Com tradução de André Stolarski, foi lançado recentemente o livro O ABC da Bauhaus, organizado por Ellen Lupton e J. Abbott Miller.
Trata-se de um conjunto de artigos que, como diz a introdução, mantém uma espécie de ambiguidade com os ensinamentos das vanguardas filtradas pela Bauhaus. Os caminhos apontados pela escola são recuperados, enquanto algumas das formas aprisionadas pelo boom das identidades corporativas presas a esse referencial são mostradas como limitadoras dos conceitos construidos pelos artistas de Weimar e Dessau.
Há artigo que tenta entender a escola alemã à luz de experiências pedagógicas mais amplas, como a pedagogia de Pestalozzi, Froebel e Montessori. Outro discute a Bauhaus e seus ensinamentos, a partir da psicanálise e da geometria, apontando, em três páginas, questões para ambas as disciplinas e indicando que elas cabem ao design gráfico.
O melhor do livro é a recusa das certezas de linguagem universal. Prefere-se, ao contrário, compreender que formas (e cores) são sempre históricas. Também a antologia procura dizer que sem ler e escrever dificilmente vai-se avançar e compreender as contínuas mutações da área gráfica. Ou seja, o livro é um chamado ao designer pensante, ao designer intelectual, que produz conhecimento e não apenas faz adequações de imagens a conteúdos pré-estabelecidos. Um dos artigos discute a geometria fractal, e diz claramente que, depois dela, é impossível pensar design gráfico num jogo básico de quadrado, círculo e triângulo.
Nesse sentido, a publicação contribui para o debate sobre o projeto moderno e seus limites, especialmente na área gráfica, sem as tradicionais oposições de sempre, que raramente dizem algo além da repetição de rótulos mal compreendidos, especialmente no jargão pró-higienista que fala em limpeza e sujeira das páginas...
Pois a redução ou a universalização que se pretendeu na Bauhaus pode ser apropriada por autores gráficos dos mais diversos matizes, além de ter penetrado massivamente na indústria cultural, possibilitando releituras heterodoxas que as inscrevem até mesmo como pós-modernas.
Como espécie de síntese ou filtro da modernidade, a Bauhaus, de fato, traz todas as ambiguidades das modernidades histórica e artística, a positividade de uma e a acentuada desconfiança irônica da outra. Ao tentar resolver o conflito entre as duas, a Bauhaus conseguiu fazer emergir boa dose hostilidades em suas oficinas e salas de aula, levando a escola à crise permanente, noção, aliás, cara às vanguardas artísticas.
No entanto, o livro se apoia sobre extensa bibliografia, da qual poucos títulos foram publicados em português. E, talvez por isso, alguns de seus artigos soem docemente ingênuos ou redutores. Cito especificamente O Nascimento de Weimar, de Toni Egherman, texto de pouco mais de duas páginas que tenta situar as bases históricas da escola e algumas de suas escolhas.
Ancorado em obras de Peter Gay, Ian Kershaw, Gordon Craig e outros autores, o texto simplifica tanto, que pode-se resumir sua mensagem no seguinte: “Weimar foi uma república claudicante que não consolidou o ‘espírito alemão’, ficando a mercê de utopias elevadas e da mais devastadora barbárie”. O que, convenhamos ajuda muito pouco a entender o período e a escola. Sua relação com o Estado e a sociedade alemã é de análise complexa, uma vez que não deve se submeter a esquemas de interpretação gerais, sem levar em conta a autonomia relativa da própria instituição, desejada pelos mentores da escola das diversas ‘fases' (Weimar, Dessau/Gropius, Meyer e Mies) que, ao mesmo tempo, suspiravam por sua inserção e até mesmo liderança nos processos artístico-industriais do período.
Ao adotar na introdução o ponto de vista, amplamente aceito, de que a Bauhaus foi uma escola pontuada por grandes contradições internas, sem entrar no mérito delas, a coletânea deixa de indicar, nas suas bases históricas, o montante dessas contradições. Mas tem o mérito de apontar possibilidades de construções a partir do legado bauhausiano, mesmo na crítica a conhecimentos ali formulados, como se dá no artigo de Mike Mills, expondo a pretensa universalidade de Bayer, respaldada por noções correntes de gênero. (Sim, a Bauhaus foi uma construção masculina, apesar da participação de tantas mulheres.)
Depois de 1989, com a queda do Muro de Berlim, abriram-se novas possibilidades de investigar a boa e velha Bauhaus, mito do design do século XX. Arquivos antes inatingíveis tornaram-se públicos. Estamos longe da doce idealização da Bauhaus Dessau, versão MoMA. Um dos livros, Bauhaus, Crucible of Modernism, de Elaine Hochman, é um dos que mereciam ser traduzidos...
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