]. Por exemplo, a exposição Design since 1945, montada recentemente no Philadelphia Museum of Art, não tem nenhum valor arqueológico se for considerada do ponto de vista da história das profissões do design. Tal exposição não leva em conta que a importância e o sentido das formas do design não são dados pela sua classificação empírica, mas pelo estatuto do significado atribuído a elas ou obtido a partir delas. Em outras palavras, as formas projetadas não possuem valor intrínseco. Sua importância não é dada pelo status do designer, mas é alcançada por aquilo que potencialmente pode advir de tais formas em termos de evidência, ou em termos de compreensão. O ponto que conduz então ao quarto problema enfrentado pela história do design, e que em certos aspectos é o mais crucial deles, é que a importância da história do design como atividade não depende da importância extrínseca dos objetos e fenômenos com os quais trabalhamos, mas da concepção que temos de qual história do design é capaz de revelá-lo propriamente em toda a sua complexidade, e tratar das circunstâncias a partir das quais emergem as formas de projetar.
Em um texto de 1974, o crítico de arte T.J. Clark aborda um problema similar, ao escrever sobre o que ele considera ser a crise da história da arte, colocando em discussão duas perguntas: "por que os problemas da história da arte são importantes?" e "que razões justificam pedir a alguém que os leve a sério? Clark prossegue afirmando que "para responder a essa pergunta tenho de lembrar-lhes, e a mim mesmo, do que foi a história da arte em outros tempos". Ele menciona uma passagem de História e Consciência de Classe (1922), importante obra de Gyorgy Lukacs, capaz de evocar um tempo passado:
"E, no entanto, como não deixaram de observar os historiadores realmente importantes do século xix, como Rigel, Dilthey e Dvorak, a essência da história reside precisamente nas mudanças sofridas pelas estruturas formais, que são os pontos focais da interação do homem com o ambiente em qualquer momento, e que determinam a natureza objetiva da sua vida interior e exterior. Mas isso só se torna objetivamente possível (e por isso só pode ser adequadamente compreendido) quando a individualidade, a singularidade de uma época ou de uma figura histórica etc. se funda na natureza das suas formas estruturais, quando é descoberta e revelada nelas e por meio delas.
Jamais esqueci essa passagem, e por diversos motivos. (...) Mas deixemos isso de lado por um instante. Examinemos esta curiosa expressão "os historiadores realmente importantes do século xix", e reparemos nos exemplos, que incluem dois historiadores da arte entre os três nomes citados! Que tempo era esse em que Riegl e Dvorak eram citados como os verdadeiros historiadores, preocupados com as questões fundamentais: as condições da consciência, a natureza da ‘representação’? E pensar que Luckacs poderia ter olhado ao redor, em 1922, e apontado para o debate em curso, sem solução, acirrado, muitas vezes encarniçado. A lista de nomes -- Warburg, Wölfflin, Panofsky, Saxl, Schlosser – não é o que realmente importa. É mais a impressão que temos, ao ler a melhor história da arte dessa época de que havia um acordo entre seus protagonistas a respeito de quais eram as questões relevantes e inevitáveis. O que importa é a maneira como as pesquisas mais minuciosas, as descobertas mais misteriosas, muitas vezes nos trazem de volta ao terreno das discordâncias sobre a natureza da produção artística, (sobre) as condições da criação artística (...), (sobre) as os recursos do artista (e seus) materiais.” [50]
Existem dois aspectos importantes neste artigo: em primeiro lugar, Clark argumenta acertadamente que o sucesso de uma disciplina é determinado pela adequação, abrangência e vigor das questões formuladas por seus praticantes aos seus objetos de estudo, e não pelos detalhes do programa de pesquisa ou pelos debates sobre questões marginais que os historiadores enfrentam em seu dia-a-dia de trabalho. As problemáticas são centrais, e não simplesmente os dados empíricos: o que interessa é a concepção sobre o tema estudado e os modos de arguí-lo, e mesmo os "hábitos mentais" que, uma vez trazidos para o contexto da pesquisa, originam argumentos e demandam respostas para as perguntas [51].
