Ano: II Número: 18
ISSN: 1983-005X
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Biografia dos precursores
Gilberto Paim

Livro: Memórias do design brasileiro Autor(a): Ethel Leon Editora: SENAC - SP

Postado: 18/06/2009

   

O jornalismo especializado em design costuma se pautar pelos lançamentos (o último modelo, a última tecnologia, a última tendência) e eventos da atualidade (prêmios, feiras, exposições, edições). O que parece importar é o que está acontecendo ou vai acontecer, raramente o que já aconteceu ou acontece de modo contínuo. A promoção da novidade pela imprensa se conforma perfeitamente à necessidade vital do comércio e indústria de divulgar e promover seus produtos. Quando jornalismo e publicidade convergem e se confundem na exaltação da novidade, a informação e a análise que permitiriam uma melhor compreensão da presença complexa do design na sociedade contemporânea ficam em segundo plano. A retração da reflexão crítica – e não apenas sobre design – torna o clamor atual ao consumo ainda mais opressivo.

O jornalismo de Ethel Leon segue, porém, caminho bem diverso, genuinamente documental e imbuído de valores críticos. Assim atesta o livro Memórias do design brasileiro que reúne doze de seus artigos publicados nas revistas Design & Interiores, Design Belas Artes e Florense entre 1989 e 2008. Eles condensam a biografia e a trajetória profissional dos designers Alexandre Wollner, João Carlos Cauduro e Ludovico Antonio Martino, Emilie Chamie, Estella Aronis, Jorge Zalszupin, Livio Levi, Manoel Coelho, Michel Arnoult e Zanine Caldas. A seleção privilegia a produção paulista e inclui perfis do empresário Milly Teperman, diretor-presidente da Móveis Teperman e de Pietro Maria Bardi, ilustre promotor das artes e design, fundador do Museu de Arte de São Paulo e do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), a primeira escola de design do país.

Quando entrevistados por Ethel, a maioria dos designers tinha mais de sessenta anos, guardando riquíssimas lembranças sobre seu aprendizado e realizações ao longo de décadas, admirações e influências, encontros e desencontros, obstáculos que conseguiram ou não superar. Em tempos de admiração quase cega pela juventude e ênfase na aceleração das carreiras, a opção por conhecer e analisar a experiência amadurecida se revela extremamente fértil. Os talentosíssimos Livio Levi e Ruben Martins já eram falecidos quando a autora pesquisou sua obra.

Entre os precursores do design brasileiro, a trajetória dos designers gráficos, influenciada porém não aprisionada nos princípios da Escola de Ulm, parece ter sido mais estável do que a dos designers de produto, que freqüentemente precisaram lidar com questões comerciais e administrativas de natureza muito complexa. Na ausência de empresas dispostas a produzir seus desenhos, os designers cuja experiência prévia se restringia essencialmente à arquitetura, precisaram se reinventar como empresários. 

Os relatos revelam que, embora alguns negócios tenham começado de modo surpreendentemente promissor, poucos tiveram vida realmente longa. Procurando compensar as limitações do mercado interno, alguns designers/empresários se empenharam em exportar, sem grande sucesso, principalmente para os Estados Unidos. Complicações diversas com sócios, fornecedores e bancos, além de sucessivas crises econômicas, contribuíram para encerrar a fabricação de móveis que são atualmente disputados por modernariatos nacionais e internacionais. O status de vintage estimula reedições, como as de Michel Arnoult pela Atec e as de Zalszupin por Etel Carmona, embora não mais em imbuia ou jacarandá, madeiras hoje extintas.

Professora de história do design brasileiro na Facamp desde 2003, Ethel lamenta que, de modo geral, os alunos de design conheçam apenas seus personagens mais mediatizados. Ao estudante preocupado com sua futura atuação num campo indisciplinado e cada vez mais competitivo, o livro permite conhecer experiências profissionais pioneiras, principalmente vinculadas à produção em larga escala. A autora é entusiasta do design hardcore que injeta qualidade e democratiza o artefato industrial, ou propicia bem-estar ao habitante de metrópoles como São Paulo e Curitiba, aperfeiçoando a sinalização do transporte público e o mobiliário urbano.

Ao pesquisador acadêmico que se dedica a ampliar a bibliografia rarefeita sobre a história do design brasileiro, o livro oferece um manancial de informações a serem confirmadas, complementadas, aprofundadas, contestadas etc. O leitor não especializado – e é importante que a informação sobre a elaboração do design alcance os não especialistas – saberá apreciar os relatos biográficos em prosa ágil, aos quais não faltam casos saborosos.      

O projeto gráfico sóbrio e elegante de João Baptista da Costa Aguiar é extremamente respeitoso em relação ao texto. Embora a edição seja bem ilustrada, dada a produção extensa e diversificada dos precursores, alguns projetos citados como significativos infelizmente não são ilustrados.

LEON, Ethel. Memórias do design brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2009.

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Gilberto Paim é ceramista e pesquisador sobre design e arte aplicada. Autor de A beleza sob suspeita, Jorge Zahar Editor, e Elizabeth Fonseca e Gilberto Paim, Editora Viana & Mosley.

 

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