Ano: I Número: 3
ISSN: 1983-005X
Detalhar Busca





Dades, idades e meias verdades

Ethel Leon

O sufixo latino dade ou idade parece exercer grande atração sobre professores de design. Começou com amigabilidade, palavrão traduzido do inglês para designar aspectos que favorecem uso de produtos. Um exagero, pois se insistimos em ser sujeitos, humanos, não vamos chamar de amigáveis, muito menos de amigos, botões de computadores ou de torradeiras, por melhor que tenham sido projetados.

Na mesma época foi inventado usabilidade, qualidade do que é... usável! Ainda bem que não foi utilizabilidade, mas passou perto...
 
Depois veio leiturabilidade. Uma vez reclamei com um professor de semiótica. Leiturabilidade não está no dicionário, por que não usamos a já reconhecida legibilidade? arrisquei perguntar. “Não é a mesma coisa”, replicou ele, lançando olhar raivoso diante da minha ignorância. “Legibilidade”, explicou mais piedoso, “vem de legível, leiturabilidade é muito mais do que isso, é o próprio convite à leitura.” 

Não ousei rebater, afinal lá se foi a id(ade) de brigas pouco honrosas. Mas, legibilidade não deveria ser o primeiro passo para a tal da leiturabilidade? Toda vez que entro num site tremendamente confuso ou tento decifrar um comunicado de certos órgãos públicos ou privados (como a prefeitura de São Paulo, as contas de luz e telefone etc.) perco vontade de leitura (que, de fato, já não é lá essas coisas para contas) diante da despreocupação que tais organismos têm com a legibilidade. Confundem-se datas de apuração, de pagamento; misturam-se informações e ninguém me tira da cabeça que isso é intencional, quanto menos informados os que pagam a conta, melhor. Mas, enfim, tornar claros os impressos em geral, ou aproximando-me do vocabulário disciplinar, conceder atributos de legibilidade aos impressos parece pré-requisito de qualquer leitura. Toda tradição tipográfica enfrenta essa questão há séculos. Mas não, prefere-se  leiturabilidade.

Agora surge a ‘vivibilidade’ (livability), que em nossa seção agenda nos recusamos a traduzir. Não se trata de vitalidade, me dirão os professores de semiótica, apesar de podermos mostrar que a raiz latina de vida e vital é exatamente a mesma, vita, ae. ‘Vivibilidade’ seria a qualidade de tornar ‘vivível’, certamente o que nossas cidades não têm.

É sabido que toda disciplina constrói um jargão e mais. Que quando um vocábulo escapa do domínio disciplinar, os membros deste clube fechado rapidamente inventam outro mais difícil para uso externo. Perguntem se num congresso de microbiologia alguém usa a palavra micróbio. Nunca! É só microorganismo, pois micróbio é um bichinho perigoso, já sabem atendentes de farmácia, donas de casa e propagandas de sabão em pó.

O campo disciplinar do design faz o mesmo, até para ganhar estatuto ‘científico’. No entanto, a pouca intervenção do design brasileiro em áreas da vida tão carentes de soluções simples, legibilidade, letras e números em lugares certos, sinalização de ruas melhor construída etc. e o bacharelismo de certos termos dá o que pensar. Não é verdade? Ou qual será a verdabilidade desta singela nota?

 


Comentários

Envie um comentário

RETORNAR