Em segundo lugar, Clark confronta e correlaciona esta evocação diretamente com a corrente vigente da história da arte: "Na minha opinião, essas perguntas foram descartadas pela história da arte de hoje. E talvez devêssemos questionar sobre o que tornou possível antes de tudo formulá-las (...) E por que os problemas desapareceram? Por que nos restaram caricaturas de certas propostas num debate permanente, argumentos transformados por milagre em "métodos"?" E a resposta de Clark para isto é brutalmente simples: "Porque, como já sugeri, os conceitos em que se assentavam os problemas paradigmáticos foram incapazes de se renovar."
Ele prossegue argumentando que "as antigas questões da história da arte se estruturavam em torno de determinadas crenças, determinados pressupostos inquestionáveis: a idéia de artista; do artista como "criador" da obra; a noção de uma sensibilidade preexistente -- com relação à forma, ao espaço, ao sentimento do mundo como criação de Deus ou dos deuses -- que a obra devia "expressar"." Mas, "essas crenças erodiram o objeto, converteram perguntas em repostas (...) Não é preciso dizer que as crenças -- a simples e vulgar metafísica -- são tudo o que sobrou para a história da arte nos dias de hoje. (...) Para escapar dessa situação me parece necessário empreender um esforço teórico e prático. Precisamos de fatos (...) mas precisamos também saber que perguntas fazer aos materiais. Precisamos importar um novo conjunto de conceitos, e conservá-los em uso -- inseri-los no método de trabalho." [52]
Particularmente na educação em design, mas também nas práticas profissionais, a história do design é convocada para dar legitimidade a certas formas contemporâneas de atuação. Esta é a força propulsora de obras como A History of British Design: 1830-1970, de Fiona MacCarthy [53], e In God Shape, de Stephen Bailey. O que importa nestes casos é menos a escrita da história a partir de propostas específicas ou de propósitos e ambições declaradas, do que a abrangência das questões e as implicações ou origens do material investigado. As obras destes autores são perigosas para a história do design por causa da pobreza essencial da concepção dos materiais empíricos sobre os quais se debruçam, e neste sentido, ambas tentam limitar ou reduzir a história do design e seu potencial.
Walter Benjamin coloca a questão de maneira mais radical ainda na obra Theses on the Philosophy of History (1940) quando argumenta que “o dom de despertar no passado as centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer.” [54] De um modo menos messiânico, Luckacs, citado por T. J. Clark, compreende a “essência da história” como estando situada dentro de “estruturas formais, que são os pontos focais da interação do homem com o ambiente em qualquer momento, e que determinam a natureza objetiva da sua vida interior e exterior." [55]
Em sua difícil e fértil tese, Luckacs argumenta efetivamente que a história pode ser compreendida com maior acuidade através do desenvolvimento das formas culturais que intermediam as relações das pessoas entre si e com a natureza, mais do que em termos de seus eventos [56]. No caso de tais formas serem instituições políticas, pode-se dizer que já estamos habituados a ler a história desta maneira. Todavia, quando estas formas são artefatos, e mais particularmente artefatos projetados [designed objects], estamos menos habituados a ver a história interpretada por meios das coisas, e muito menos por meio do design das coisas.
