O jornal New York Times publicou recentemente um artigo de grande interesse, asinado pela jornalista Allison Arieff. Trata-se de um relato sobre projetos inovadores de banheiros públicos voltados para a população de moradores de rua e que também, em alguns casos, lidam com as restrições ao uso da água.
Pode parecer que só nós, nas metrópoles periféricas, vivemos esse tipo de problema. Mas hoje ele é presente em muitas capitais do chamado mundo rico. Pois bem, há poucos meses, um projeto mapeou os dejetos humanos na cidade de São Francisco, na Califórnia.
A cidade, uma das mais prósperas dos Estados Unidos, tem sete mil pessoas desabrigadas, sem acesso, portanto, a banheiros. Iniciativas independentes de políticas governamentais enfrentaram o tema, propondo alternativas para a situação.
O WC Projeto Tenderloin (mais conhecido como o PPlanter), criado pelo Hyphae Design Laboratory por meio de um processo de design participativo, é um deles. Trata-se de mictório de rua barato e móvel com pia que funciona e foi construído por 2.000 dólares. Nesse projeto, a urina coletada, após ser filtrada, é usada para regar as plantas dos banheiros móveis. PPlanter passou por uma fase de teste em 2103 e uma segunda versão está atualmente configurada em uma parada de caminhões e numa comunidade distante em West Oakland.
Uma das grandes dificuldades desse tipo de projeto é a manutenção a longo prazo. Para que o serviço seja gratuito, seria necessário que os governos locais destinassem maiores verbas para políticas de saneamento urbano. Uma alternativa para o financiamento dos projetos seria o pagamento de taxas de uso, que atenderiam turistas, por exemplo, o que inviabilizaria seu uso justamente para as pessoas que mais precisam do serviço.
Outra iniciativa relatada por Arieff é o de Virginia Gardiner, que começou sua pesquisa nos tempos de estudante de pós-graduação em design industrial. Trata-se de um sistema de WC sem água que transforma dejetos humanos em fonte de energia limpa. Hoje, a designer é CEO da Loowatt, uma empresa com sede em Londres que produz sanitários que usam um mecanismo de vedação patenteado para embrulhar dejetos humanos em filme de polímero biodegradável. O filme, que reveste o vaso sanitário, é puxado através do mecanismo quando o banheiro é "lavado", colocando o lixo em um cartucho removível. O cartucho é então esvaziado, diária ou semanalmente, dependendo de fatores como localização e utilização. Os resíduos e a película de polímero são convertidos em gás natural e fertilizantes.
Atualmente, a tecnologia é usada para atender a comunidades muito díspares: um programa piloto em Madagascar possui sanitários domiciliares que estão ligados a um digestor de geração de energia na comunidade. Em Londres, uma versão modificada é implantada em eventos e festivais em locais onde a água ou energia são escassas. "Isso começou como ideia de fazer do banheiro um gerador de valor e também para desafiar a prática de dar a descarga e esquecer do assunto, comentou Gardiner.
Ainda em São Francisco, o projeto LavaMae expande o programa para incluir chuveiros, porque há apenas oito abrigos na cidade que oferecem chuveiros públicos. LavaMae emprega um ônibus urbano sem uso, reaproveitado e equipado com dois módulos de chuveiro e também sanitários.
Pintado de azul brilhante, o ônibus anuncia sua presença em dois locais diferentes para várias horas de cada vez, três vezes por semana, para servir a população de rua de São Francisco Em 2015, LavaMae vai ter quatro ônibus em operação.
A ideia para LavaMae nasceu da frustração de um executivo de relações públicas, Doniece Sondaval, que testemunhou a rápida gentrificação de seu bairro e o deslocamento de vizinhos que vêm com ele. A implementação da ideia exige articulação com o poder público, pois é preciso acesso aos hidrantes e licenças de estacionamento, entre outras questões.
Sandoval e o designer de Lava Mae, o arquiteto Brett Terpeluk, quiseram criar um banheiro bonito e bem equipado para uma população que sempre recebe restos e serviços de baixa qualidade. No entanto, o diretor não guarda fantasias sobre LavaMae como uma solução permanente, já que a verdadeira questão seria que todos tivessem banheiros e não fossem moradores de rua.
De fato, pergunta a jornalista, como se darão as relações público/privado nesse tipo de iniciativa? Assim como para muitos, o Uber (sistema de compartilhamento de veículos de transporte privados) parece ser grande alternativa para os serviço públicos de transporte, seriam ações desse tipo um caminho para resolver questões sociais complexas? Embora nem de longe ela pense que projetos de design e arquitetura possam resolver questões da escala urbana e social, eles são capazes, no entanto, de indicar ações e chamar atenção para os problemas urbanos e mostrar que há alternativas para pensá-los.