Ano: VI Número: 58
ISSN: 1983-005X
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AGI Open 2014 São Paulo

Ronald Kapaz

O belo faz falar

Platão

 

Uma vez um amigo querido, numa mesa de debates sobre o gosto e o belo, lembrou a definição de Platão para o belo: “O belo faz falar”.

Esta pequena poderosa frase pode ser interpretada de algumas maneiras. A que mais me marcou naquele momento foi a de que, diante do belo, impactados pela emoção da experiência, sentimos o impulso de manifestar nossa impressão e falar sobre ele. É o que tento fazer aqui, sob o impacto do que foi o AGI Open SP, uma breve e intensa jornada de palestras ministradas por expoentes de um clube seleto de profissionais, Alliance Graphique Internationale - AGI, para uma plateia jovem, mas não só, atenta e interessada em poder ver, pela primeira vez no hemisfério Sul, um evento desta envergadura.

O primeiro belo que faz falar é saber que tudo o que aconteceu ali no Auditório Ibirapuera, esse encontro mágico, foi resultado da dedicação apaixonada e voluntária de um time de profissionais que conseguiu colocar em pé um evento de alta complexidade, promovendo por pura convicção e amor ao design um encontro inesquecível e impecável.

Liderados por Kiko Farkas e Rico Lins, membros da AGI, cada um ali se entregou à realização de um espetáculo que, visto por outros olhos, poderia ser interpretado como um encontro de lunáticos que mostram imagens coloridas, falam de desenhos e letras, espaços entre as letras, cores, linhas e planos, às vezes ao som de música tecno, que fazem dançar círculos e quadrados, emoção e nudez, mulher e ensino, ver e sentir, transformação do mundo e ética.

Sim, talvez tenha sido um encontro de “lunáticos”… ou talvez o termo seja um pouco forte. Mas com certeza tratou-se de um encontro de sonhadores, de românticos, de visionários, de alquimistas, de artistas. De Designers, enfim…

Apresentaram-se, num desfile calculado e planejado, sobre o mesmo palco, profissionais da elite do design gráfico mundial, vindos de diversos países, que ofereceram a olhos brasileiros uma amostra ilustrativa de sua obra, de sua visão de mundo, de seus fracassos, de seus medos e de seus sucessos. Uma amostra que nos aproxima das nossas fraquezas, ao mesmo tempo em que faz aflorar nossas forças e desafios, e que desmistifica e desmitifica algumas das nossas leituras sobre a profissão, o mercado local, o Brasil e o primeiro mundo.

O que primeiro se evidencia é a diferença entre o Design-Arte - a maioria do que se viu ali (um muito de design para poucos) - e o Design-Corporativo (um pouco de design para muitos). Pela própria natureza da AGI, o que se reúne neste clube é um recorte de uma das possibilidades de prática do design que costumamos identificar como “Design de Autor”. Uma possibilidade inspiradora e complexa porque vinculada a uma personalidade marcante, um autor, e manifestada num traço singular e num desenho único e marcante.

Um território de prática profissional que faz suspirar, pela beleza e força dos resultados, cada um dos que ali estava, como eu mesmo, e que enfrenta, numa cultura como a nossa, o que se poderia chamar de a resistência dos materiais.

Um país jovem como o Brasil, com pouca história, pouca tradição, escolaridade e cultura, tende a orientar seus ideais e valores com uma ênfase significativa na dimensão materialista. O enriquecimento monetário e o “sucesso” são cultivados, perseguidos e identificados com a conquista do conforto material e a posse de bens tangíveis.

Num contexto como esse, valorizar o trabalho que nasce como obra, que nasce como uma inquietação filosófica e uma práxis, uma vontade de descobrir-se pelo fazer, em que a busca é pela experiência do vivido e pelo sentido da vida, é para poucos.

Vimos ali que esse tipo de prática, quando encontra ressonância no mundo, pode e consegue impactar positivamente a sociedade e a cultura com o que o design e o designer têm de melhor a oferecer: a capacidade de “aproximar o mundo como ele é do mundo como ele poderia ser”.

Um poder transformador e formador, como pudemos ver em duas poderosas iniciativas: a Escola Pa Ti na Korea, de Ahn Sang-Soo, e o projeto de educação em design para crianças, “Design Ah”, desenvolvido por Taku Satoh para a TV NHK no Japão. Dois exemplos inspiradores de visões de mundo e de designers que decidiram desembarcar, total ou parcialmente, do trem do capitalismo e da competição e abraçar a “educação como a mais poderosa arma que você pode usar para mudar o mundo.”

Do ponto de vista de quem pratica o design corporativo e deve interagir com grandes marcas e desenhar para grandes audiências, é importante poder perceber as diferenças de contexto destas duas práticas de design. Entender que para levar um pouco de qualidade e design para muita gente sempre se sacrifica o espaço para a ousadia e a “arte”. Mas saber que, acima de tudo, ainda assim, devemos conservar a capacidade de cultivar o olhar crítico e identificar, nas poucas oportunidades em que aparecem, os interlocutores/clientes com sensibilidade, preparados para assumir um compromisso maior do que o com o resultado financeiro de seus negócios. E então ousar.

 

Ronald Kapaz graduou-se em arquitetura pela universidade de São Paulo em 1979. Atualmente é sócio-titular, head designer e diretor de estratégia da Oz  Estratégia+Design.

 


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