E apesar disso, por que não? Michael Baxandall aponta brilhantemente para esta possibilidade ao enfocar os artefatos como formas culturais em duas de suas obras -- Painting and Experience in Fifteenth Century Italy [57] e The Limewood Sculptors of Renaissance Germany [58]. Nestas obras Baxandall situa as pinturas ou esculturas dentro da cultura e da sociedade das quais emergiram: "Uma pintura do século XV é o testemunho de uma relação social. De um lado, o pintor que realiza o quadro ou, ao menos, supervisiona sua execução. De outro, alguém que o encomendava, fornecia fundos para sua realização e, uma vez concluído, decidia de que forma usá-lo. Ambas as partes agiam de acordo com as instituições e convenções -- comerciais, religiosas, perceptivas, sociais, na acepção mais ampla do termo -- que eram diferentes das nossas e influenciariam suas relações em comum." [59] Todavia, Baxandall também inverte este procedimento, sugerindo que uma história, tal como a dos escultores em madeira do sul da Alemanha, tanto pode oferecer uma introdução à escultura propriamente, como um meio de observar a vida social do período em questão através de sua prática: “os entalhes sendo encarregados, por vezes, de testemunharem as próprias circunstâncias de seu surgimento. O que se quer sugerir não é que, para apreciar a produção de esculturas é necessário conhecer o Renascimento alemão, mas que a produção de esculturas é capaz de proporcionar conhecimentos acerca desta história, da história cultural do Renascimento alemão.” [60]
Baxandall explica algumas das maneiras pelas quais ocorre este processo de duas vias: "Uma sociedade desenvolve suas próprias capacidades e seus próprios hábitos, os quais têm uma dimensão visual, uma vez que o sentido da visão é o principal órgão de experiência, e essas capacidades e hábitos visuais tornam-se parte integrante do meio de expressão do pintor; da mesma forma, um estilo pictural dá acesso às capacidades e aos hábitos visuais e, através destes, à experiência social típica de uma época." [61] É evidente que tal citação só menciona o esqueleto do argumento; ela se torna simultaneamente a hipótese introdutória e conclusão de um argumento de fascinante complexidade e sabedoria. Todavia, o ponto importante que Baxandall enfatiza, é que, ao se examinar adequadamente as circunstâncias que cercam a produção artística e o desenvolvimento de habilidades visuais e críticas, uma moldura é criada para uma genuína continuidade entre história social e, neste caso, história da arte, de maneira que um ponto de vista ofereça insights ao outro e vice-versa. [62]
Possibilidades da História do Design
O que Clark e Baxandall têm em comum é o compromisso com a leitura dos objetos e imagens que pesquisam como evidências. [63] Para ambos os autores, a arte fornece “uma iconografia crítica para o deciframento da história material” [64], ou, em outras palavras, a imagem ou o objeto fornecem uma cristalização do complexo e sutil processo de formação cultural. Para Clark, "o processo de trabalho cria o espaço no qual, em determinados momentos, uma ideologia pode ser avaliada.” [66] Para Baxandall, as obras de arte (as pinturas do século 15, por exemplo) oferecem "a possibilidade de intuir como seria, por seu intelecto e sua sensibilidade, uma pessoa do Quatrocento. A imaginação histórica deve nutrir-se de análises desse tipo, e o elemento visual é aqui o completo (sic) natural para o verbal.” [67]
Mas o que se pode dizer a respeito do design? Seu aspecto mais importante é que ele é produzido, distribuído e utilizado dentro de contextos essencial e radicalmente sociais. O social não é externo à atividade do design, mas inerente a ela e determinante de suas características essenciais, mesmo de sua autonomia relativa [68]. Conforme Phill Goodall recentemente questionou, “os valores do design, quer sejam eles definidos como formas funcionais, utilidade ou uma estética da aparência, são produzidos por imperativos culturais, sociais e econômicos, política e ação. Eles próprios atuam de maneira a produzir e prescrever as relações sociais da esfera da reprodução, a forma material da casa e as relações entre seus ocupantes (…). Em outras palavras, o design para o uso é o design do uso; e como tal, o design acaba por determinar os usuários preferenciais, e o faz dentro dos parâmetros das possibilidades técnicas e materiais do objeto.” [69]
Portanto, o aspecto essencial do design não diz respeito ao mundo interno da profissão, mas refere-se ao complexo mundo social que produz as circunstâncias específicas dentro das quais os designers atuam, e também às condições da emergência destes profissionais na sociedade. Embora os historiadores das profissões especializadas possam questionar severamente esta ideia, o campo potencial da história do design pode ser ampliado, e muito provavelmente invadir seu território. As possibilidades para a história do design dependem quase que inteiramente da importância do design para as sociedades humanas enquanto uma atividade. Partindo desta perspectiva, o entendimento do design apenas como uma atividade autônoma em relação aos desenvolvimentos sociais faz com que a atividade perca sentido e importância. O paradoxo é que justamente no momento específico da ascensão da sociedade industrial é que a importância da atividade do design vem crescendo radicalmente, em termos de seus efeitos da vida das pessoas. Esta é uma situação absurda que sugere que toda a nossa compressão sobre o design deve ser radicalmente alterada. Precisamos, portanto, substituir a atual percepção do design como um conjunto de valores ou de critérios estéticos/estilísticos, vinculados a certos grupos de objetos ou certos indivíduos, e que estão sempre e essencialmente situados dentro do locus das profissões de design, por uma visão alternativa, que considere o design num sentido mais amplo, tal como colocado por Victor Papanek, para quem o design é “a consciência empenhada em impor ordem e sentido (…), e o planejamento e padronização de qualquer ato, com vistas a um fim previsto” [70], e para quem o design profissional é uma forma histórica e específica desta atividade geral.
Que méritos poderia ter esta possível mudança de perspectiva? A primeira e mais importante consequência é que a adoção destas ideias imediatamente relativiza o estatuto do design em sua forma profissional [71]. De qualquer maneira, é plausível considerar que a importância desta atividade tem sido exagerada. Conforme têm apontando vários teóricos do design e da arquitetura, a maioria esmagadora dos edifícios, objetos e imagens da história não foi projetada por designers ou arquitetos profissionais [72]. O design profissional torna-se assim simultaneamente menos e mais importante: menos importante, pois o mundo tem sobrevivido sem ele há muito tempo, e certamente sem ele na sua atual forma específica; este é um ponto importante, tanto porque mesmo suas realizações contemporâneas mais relevantes (por exemplo, aquelas oriundas da arquitetura) empalidecem ao lado dos colossais esforços vernaculares que configuraram grande parte do mundo material, pelo menos antes do início do século 20. Por outro lado, o design profissional se torna mais importante, e num sentido ontológico, porque embora as colocações anteriores tornem risíveis as disputas internas em seu âmbito profissional, o fato é que a era do design vernacular chegou ao fim. A modernização e a racionalizacão cultural das sociedades européias, ligadas ao capitalismo ativo e livre, deram origem a uma série de eventos -- dentre os quais um dramático e intenso processo de industrialização --, que rompem com as condições culturais segundo as quais o design vernacular operava [73]. E isto significa que não há outra opção, a não ser aceitar o design em seu sentido industrial [74].
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[36] No entanto, de acordo com o que E. D. Hirsch apontou acerca de situações similares no âmbito dos estudos literários, “tal operação não irá funcionar, pelo fato de que a anti-teoria é ela própria uma posição teórica, e no caso, uma posição particularmente vulnerável." Derrida"s Axiom, London Rewiew of Books 5, n. 13 (July 21 - August 3, 1983):17.
[37] Para uma introdução às perspectivas marxistas, conferir Robin Blackburn (ed), Ideology in Social Sciences (London: Fontana, 1972) [em português, Ideologia na ciência social. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982]
[38] Sobre a Escola dos Annales, conferir sobretudo a trilogia de Fernand Braudel Civilization and Capitalism in the 15th - 18th Century: vol 1, The Structures of Everyday Life; vol 2, The Wheels of Commerce; vol 3, The Perspective of the World, (London: Collins, 1984) [em português, Civilização material, economia e capitalismo: vol. 1, Estruturas do cotidiano (São Paulo: Wmf Martins Fontes, 1995); vol. 2 Os jogos das trocas (São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2009); vol. 3 O tempo do mundo (São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2009). Conferir também a obra The Coming of the Book, de Lucien Febvre e Henri-Jean Martin (London: NBL / Verso, 1976) [em português, O aparecimento do livro. São Paulo: Hucitec, 1992]
[39] Conferir as obras de T. J. Clark e Michael Baxandall, mencionadas a seguir.
[40] Gareth Stedman-Jones, "History: the Poverty of the Empiricism", em Ideology in Social Sciences, 97.
[41] Stedman-Jones, "History", 97.
[42] A respeito dos efeitos do capitalismo sobre a produção, conferir G. Luckacs, History and Class Consciousness (London: Merlin, 1972) , especialmente às páginas 83-222 [em português: História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2003]; conferir também Ernst Mandel, Late Capitalism (London: NBL / Verso, 1974) [em português: O capitalismo tardio: São Paulo: Nova Cultural, 1985]; e ainda Immanuel Wallerstein, Historical Capitalism (London: NBL / Verso, 1984) [em português, Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001]
[43] Para detalhes sobre tais conceitos, conferir especialmente a obra de Ernest Mandel,Late Capitalism [em português: O capitalismo tardio: São Paulo: Nova Cultural, 1985]
[44] A respeito desta problemática, conferir Clive Dilnot, “Design, Industry and Economy Since 1945: an Overview”
[45] A respeito deste problema complexo e essencial, conferir T. J. Clark, "The Social History of Art", capítulo 1, Image of the People (London: Thames and Hudson, 1974)
[46] Esta é uma proposição de Walter Benjamin. A ideia de “constelações” é discutida com mais profundidade por Susan Buck-Morss, The Origins of Negative Dialetics (Hassocks: Harvester, 1977) e pela mesma autora na obra “Walter Benjamin, Revolutionary Writer” parte 1 (New Left Review n. 128, julho/agosto, 1981) e parte 2 (New Left Review n. 129, setembro/outubro, 1981)
[47] Isto é literalmente dessa maneira. A obsessão linguística de nosso tempo, que decreta que apenas os textos ou os grupos estatísticos numéricos podem ser tomados como "evidências", naturalmente decreta que os objetos e imagens são fontes de evidência. Esta questão será abordada mais adiante, especialmente na nota 68.
[48] Isto explica porque mostras de design são frequentemente mal sucedidas. O fato de que o público pretende obter prazer a partir da contemplação de "objetos bem projetados" constitui a grande ilusão de seus organizadores, à maneira dos curadores formalistas dos museus de arte, que assumem a ideia de que os objetos exibidos revelarão, de alguma forma, a sua importância por si sós. Na maioria dos casos isto não acontece.
[49] Em última instância, isto depende da nossa concepção de design e da importância que atribuímos a estas atividades na formação e organização das sociedades e de seus padrões ideológicos. Um debate sucinto a respeito pode ser conferido em Hebdige, Subculture (capítulo 1). Conferir também Clive Dilnot, “Design as a Socially Significant Activity. An Introduction.” Design studies 3 (July, 1982): 136-49 e Wojciek Gasparski: Designing Human Society: a Change or a Utopia? (Warsaw: Department of Praxiology of the Polish Academy of Sciences).
[50] T. J. Clark, "The Conditions of Artistic Creations", Times Literary Suplement (24/05/1974, 561-562). [T.J. Clark. As condições da criação artística. In Modernismos: ensaios sobre política, história e teoria da arte. São Paulo, Cosac Naify, 2007. Trad. Vera Pereira. org Sônia Salztein 331-339] As citações de Luckacs acerca do problema da reificação são da obra History and Class Consciousness, p. 153. [em português: História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2003]
[51] Em seu texto As condições da criação artística, T. J. Clark apresenta uma magnífica citação de Panofsky, que ele acredita ser um exemplo dos “modos de argumentar e hábitos mentais” efetivamente vitais e dialéticos, necessários para que se produza seriamente a história da arte: "Consideremos o exemplo de Panofsky, em seu maravilhoso A perspectiva como forma simbólica, publicado em 1925. No trecho a seguir ele fala sobre a ambiguidade da perspectiva, sobre como ela torna o mundo visual objetivo, mensurável, e, no entanto, o faz depender do mais subjetivo ponto de referência, o "único olho que tudo vê" [single all-seeing eye]: "[A perspectiva] matematiza [...] o espaço visual, mas ainda é espaço visual o que ele matematiza; é uma ordenação da aparência visual. E, afinal, não é mais que uma questão de ênfase se a acusação contra a perspectiva é por condenar "o verdadeiro ser" à aparência das coisas vistas ou por atrelar a livre e, por assim dizer, espiritual intuição da forma à aparência das coisas vistas. Por meio dessa localização do objeto do artista na órbita do fenômeno, a visão perspectiva bloqueia para a arte religiosa o território da magia, território este em que a obra de arte é por si só a produtora do milagre se torna uma experiência imediata do espectador..." Esta admirável citação de Panofsky demonstra a interação entre os "modos de argumentar" e as concepções do significado e do sentido dos fenômenos que exploramos.
[52] T.J. Clark, Conditions, 562 [São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 336]. Evidentemente, Clark também aponta para os fatores externos que sustentam tal problemática, em particular a relação entre a história da arte e o mercado artístico e as distorções induzidas por esta relação.
[53] Fiona McCarthy, A History of British Design 1830- 1970 (London: George Allen and Unwin, 1976)
[54] Walter Benjamin, "Theses on the Philosophy of History", na obra Illuminations (London: Fontana, 1970) 257.
[55] Luckacs: History and Class Consciousness, 153. (Clark port. 332)
[56] A este respeito, conferir o capítulo 3 da obra de Raymond Williams, Culture and Society, 1780 - 1950 (London: Fontana, 1981).
[57] Michael Baxandall, Painting and Experience in Fifteenth Century Italy: a Primer in the Social History oh Pictorial Style (London: Oxford University Press, 1972) [em português, O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Tradução de Maria Cecília R. Almeida. p. 11]
[58] Michael Baxandall, Limewood Sculptors of Renaissance Germany (New Haven: Yale University Press, 1980)
[59] Baxandall, Painting and Experience, 1 [em português , O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Tradução de Maria Cecília R. Almeida]
[60] Baxandall, Limewood Sculptors, vii.
[61] Baxandall, Painting and Experience, 152. [em português, O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Tradução de Maria Cecília R. Almeida. p. 225]
[62] Baxandall, Painting and Experience, 1 [em português, O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Trad de Maria Cecília R. Almeida]
[63] Ao final de sua obra O olhar renascente, Baxandall menciona um trecho de uma peça teatral de Feo Belcari de Floreça, montada em 1449: "O Olho é chamado a primeira de todas as portas / por onde o Espírito pode aprender e degustar. / O ouvido vem em segundo, tendo a palavra por guia / Que dá à mente força e vigor.”
[64] Buck-Morss, "Walter Benjamin" (I), 70.
[65] Buck-Morss, "Walter Benjamin" (I), 70.
[66] Clark, Conditions, 8. [edição brasileira: 337]
[67] Baxandall, Painting and Sculpure, 152-53. [em português, O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Tradução de Maria Cecília R. Almeida. p. 225-226]
[68] Sobre esta última questão, conferir a obra de Lukács, História e consciência de classe. O autor explica que, no processo de desenvolvimento de técnicas e habilidades específicas, o capitalismo gerou um papel para os especialistas, que teriam então construído, como uma parte da divisão do trabalho, e de forma tendente à autonomia, o aparato das profissões "independentes". Esta independência é, ao mesmo tempo, legítima e determinada; ela certamente confere a ilusão de que as profissões autônomas são engajadas em seus próprios "valores"; e ao mesmo tempo, é próprio desenvolvimento do sistema que cria esta aparente autonomia e independência. Provavelmente é em razão desta condição que o design, tão frequentemente subserviente à economia, pode parecer (e apenas num sentido superficial) se distanciar das determinações econômicas.
[69] Phil Goodall, "Design and Gender", Block 9 (9183): 58
[70] Victor Papanek, Design for the Real World (London: Paladin, 1974), p. 17.
[71] Esta mudança também promove o retorno da atividade de design à própria história. Ao invés de observar a emergência do design industrial como um fato evolucionário dado, o que equivale a uma visão que tende a aniquilar a história do design pré-industrial como irrelevante para a compreensão do design industrial ou de sua prática profissional, e que ao mesmo tempo separa o design profissional de suas raízes, que estão situadas num processo mais amplo e complexo de planejar e construir edifícios e objetos, a reinserção do design profissional neste contexto mais amplo nos permite construir uma perspectiva crítica, para mensurar os ganhos e aquilo que foi perdido pelo design na evolução dos processos complexos do projeto artesanal para as suas formas industriais. Até este momento, a não ser por alguns nostálgicos lamentos a respeito do desaparecimento do artesanato, os historiadores do design têm mostrado pouco interesse sobre a questão. Este tema, tem sido abordado como um importante problema histórico por alguns designers. Conferir, por exemplo, David Walker e Nigel Cross, Design: The Man-Made Object, units 33 and 34 of course T100, "The Man-Made World: A Foundation Course" (London: The Open University Press, 1976). Conferir também Nigel Cross, Design and Technology, unit 9 of course T262, "Man-Made Futures: Design and Technology" (London: The Open University Press, 1975). Conferir ainda Christopher Alexander, Notes on the Synthesis Form (Cambridge: Harvard University Press, 1964).
[72] A versão mais popular desta visão provavelmente é a obra de Bernard Rudofsky, Architecture Without Architects (London: Academy Editions, 1973), cujo subtítulo é a expressão mais aguda de nossos preconceitos: Short Introduction to Non-Pedigreed Architecture.
[73] As mais óbvias dentre essas condições são o sistema de fábrica e a divisão do trabalho. Algumas interessantes pesquisas a respeito do sistema industrial e de suas implicações estão disponíveis nas obras de Maurice Dobb (Studies in the Development of Capitalism, London: Routhledge & Kegan Paul, 1963) e de Eric Hobsbawn (Industry and Empire, Harmondsworth: Penguin, 1969).
[74] Mas teríamos nós que aceitar a forma que isso assume em nossas sociedades? Uma história inquestionável argumentaria que aquilo que fazemos já está definido, como se o que aconteceu estivesse de fato destinado a acontecer, não podendo ser de outra maneira. Mas, neste caso, isto tira da história tanto a possilibildade de alternativas, e o fato de que, conforme diz Stephen Yeo, o desenvolvimento, o progresso e a evolução envolvem “poder, conflitos e interesses” e que tal “competição e conflitos implicam tanto em perda e derrota, quanto em crescimento: os presentes (sic) envolvem atropelar passados não realizados, mas que sobrevivem parcialmente, e bloquear temporariamente futuros” (Stephen Yeo, "State and Anti-State: Reflections on Social Forms and Struggles from 1850", in Capitalism, State Formation and Marxism Theory), editado por Philip Corrigan [London: Quartet Books, 1980]). Em outras palavras, a história inquestionável oculta o fato de que a forma das coisas é sempre contingente, sempre produzida a partir de interesses, circuntâncias e conflitos especiais: isso equivale a dizer que há uma tentativa de descrever como e porquê eles surgiram e mostra como outras alternativas poderiam ser possíveis. Sobretudo tenta encerrar a “discussão a respeito do que poderia ter sido e o que de fato é”. Isto acontece desta maneira quando a história é utilizada para demonstrar que as formas institucionais e organizacionais, assim como as formas visuais, nunca são eternas, e contém as sementes de formas alternativas com elas enterradas.
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